As medidas de apoio aprovadas há quase 10 meses no Estatuto do Cuidador ainda não sairam do papel. A denúncia é da vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais, deixada na edição desta semana do programa "Da Capa à Contracapa", da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), que esta semana debate os desafios dos cuidados formais e informais em Portugal.
"As medidas de apoio que saíram em lei em Novembro não estão a ser aplicadas. Os cuidadores continuam a não ter apoio domiciliário nem descanso do cuidador - mesmo pagando, porque as vagas não existem. Há imensas filas de espera. As entidades que vão prestar o descanso ao cuidador têm poucas vagas ou utilizam-nas noutras áreas", afirma Maria dos Anjos Catapirra. O apoio domiciliário e o descanso do cuidador são medidas só aprovadas em novembro de 2023 no quadro do Estatuto do Cuidador.
A cofundadora da Associação que representa os cuidadores informais diz que "ninguém consegue receber" apoio psicológico, assinalando que os centros de saúde encarregues dessa ajuda não têm profissionais em número suficiente para apoiar os cuidadores informais.
O Estatuto prevê a formação e capacitação, para ajudar os cuidadores informais a lidar com o contexto de saúde das pessoas que recebem os seus cuidados, mas a Associação diz não ter conhecimento da implementação dessa medida.
"Isto seria essencial, porque foi para isto que lutámos. Não somos profissionais de saúde, a grande maioria de nós não vem da área da saúde. Essa capacitação seria importantíssima", explica Maria dos Anjos Catapirra no programa da Renascença.
Sem apoios e sem respostas
A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais afirma já ter comunicado estas queixas ao actual Governo, mas não obteve respostas da secretária de Estado da Inclusão. E a questão não é financeira, assegura esta dirigente.
"Foram orçamentados 30 milhões de euros em cada ano de legislação aprovada, com excepção do último ano com 27 milhões. O custo total para cuidadores informais foi de 26 milhões em 4 anos. Portanto há verbas", afirma Maria dos Anjos Catapirra. "Há muita falta de vontade política em apoiar os cuidadores informais. Nós não somos pessoas, somos mão de obra a custo zero com muito interesse para o Estado", critica no debate organizado a propósito do livro "Quem cuidará de mim?”, agora publicado pela FFMS da autoria de Ana Paula Gil, professora e investigadora da Universidade Nova de Lisboa.
Apenas 16 mil pessoas têm o seu estatuto de cuidador reconhecido e destas 50% são cuidadores informais. No entanto, há cálculos que apontam para mais de um milhão de pessoas exercendo cuidados em Portugal. A autora do livro agora publicado diz que faltam políticas que ajudem as famílias e que pensem nos cuidados num horizonte mais alargado.
"Todos queremos envelhecer em casa, mas a que preço? O que tem acontecido tem por base a garantia de que a mulher ou o homem vai estar disponível para cuidar. Faltam políticas de cuidados de longa duração, que possam responder ao apoio no domicílio. Se queremos que as pessoas envelheçam com qualidade e conforto no seu próprio domicílio, as pessoas precisam de ser apoiadas com serviços de retaguarda e com equipas domiciliárias, onde há uma escassez enorme", afirma a investigadora da Universidade Nova, na Renascença.
Homens cuidadores de todas as idades
70% dos cuidados informais em Portugal são prestados diariamente por mulheres com mais de 50 anos, representando 9% da população portuguesa. Mas há cada vez mais relatos de homens a prestar cuidados informais e a Associação Nacional de Cuidadores Informais diz receber cada vez mais contactos de homens que precisam de ser apoiados na sua tarefa de cuidadores.
"Somos contactados por muitos homens cuidadores informais, não apenas a cuidar das esposas mas também das mães. Encontramos imensos. Muitos deles tiveram mesmo que deixar a carreira profissional nas faixas etárias acima de 50 anos e sabemos a implicação que isto traz", alerta Maria dos Anjos Catapirra.
A dirigente da Associação Nacional de Cuidadores Informais assegura que há muito mais homens a cuidar, de todas as idades. Há cada vez mais casos de jovens estudantes a prestarem cuidados na sua própria casa.
"Muitos jovens estão a cuidar das mães que apresentam doenças precoces. Esses jovens são obrigados a cuidar das mães, porque no agregado familiar, normalmente eles são estudantes e podem faltar com mais facilidade. São eles que ficam a cuidar do pai ou da mãe, por exemplo, com uma doença degenerativa. Ninguém fala nesses jovens. Inclusivamente a nossa legislação não permite que eles sejam considerados cuidadores informais", revela a convidada do "Da Capa à Contracapa".
No programa, a dirigente da associação dá também exemplos de muitos homens idosos sem apoios a cuidar de mulheres em casa.
"Um senhor com muita idade ligou-me porque a esposa tinha Alzheimer, já não comia nem bebia há uma semana e ele não sabia o que fazer. Fui eu que lhe disse para levar a esposa com urgência para o hospital, porque ela iria certamente entrar em falência ou pelo menos em desidratação. Nem no centro de saúde nem na proximidade nem no município, ninguém lhe deu qualquer tipo de apoio", conta Maria dos Anjos Catapirra.
Idosos nos hospitais
A falta de formação e de apoios concretos aos cuidadores está também na base de muitas situações de altas hospitalares não concretizadas em pessoas idosas.
A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais considera que muitos cuidadores não têm condições para prestar a assistência de enfermagem que os seus familiares precisam após alta hospitalar.
"Se levar uma pessoa com uma doença neuro-degenerativa para o hospital com uma infecção urinária, esta é curada e tem alta. Mas a alta é dada com algálias, sondas naso-gástricas e esperam que o cuidador informal, sem formação nenhuma, trate de tudo como se fosse um profissional de saúde. As pessoas assustam-se. Já me aconteceu isso e não aceitei uma alta hospitalar porque não tinha condições para tratar daquela pessoa", confessa Maria dos Anjos Catapirra.
No programa "Da Capa à Contracapa", a investigadora da Universidade Nova, Ana Paula Gil, concorda que não há "serviços de retaguarda" para ajudar estas famílias a braços muitas vezes com pessoas que têm altas hospitalares com grandes níveis de dependência.
"Não existem políticas de apoio à família. As pessoas não estão preparadas, não têm formação, não sabem como cuidar, como colocar uma fralda, não sabem o que vem aí em termos de impacto da doença. Falta aqui uma discussão sobre as respostas que temos", sustenta a especialista, na Renascença.
O drama dos ex-cuidadores
Sobra ainda o cenário que surge no dia em que o cuidador deixa de o ser por morte da pessoa que cuidava.
A vice-presidente da Associação Nacional de Cuidadores Informais diz que são cada vez mais os relatos de precariedade a tomar conta da vida dos ex-cuidadores.
" A maior parte destas pessoas estão 24 horas a cuidar durante anos.Não têm rendimentos, o que implica que perderam uma série de anos na sua carreira de trabalho. Não têm descontos. Muitas estão em casa dos pais que são mais idosos e quando estas pessoas falecem , o cuidador informal fica sem fundo de maneio porque os subsídios ou reformas são automaticamente cortados e ficam sem habitação", descreve Maria dos Anjos Catapirra no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos.