Como é próprio da minha geração, já menos jovem, ainda leio imprensa no papel e consumo notícias através da televisão. Assino ou consulto, também, inúmeros títulos online, de sites de notícias e de “feeds” que recebo frequentemente no telemóvel.
Por ter um pouco mais de tempo nas férias de verão, cedo à tentação de, a propósito de várias notícias, editoriais ou outros suportes online, ler essa “nobre” instituição que são as caixas de comentário dos leitores – no fundo, uma desmaterialização incontrolada das velhinhas “cartas à redação” que por vezes eram publicadas nas páginas de jornais ou revistas. Note-se que não tenho, e pouco frequento, redes sociais (a não ser o WhatsApp, que julgo que não é uma rede…). Mas as ditas caixas de comentários revelam, numa análise empírica, três aspetos que se têm vindo a agravar.
O primeiro é o do anonimato e, portanto, o da cobardia. Não sabemos quem se esconde por detrás de cada “nickname” (e há alguns incríveis), ou se o nome que assina o comentário é verdadeiro ou inventado.
As mais das vezes sob identidade falsa, os leitores-comentadores podem dizer o que quiserem, e muitas vezes dizem (quando não há “gatekeepers” moderadores – que não se confundem com censura!) o que não teriam coragem de afirmar cara-a-cara com o autor do que estão a comentar. Na sombra, têm a valentia dos cobardes; estão diluídos numa multidão sem rosto, que perdeu o respeito porque não tem de assumir a responsabilidade (ética, moral, até legal) da autoria do insulto fácil, da demolição acrítica, da maledicência pura e da contraopinião falaciosa, porque enviesada ou factualmente errada.
Escrevendo o que se quer e como se quer, os comentadores anónimos (os que ainda são pessoas, e não “bots”, “trolls” ou criações da IA) não dialogam, monologam; não se sujeitam ao contraditório e enquistam-se no entrincheiramento ideológico. Incapazes de parar para escutar outras opiniões e para, no confronto civilizado com elas, treinarem a alteridade argumentativa, mirram as suas capacidades mentais para desmontar argumentos e para melhorar pontos de vista pessoais e alheios. Do mundo virtual, vivido no solipsismo que apenas mergulha nos ecrãs, este empobrecimento da mente transfere-se depressa para o mundo real, onde os discursadores de ódio (já) não conseguem debater com outros, exteriores à sua tribo: o que é diferente impacienta-os, ofende-os e choca-os. Mais: a diferença deixa de ser expressão da saudável diversidade dos seres humanos e das coisas, para passar a ser um vício alheio, que se extermina pelo insulto às ideias e pelo assassinato de caráter dos que lhes são diferentes.
Finalmente, os profissionais do anonimato, guerreiros de uma qualquer causa fraturante do dia, náufragos da civilidade do diálogo aberto e construtivo com o outro, revelam ainda o problema, nada despiciendo, da ignorância da sintaxe e da gramática, expressando-se numa língua de trapos, cheia de gralhas, diminutivos que ninguém entende (ou só os da tribo entendem), com uma arrepiante pontuação e uma absoluta incapacidade para separar o discurso oral do café do discurso (bem) escrito. A escrita apressada (o que é diferente de concisa), pobre e básica é a praga dos nossos dias.
É claro que há exceções: comentadores cuja identidade não oferece dúvidas, que acrescentam ao que estão a comentar e o fazem de forma urbana, pertinente e elegante. Mas são cada vez mais exceções. No abominável mundo novo que a internet abriu para tantos, está a proliferar uma bem criticável ignorância agressiva. Nicholas Carr, o autor do livro «Shallows: What the internet is doing to our brain» tem cada vez mais razão: os que mal o usam, fazem do virtual um submundo de superficialidades ofensivas e ignaras, que lesa os deles, e também os nossos, cérebros.