“Dar pousada aos peregrinos” – como se pratica esta obra de misericórdia?
30-03-2016 - 13:56
 • Ângela Roque , Paula Costa Dias e Olímpia Mairos

Comparando com Espanha, onde há mais de mil albergues nos vários caminhos para Santiago, em Portugal estes ainda escasseiam. Pelo país ainda há quem abra a porta de casa para acolher quem peregrina, mas os quartéis de bombeiros e os pavilhões desportivos são as principais alternativas para pernoitar.

Os albergues são fundamentais para quem peregrina e seria importante haver mais em Portugal. É a opinião de Isabel Blanco Ferreira, do GPS Estoril (Grupo de Peregrinos de Santiago) e delegada do Centro Nacional de Cultura para o Caminho do Mar.

Todos os anos vai a pé a Fátima e a Compostela, e já percorreu todos os Caminhos espanhóis até Santiago. Sabe, por isso, que no país vizinho há muito mais oferta: “São mais de mil albergues espalhados por toda a Espanha, uns que são públicos, promovidos pelas autarquias, outros particulares”.

Em Portugal existem sobretudo a norte de Coimbra: “Aqui em baixo, na zona de Vila Franca, já apareceu um, mas no Caminho do Mar ainda não temos nenhum”. O Caminho do Mar liga o Estoril a Fátima, atravessando um total de 11 concelhos, mas Isabel Blanco Ferreira lamenta que muitas autarquias não tenham ainda percebido que “o turismo religioso faz avançar a economia local. Há muitas povoações, em Espanha e em Portugal, que se não fosse a passagem dos peregrinos teriam já morrido”.

“Há espaços que as câmaras e as juntas de freguesia têm, mas estão abandonadas, e isto até é uma forma de os reactivar”, diz à Renascença esta responsável, para quem a solução pode passar pelas misericórdias. “Tenho um grande sonho, que através das Santas Casas se consiga alguma coisa. E já andamos a encetar contactos para ver se a de Cascais disponibiliza um espaço”, diz.

Isabel Blanco Ferreira lembra que os albergues de peregrinos são importantes para quem, na maioria dos casos, está “numa procura de transcendência e de encontro com Deus. Por isso é muito diferente de ficarmos instalados num hotel, por muito bem acolhidos que possamos ser”, explica. “Até existem estabelecimentos hoteleiros que fazem descontos, mas não é a mesma coisa”.

Conta ainda que “até já há albergues com preocupação ecuménica, e têm um espaço para que as pessoas possam rezar, meditar, estar em silêncio, mesmo que venham de outras tradições”. É o caso da Oficina del Peregrino, em Santiago de Compostela, onde as novas instalações “têm uma capela com esse espírito ecuménico”.

Primeira paragem: Minde, Fátima

Para quem vai a pé do sul até Fátima, Minde é a última paragem antes do Santuário. Há uns anos eram os próprios habitantes que acolhiam peregrinos nas suas casas, mas hoje já podem pernoitar no pavilhão Ana Sonsa, com capacidade para duas mil pessoas. “Damos todo o apoio necessário, em especial em Maio e Outubro”, explica à Renascença António Santarém, da Comissão que gere o pavilhão, e que está ligada à Igreja.

Nesses meses com mais afluência arranjam sempre uma sopa quente e, com a ajuda dos paramédicos internacionais de Lisboa, tratam das bolhas e de outras pequenas mazelas, comuns entre quem caminha a pé. Nos meses com mais peregrinos “isto mais parece um hospital de campanha”, conta António Santarém, sublinhando que tudo é feito de forma voluntária: “Ninguém recebe um centavo. Isto dá-nos imensa alegria porque estamos a fazer uma obra de caridade, e especialmente neste ano que é o Ano da Misericórdia”. Além das refeições, os peregrinos também podem tomar banho no Pavilhão, sendo que, em alturas de maior afluência, a autarquia de Alcanena disponibiliza os balneários das piscinas.

Outro local de acolhimento em Minde são as instalações dos Bombeiros voluntários. O Comandante Sérgio Henriques diz que as “grandes noites” são as de 11 para 12 (de Maio ou de Outubro), quando o quartel fica repleto de peregrinos: “ficam no salão nobre, no parque de viaturas na nossa parada lá atrás, ou no parque de viaturas à frente, e nós pomos as nossas viaturas todas na rua”. Conseguem acolher algumas centenas de pessoas. Só colchões “temos cerca de 400, que a actual direcção fez questão de comprar”, mas conta que no ano passado “os peregrinos até montaram tendas lá atrás, no nosso parque de viaturas”.

Acolhimento a norte, no Albergue Santiago

No norte há vários albergues que acolhem quem faz o Caminho para Santiago. Um deles fica na aldeia de Parada do Corgo, no concelho de Vila pouca de Aguiar. É uma estrutura da autarquia local que ajuda quem por ali passa, quer se encaminhe para Compostela, quer venha para sul, para Fátima.

“Há peregrinos de todas as idades, uns vêm sozinhos, outros em grupo. De verão vêm mais do que de inverno, e há dias que vem muita gente. Às vezes saem uns e entram outros. Passa por aqui gente muito boa”, conta à Renascença a alberguista Adelaide Pereira.

O Albergue Santiago tem capacidade para 10 pessoas, em beliches. Possui ainda arrumo para bicicletas, anexo ao edifício. A cozinha, totalmente equipada, pode ser usada para a preparação de refeições e pequeno-almoço, embora haja quem opte por comer no restaurante da aldeia.

Acolher e dar pousada aos peregrinos é um trabalho que Adelaide faz “com muito gosto”, por isso diz que “quando não querem ir ao restaurante para as refeições”, faz tudo para que nada lhes falte. “Costumo desenrascá-los com o que precisam”.

É neste albergue que a Renascença encontra Mário Martins, de 36 anos. É de Aveiro, mas iniciou o caminho em Viseu: “Venho pela experiência em si, e pela natureza, que nos permite um contacto mais estreito connosco próprios e com as pessoas que encontramos pelo caminho”. Sublinha o bom acolhimento que tem encontrado nos albergues, que permitem que a experiência seja “económica”, e que considera estarem “bem organizados e com o que é necessário para retemperarmos as forças para o resto da caminhada”.

No albergue de Santiago os peregrinos só podem permanecer por uma noite, uma vez que a estrutura, da autarquia de Vila Pouca de Aguiar, serve de apoio ao Caminho Português Interior de Santiago, cujo início se encontra na Sé de Viseu e encerra na Catedral de Santiago de Compostela, num percurso de 387 quilómetros.

Este foi um dos temas em destaque no programa “Princípio e Fim” de 27 de Março.