Semana de puxões de orelhas por parte de Bruxelas
23-10-2015 - 14:14
 • Ricardo Conceição , Anabela Góis

A semana fica marcada pelos avisos da Comissão a Portugal por causa do Orçamento de Estado para 2016. Bruxelas insiste que – com ou sem Governo – Lisboa tem de entregar um esboço de plano orçamental para o ano que vem... o que já deveria ter feito até há uma semana.

A propósito do ultimato feito, Pedro Santana Lopes, antigo Primeiro-ministro, diz que a exigência de Bruxelas não faz qualquer sentido e que não passa de um exercício burocrático: Não faz sentido um Governo de saída apresentar um projecto de orçamento em Bruxelas e, ao fazê-lo, a Comissão Europeia exige um acto de cinismo: “imagine que um Governo de saída deixava um legado de austeridade para o Governo seguinte, ou manda para Bruxelas um exercício de ficção e deixa uma batata quente para o próximo Governo resolver”...

São críticas partilhadas por António Vitorino. O antigo Comissário Europeu da Justiça acrescenta, no entanto, que Bruxelas está a obrigar o próximo Governo de Pedro Passos Coelho a incluir o Orçamento nas suas prioridades: “O semestre europeu é uma medida de coordenação das medidas orçamentais e económicas dos Estados europeus e, obviamente, que isto é um sinal de que o próximo Governo tem de dar prioridade imediata para o envio de um esboço de Orçamento”.

De ontem, ficam as palavras do Presidente do Banco Central Europeu. Antes da decisão anunciada por Cavaco Silva, Mario Draghi considerou que a “incerteza política em Portugal é má para a economia”.

As declarações de Draghi foram feitas no dia em que o BCE anunciou mais estímulos monetários à economia no final do ano, o que teve como efeito imediato a descida dos juros da dívida portuguesa. O Banco Central Europeu está, nesta altura, a injectar 70 mil milhões de euros por mês na economia, em empréstimos ultra-baratos. Mas parece que isto não chega para ultrapassar a fragilidade da retoma e os riscos que ameaçam a zona euro.


FIAT e Starbucks primeiros gigantes multados por Bruxelas

A semana fica marcada, também, pela decisão de Bruxelas de agir contra os acordos fiscais, ao impor as primeiras multas a grandes empresas multinacionais. No caso, o construtor italiano FIAT e a cadeia de cafés norte-americana Starbucks. As duas empresas foram condenadas a pagar entre 20 a 30 milhões por acordos fiscais ilegais.

Para a comissária europeia responsável pela política da Concorrência, Margrethe Vestager, esta multa “deve servir de exemplo”, uma vez que se trata de duas grandes empresas que deixaram de pagar os impostos devidos ao Luxemburgo e à Holanda, respectivamente. Quanto aos Estados-membros, não serão penalizados, disse a Comissária, terão apenas de mudar as regras: “Quando se trata de benefícios fiscais, basicamente, nós não trabalhamos com medidas punitivas. É uma regra muito simples. Se algum Estado-membro conceder um subsídio ou um benefício fiscal que não seja legal, tem de repor as condições de concorrência leal”.

Margrethe Vestager diz esperar que, com a decisão tomada esta semana, a mensagem tenha sido bem compreendida pelos Governos dos Estados-membros e pelas empresas. Ainda assim, têm agora um período para contestar: “O próximo passo após uma decisão negativa, é o Estado-Membro poder contestar a nossa decisão, o que significa que eles têm dois meses para fazer seus próprios cálculos e para iniciar a recuperação do dinheiro. E nós temos procedimentos para fazer essa recuperação. É claro que tanto os Estados-membros como as empresas podem recorrer – esta é uma União de direito – por isso é possível que nos venhamos a encontrar em tribunal. Agora, os Estados-membros têm um período de dois meses para a fazer seus cálculos”.

A Amazon e a Apple podem ser os próximos alvos de Bruxelas, uma vez que também estão a ser alvo de processos de investigação...


Uma Europa cada vez mais radicalizada

Desta semana ainda, a conferência de alto nível que decorreu em Bruxelas, para debater a radicalização na União Europeia. Ministros, comissários, procuradores, Eurojust e estabelecimentos prisionais trocaram ideias sobre formas de combater e prevenir o fenómeno. Sobretudo nas prisões e na internet. Discutiu-se, ainda, o que fazer com os combatentes estrangeiros que voltam da Síria e Iraque e que são uma ameaça para a União Europeia.

Um dos pontos em que os 28 querem avançar é na luta contra a radicalização. A comissária da Justiça, Vera Jorouvá, explicou que “uma das fontes mais preocupantes de radicalização está online e é muito mais difícil de acompanhar ou prevenir. Há uma nova geração de detidos radicalizados que tentam escapar aos radares, que não mostram sinais exteriores óbvios de radicalização e que tentam radicalizar grupos muito pequenos de indivíduos vulneráveis”.

A radicalização que ocorre nalgumas prisões europeias também foi alvo de análise, com a ministra da Justiça francesa Christiane Taubira a descrever o que se passa no seu país: “Seguimos 344 detidos identificados por cometerem, ou suspeitos de terem cometido, actos terroristas, nos nossos estabelecimentos penitenciários. Entre eles, há 221 que pertencem ao que se chama a radicalização violenta do islamismo radical. 33 já tinham antecedentes prisionais. Nós procuramos saber, entre os que já passaram pela prisão, e houve um risco de radicalização no interior dos estabelecimentos penitenciários”.

Outro fenómeno que a UE enfrenta é a dos chamados combatentes estrangeiros. São europeus radicalizados e que vão combater no Iraque ou na Síria, para depois voltarem à Europa e espalharem o terror, como explicou o comissário Dimitris Avramopoulos: “Através da União Europeia, a ligação entre radicalização e violência extremista é óbvia. A propaganda extremista leva combatentes estrangeiros da Europa para treinar, combater e cometer atrocidades em zonas de combate. Depois regressam para ameaçar a estabilidade e a segurança interna da União Europeia. Temos milhares de europeus que deixam as suas vidas aqui para irem combater ao lado de grupos terroristas em países como o Iraque ou a Síria”.