​Crime no Ministério? Ex-adjunto de Galamba relata alegadas agressões e sequestro
17-05-2023 - 17:58
 • Cristina Nascimento

Frederico Pinheiro detalha o que aconteceu desde que foi demitido até entregar o computador ao agente do SIS, numa reconstituição que vai desde as 20h40 à meia-noite de 26 de abril.

Depois de várias semanas de troca de acusações e de relatos, esta quarta-feira foi a vez do Frederico Pinheiro, antigo adjunto do ministro das Infraestruturas João Galamba revelar o que aconteceu no fim do dia de 26 de abril, dia em que foi demitido de funções e que terminou com a entrega do seu computador a um agente do SIS.

Os esclarecimentos foram prestados na comissão parlamentar de inquérito à gestão da TAP, na sequência de perguntas feitas pelo deputado do Chega André Ventura.

As horas e factos descritos foram apontados por Frederico Pinheiro.

20h40 – Frederico Pinheiro afirma receber um telefonema do ministro João Galamba. “Liga-me e comunica-me que estou despedido. Nesse momento dirige-se a mim em termos absolutamente impróprios numa relação laboral. Foi um choque”. Pinheiro revela que a chamada dura um minuto e 22 segundos e confirma que, durante o telefonema, João Galamba ameaçou agredi-lo.

Pinheiro adianta que, em momento algum, foi-lhe dito que estava impedido de ir ao Ministério.

Frederico Pinheiro revela que, no momento do telefonema, dirigia-se de bicicleta para casa, “estava perto do Ministério das Infraestruturas”. "Decidi ir ao Ministério recolher os meus pertences para não ter de voltar mais ao gabinete no dia seguinte", adiantou.

Embora sem precisar a que horas chegou ao Ministério, Frederico Pinheiro relata que entrou nas instalações “como sempre o tinha feito”. “Não houve nenhuma ordem para me impedirem de entrar no edifício”, reforça.

Pinheiro adianta que subiu ao quarto piso onde encontra a assessora de imprensa Paula Lagarto, que afirma, estava a vigiar a sua sala.

“A Dra. Paula Lagarto estava tensa e nervosa. Quando me vê, diz, de forma muitíssimo exaltada, para me dirigir ao gabinete da senhora chefe de gabinete, Dra. Eugénia Correia. Repete duas vezes. Em ambos os casos eu recuso, digo que vou arrumar as minhas coisas e que me vou embora. O computador estava em cima da minha secretária, onde sempre estava, não tinha sido removido nesse momento”.

Neste relato aos deputados, Frederico Pinheiro afirma que, nessa altura, Paula Lagarto “começa a gritar e a chamar a Dra. Eugénia Correia dizendo que eu não queria ir ao gabinete dela e que estava a levar o computador”.

“Numa questão de segundos, chegam ao meu gabinete a Drª Eugénia Correia e a Engª. Cátia Rosas. A senhora Chefe do Gabinete [Eugénia Correia], diz-me que eu não vou levar o computador do Ministério. O ambiente é tenso e o tom ameaçador”, descreve.

“Nesse momento, a Dra. Eugénia Correia agarra a minha mochila, onde estava o computador, e a Drª. Paula Lagarto e a Engª. Cátia Rosas procuram agarrar-me nos braços e empurram-me, com o intuito de me fazerem largar a mochila. Não largo. Nesse momento chega a Dra. Rita Penela, igualmente assessora de comunicação, que também tenta agarrar e agarra a minha mochila”, continua a descrever.

“Neste momento tenho quatro membros do gabinete do ministro das Infraestruturas a agarrarem-me, empurrarem-me e a procurarem tirar-me a mochila, numa situação completamente absurda e quase surreal”, detalha.

Frederico Pinheiro descreve depois que dirigiu-se ao piso -1, numa tentativa de sair pela garagem, mas que a porta estava trancada. “Percebo que me trancaram dentro do edifício”, afirma.

21h02 – Frederico Pinheiro liga à PSP e relata o que se tinha sucedido. “Peço ajuda para me libertarem do edifício onde me prenderam. A PSP indica que vai enviar ajuda”, afirma.

Feito o telefonema para a PSP, Frederico Pinheiro afirma: “pego na minha bicicleta e subo pelas escadas ao piso 0, onde se encontra a entrada principal”, tendo verificado que “porta está trancada”. Pinheiro assegura que o elemento da segurança recusava abrir a porta por “ter recebido ordens para fechar o edifício”.

Pinheiro assume que “discute com o segurança que se recusa de forma persistente a abrir a porta”, mas garante que, “ao contrário, do que foi publicamente difundido, não há nenhum vidro partido com uma bicicleta ou com qualquer outro objeto”.

21h22 – Frederico Pinheiro diz que, cerca de 20 minutos depois de ter chamado a PSP, voltou a subir ao quarto piso “para arrumar outros bens pessoais”.

“Entro na minha sala e não está lá ninguém. Retiro o computador da mochila e todos os outros bens. Neste momento chegam quatro elementos da PSP. Arrumo as minhas coisas na mochila e arrumo o computador em frente aos elementos da PSP”, descreve.

Pinheiro adianta que, no espaço de 10 minutos que esteve com a PSP, relatou o que se passou e é questionado sobre se quer apresentar uma participação. Frederico Pinheiro recusa: “só quero ir para casa ter com a minha família”.

Frederico Pinheiro adianta que desceu no elevador acompanhado por dois agentes da PSP que “dão ordem ao segurança para abrir a porta”.

“Sai do Ministério sem pressa, de bicicleta com uma mochila pesada nas costas e com um livro na mão”, recusando a ideia de ter fugido do local e dá por terminado o relato do que considera ter sido o seu "surreal sequestro dentro do edifício".

Entrega do computador ao SIS

Frederico Pinheiro que, depois das 21h30, quando já estava em casa, copiou do computador documentos de trabalho e pessoais. Quando terminou essa tarefa, pelas 23h02, enviou mail Centro de Gestão da Rede Informática do Governo (CEGER) com o conhecimento do ministro João Galamba da chefe de gabinete, já do mail pessoal porque tinha sido bloqueado o acesso ao mail do Ministério.

Nesse mail, pedia para que lhe fosse entrega uma cópia de documentos de trabalho e pedia para agendar uma data para entregar o telemóvel que também lhe estava atribuído. Pinheiro reforça que disponibilizou-se "para entregar o computador e o telemóvel de serviço".

Já depois do envio desse mail, pelas 23h05 foi contactado de um número que desconhecia. Não atendeu essa chamada, relata.

Esse contacto repetiu-se às 23h11 e dessa vez decide atender.

“A pessoa que fala comigo é um homem que se identifica como agente do SIS”, descreve, e acrescenta que o agente do SIS explica que o está a contactar por causa do computador e a informação que contém.

“Tive uma reação de choque e de incredulidade. Obviamente que desconfiei que pudesse ser mentira, nunca imaginei ser contactado pelo SIS”, acrescenta.

O ex-adjunto manifesta as suas dúvidas ao agente e combinam uma forma de verificar que se trata de um agente do SIS.

Entretanto, adianta Pinheiro, foram ficando mais "adensadas" dúvidas sobre a legitimidade de entregar o computador a um elemento do SIS, pois tinha sido alertado por um jurista de família para um eventual "extravasar" dos poderes do SIS.

Partilhadas estas dúvidas com o agentee do SIS, Pinheiro assegura “que está a ser muito pressionado por alguém de cima" e "que o melhor é resolver a bem porque depois tudo se pode complicar".

"Esta ameaça é repetida mais duas vezes ao longo das conversas com o agente do SIS”, nota Pinheiro.

Pinheiro decidiu então pedir “para entregar o computador na presença de uma familiar que é procuradora-geral adjunta". O agente manifesta-se "preocupado" e diz "que estou a escalar e rejeita essa solução". "É melhor resolver entre os dois”, reafirma.

O ex-adjunto de Galamba refere que, dadas todas as suas dúvidas, o telefonema dura 13 minutos. Pede para refletir durante cinco minutos e volta a ligar ao agente do SIS.

Frederico Pinheiro acede então fazer a entrega do computador. Neste telefonema, que durou cinco minutos, fica combinado que a entrega do equipamento seria feita na rua de residência de Pinheiro.

"Saio de casa sozinho, encontro o agente no fim da minha rua. O agente identifica-se, cumprimentamo-nos. O agente volta a referir que o assunto morre ali. Entrego computador pela meia-noite”, remata.