“As vítimas precisam de acreditar no sistema judicial”, diz presidente da APAV
21-01-2019 - 10:33
 • Renascença

João Lázaro reage na Manhã da Renascença ao relatório do Conselho da Europa que critica Portugal na resposta à violência contra as mulheres. Juízes pedem estudo para apurar factos.

O facto de existir poucas condenações na justiça desmotiva as vítimas de violência doméstica a apresentar queixa, uma situação que o presidente da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) lamenta.

“As vítimas precisam de acreditar no sistema judicial, mesmo que muitas delas queiram não entrar no sistema ou queiram simplesmente passar à frente no seu processo e procurar uma vida sem violência”, começa por dizer.

“Mas a resposta da justiça – a resposta exemplar face ao que é uma violação grave dos direitos humanos – é essencial para que o cidadão comum e aquele que é vítima de violência e vítima de crime, num cômputo mais geral, possa acreditar claramente num sistema de justiça que, lembremo-nos, administra a lei e a aplica em nome de todos nós”, defende.

João Lázaro esteve em direto na Manhã da Renascença para reagir ao relatório segundo o qual Portugal está a falhar no combate à violência contra as mulheres. O documento do Conselho da Europa é apresentado esta segunda-feira em Estrasburgo e destaca a reduzida taxa de condenações destes crimes, abusando-se, por outro lado, das penas suspensas.

Alvo de crítica é também a falta de coordenação entre as diferentes agências governamentais – um problema, diz o presidente da APAV, que tem sido repetidamente denunciado pelas associações que estão no terreno.

João Lázaro recorda que “as ONG no terreno têm apontado durante muitos anos” que falta formação contínua aos juízes, por exemplo.

“Formação contínua para magistrados e não apenas formação inicial; a questão do financiamento com coerência e que seja duradoura e não apenas dependentes de jogos sociais; e sobretudo cada vez mais uma coordenação e uma eficácia de coordenação entre os vários organismos do Estado no seu todo, designadamente os que têm a ver com a justiça: Ministério Público, os tribunais e também a reinserção social”, aponta.

O relatório do Conselho da Europa reconhece que Portugal já fez melhorias, mas ainda há várias falhas e muito por fazer no terreno.


“Dificuldades ao nível da prova”

Os juízes prometem estudar o assunto e estão a ultimar ações nesse sentido, com vista a perceber se existe uma questão de perceção ou se os dados correspondem mesmo à realidade.

“Um estudo que visa responder, exatamente, à seguinte questão: se nos casos de crimes de violência doméstica e não só - crimes sexuais, independentemente do género da vítima - os tribunais portugueses aplicam a justiça de forma discriminatória”, explica Carolina Girão, da direção da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, à Renascença.

“Por nós formularmos críticas, essas críticas têm de ter uma sustentação factual. E para terem sustentação factual também têm de ser sujeitas a um crivo técnico e científico que nos permita extrair uma conclusão que não pode ser extraída apenas com base em premissas empíricas”, reforça.

Até que sejam conhecidos os resultados desse estudo, Carolina Girão lembra que os juízes se limitam a cumprir a lei e que a moldura penal para a violência doméstica, em Portugal, pode não ser favorável à vítima.

“A verdade é que as necessidades de proteção da vítima não estão presentes de forma imediata quando o juiz decide se vai suspender ou executar a pena de prisão. Isto, por imposição legal. É o sistema”, afirma.

“No nosso sistema legal, a suspensão das penas de prisão não está afastada para crimes desta gravidade ou de diferente natureza”, sublinha.

Além disso, no entender desta juíza, o crime de violência doméstica é muito difícil de julgar, sobretudo pela dificuldade de obtenção de provas.

“É um crime em que os tribunais se confrontam muitas vezes com dificuldades assinaláveis ao nível da prova. Porque as vítimas são muitas vezes também as únicas testemunhas presenciais dos factos e, em sede de julgamento, recusam-se legitimamente a depor – a lei dá-lhes essa faculdade por eventualmente já se encontrarem reconciliadas com o arguido. E, portanto, as absolvições também se prendem com ausência de prova dos factos”, explica.


[Notícia atualizada às 13h15 com reação dos juízes]