Centeno no BdP? “Período de nojo teria a vantagem de provocar renovação das elites, sangue novo, ideias novas”
20-06-2020 - 13:48
 • Marina Pimentel

É o que defende a investigadora Susana Coroado, autora de uma tese sobre a captura dos reguladores pelo poder político, em declarações ao programa da Renascença “Em Nome da Lei”. Este sábado debate-se a idoneidade, as incompatibilidades e conflitos de interesse que se colocam a quem dirige a instituição que supervisiona e regula a atividade bancária.

O PS não aceita que o parlamento possa ter um papel decisivo na escolha do novo Governador do Banco de Portugal. O deputado Fernando Anastácio diz que a ideia de um parecer vinculativo da Assembleia da República “alteraria o equilíbrio de poderes previsto na Constituição”. O socialista argumenta, por outro lado, que o nome que o Governo deverá indicar “já mostrou que não é condicionável”. A provar a independência de Mário Centeno, defende , “as notícias sobre as divergências que manteve com o primeiro-ministro”.

O PAN rejeita a acusação de estar a fazer uma lei por medida para Mário Centeno. “A ser aprovado o seu projeto-lei”, defende André Silva, “todos os que foram primeiros-ministros, ministros e secretários de Estado das Finanças nos últimos cinco anos, Pedro Passos Coelho, Maria de Lurdes Albuquerque, Paulo Núncio, Fernando Rocha Andrade, ficarão impedidos de ser governadores do BdP”.Questionado quanto ao timing em que apresenta o seu projeto legislativo, argumenta que “apresentou o seu projeto legislativo há meses. E só a contingência do debate orçamental e da covid-19 impediram que fosse apreciado mais cedo”.

André Silva devolve à bancada socialista a acusação de ser autor de uma lei para um homem e não de uma normal geral, como devem ser todas as leis. O líder do PAN lembra ao PS que “na legislatura anterior, perante os casos de Maria de Lurdes Albuquerque e Vitor Gaspar, fez aprovar impedimentos, quer da ida de ex-governantes para organizações internacionais com quem tivessem mantido relações, quer para empresas privadas que tivessem tutelado”.

O projeto-lei do PAN impõe um período de nojo de cinco anos para ex-governantes poderem transitar para a administração do regulador e supervisor da banca. Esse projeto-lei foi aprovado na generalidade, com o voto contra do PS, e está agora em sede de comissão parlamentar. De acordo com o calendário aprovado esta semana, a votação final do projeto de diploma acontecerá no dia 3 de julho – quatro dias antes da nomeação do sucessor de Carlos Costa. Teoricamente, portanto, ainda a tempo de impedir Centeno de ser o novo Governador do Banco de Portugal.

O maior partido da oposição apoia as intenções do PAN. Mas acha excessivo o prazo de impedimento. Propõe, em vez de cinco, “dois anos”. O deputado do PSD Duarte Pacheco acredita que “vai ser possível chegar a um consenso” para aprovar a legislação que quer impedir que membros do governo que tutelaram as Finanças e administradores de bancos ou de empresas de consultoria ou auditoria, possam transitar diretamente para a administração do órgão de regulação e supervisão da banca. O deputado social-democrata admite que Mário Centeno “possa dar um bom Governador daqui a cinco anos”. “O PSD não põe em causa a sua competência para as funções. Mas não aceita que transite diretamente de ministro das Finanças, onde tomou decisões sobre a banca, para governador do BdP”.

Mesmo que o período de nojo de cinco anos seja considerado excessivo no debate na especialidade, a intenção de tornar vinculativo o parecer do parlamento sobre o nome proposto pelo Governo poderá travar as intenções de Mário Centeno, uma vez que todos os partidos, com exceção do PS, dizem que o ex-ministro das Finanças não tem condições políticas ou de independência para assumir o lugar. A Assembleia da República aguarda entretanto um parecer do Banco Central Europeu sobre a questão. Mas a verdade é que em matéria de nomeação das administrações dos bancos centrais não há na UE um modelo comum ou sequer um mais seguido. “Há uma enorme heterogeneidade de modelos”, explica a investigadora Susana Coroado. “Há vários exemplos de países em que o governador do banco central é escolhido por proposta do governo, casos em que o nome é escolhido pelo Presidente da República, casos em que há a intervenção do parlamento, e os casos como o do Reino Unido ou da Irlanda onde faz um concurso público internacional para escolher o nome do governador”.

Autora de uma tese sobre a captura dos reguladores pelos sectores que regulam e pelo poder político, Susana Coroado defende que “a imposição de um período de nojo a quem pretenda ocupar as funções de governador do BdP, depois de ter estado no Governo ou na banca, teria a vantagem de provocar uma renovação das elites, sangue novo, ideias novas”.