Banif. TVI e Sérgio Figueiredo vão ser julgados por crime de ofensa à reputação económica
20-03-2020 - 11:00
 • Lusa

Em causa está a notícia dada pela TVI em dezembro de 2015 sobre problemas no Banif e uma eventual medida de resolução. Juiz considera existirem indícios suficientes de violação “ostensiva das obrigações éticas e deontológicas” do jornalismo.

A TVI e o diretor de informação, Sérgio Figueiredo, vão ser julgados pelo crime de ofensa à reputação económica, segundo a decisão do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa. A notícia é avançada nesta sexta-feira peça agência Lusa.

A decisão instrutória é especificamente sobre três crimes que estavam imputados a Sérgio Figueiredo, mantendo a acusação sobre ofensa à reputação económica e deixando cair os outros dois pelos quais tinha sido deduzida acusação – crime de ofensa à pessoa coletiva e crime de desobediência qualificada.

A TVI não esteve em apreciação nesta decisão, porque não pediu a instrução do processo, mas a decisão sobre Sérgio Figueiredo implica que o canal também vá julgamento.

Em causa está a notícia dada pela TVI em 13 de dezembro de 2015 sobre problemas no Banif e que estava em preparação a aplicação de uma medida de resolução.

Segundo a sentença datada de 16 de março, a que a Lusa teve acesso, o juiz justifica ao longo de oito páginas os indícios que considera existirem para haver um julgamento de Sérgio Figueiredo pelo crime de ofensa à reputação económica, por não se ter oposto enquanto diretor de informação à divulgação da notícia sobre o Banif.

Segundo o juiz, os elementos existentes nos autos (caso de responsáveis do Banco de Portugal) “apontam efetivamente no sentido de não ser verdadeira a notícia transmitida pela TVI”, mesmo tendo em conta as atualizações da notícia ao longo da noite de domingo.

Contudo, diz, também que tem de ser determinado se a notícia “se encontra a coberto da tutela e proteção ao abrigo do direito de imprensa”.

Assim, refere que a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) entende que a “proteção do direito dos jornalistas de transmitir informações sobre questões de interesse geral exige que os mesmos hajam de boa fé, relatando as notícias com honestidade, rigor e exatidão, e ouvindo as partes com interesses atendíveis no caso, de modo a garantir a existência de uma ‘base factual suficientemente precisa e confiável’, que possa ser proporcional à natureza e ao grau da alegação”.

“Ora, na situação em apreço, existem indícios suficientes que o arguido (ou, mais corretamente, a equipa de jornalistas por si coordenada) terá violado ostensivamente as obrigações éticas e deontológicas”, justificando-se o juiz com a deliberação de 2016 da Entidade Reguladora da Comunicação Social.

Segundo o juiz, o arguido não ouviu previamente Banco de Portugal nem o Ministério das Finanças e diz que, segundo o TEDH, essa obrigação só pode ser descurada quando a informação tenha sido obtida de fontes oficiais, ainda que não públicas, ou transmitida em citação direta.

Nos autos, entende o juiz, a prova que mais se aproxima é um ofício do Banco de Portugal ao Ministério das Finanças a dizer que se a venda do Banif não for feita que não há outra alternativa se não a resolução, considerando o juiz que mesmo que o arguido tivesse acesso a esse ofício “não é possível extrair do mesmo o teor da notícia transmitida”.

Além disso, acrescenta, não podia o arguido “desconhecer que a utilização da expressão 'fecho' do banco seria idónea a provar uma situação de ‘pânico’ por parte de todos os cidadãos com relações comerciais com o referido banco” e que, na jurisprudência do TEDH, o controlo de deveres e responsabilidades ainda é maior nos jornalistas de televisão e rádio pelo impacto dos meios.

“Ora, é precisamente esse tipo de juízo que justifica a indicação do arguido pela prática do crime de que vem acusado. Com feito, considerando-se a gravidade da notícia publicada – a qual teria necessariamente um efeito assaz relevante na reputação económica e na própria viabilidade do banco visado – deveria o arguido diligenciado pela confirmação da mesma, opondo-se, sendo o caso, à transmissão da notícia em causa até que fosse possível apurar a fidegnidade das respetivas fontes”, considera o juiz.

Já sobre o crime de desobediência qualificada, entende não haver matéria para ir a julgamento, uma vez que o arguido não respondeu pessoalmente a questões sobre a identidade dos autores da nota de rodapé sobre o Banif, mas que tal foi respondido pela TVI.

Quanto ao crime de ofensa à pessoa coletiva, considerando que a factualidade em causa é a mesma do crime de ofensa à reputação económica considerou não pronunciar Sérgio Figueiredo.

Em julho de 2019, quando foi conhecido o pedido de abertura de instrução, o diretor do canal, Sérgio Figueiredo, disse à Lusa estranhar que o Ministério Público coloque "com prioridade" o tema de uma notícia em vez dos processos em mãos sobre responsáveis bancários.

"Acho estranho que num país em que os banqueiros conseguiram destruir praticamente todo o negócio bancário que o país tinha em sete ou oito anos, que muitos desses processos resultaram em vários tipos de intervenção do Estado - alguns na extinção dos bancos que existiam -, que os reguladores permitiram tudo isso [...], nunca preveniram a morte [das instituições], se esteja a discutir uma notícia de rodapé", afirmou.

A TVI noticiou em 13 de dezembro de 2015 (um domingo à noite) que o Banif ia ser alvo de uma medida de resolução. A notícia terá, segundo o banco, precipitado a corrida aos depósitos, cuja fuga foi próxima de mil milhões de euros na semana seguinte, segundo afirmaram no parlamento vários responsáveis.

Em 20 de dezembro de 2015, o Governo e o Banco de Portugal anunciaram a resolução do Banif.