Douro. A seca antecipou as vindimas e pode mudar-lhe a paisagem
08-09-2017 - 13:00
 • Marília Freitas

Não há memória de a vindima começar tão cedo no Douro. A colheita começou em Agosto, devido à seca. Produtores e especialistas contam como as alterações climáticas estão a mudar a viticultura na mais antiga região demarcada do mundo.

“Está a ver aquelas montanhas lá ao fundo?”, pergunta Paulo, apontando para o Marão. “São elas que nos permitem ter esta vinha de qualidade aqui”.

Aqui é Vila Real. Paulo Ruão e José Carlos Fernandes, ambos enólogos, conduzem-nos numa “pickup” pelas vinhas da Casa de Mateus. Pelo caminho, encontramos dezenas de pessoas a vindimar. Andam nestas lides desde 21 de Agosto. Por aqui, não há memória de a vindima começar tão cedo.

“Já faço vindimas há muitos anos, mas no mês de Agosto parece que não me lembro”, desabafa António Correia, um dos trabalhadores.

Não se lembra António nem José Carlos Fernandes, que teve de antecipar a vindima em “pelo menos três semanas”. O enólogo confessa que foi por pouco que a colheita não lhe interrompeu as férias. “As uvas ficaram todas prontas ao mesmo tempo. Se soubesse o que sei hoje, tinha começado a vindimar na semana anterior.”

A culpa, dizem os viticultores, é do tempo. Constatação confirmada também pelo balanço intercalar do ano vitícola, feito pela Associação para o Desenvolvimento da Viticultura Duriense (ADVID). O relatório destaca “reduções bastante significativas” da precipitação, “em especial nos meses de Dezembro, Janeiro, Abril e Junho”, e, ao mesmo tempo um “aumento significativo das temperaturas médias a partir do mês de Fevereiro”, entre 1ºC e 3ºC.

“Este ano tem sido de facto atípico em termos térmicos. Tivemos um Inverno e um Verão mais quentes do que é normal”, afirma João Santos, investigador do Centro de Investigação e Tecnologias Agroambientais e Biológicas (CITAB) da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD).

Temperatura aumenta 2ºC a 8ºC até ao final do século

Desde 2013 que, em todos os anos sem excepção, os boletins do ano vitícola elaborados pela ADVID, falam de “um ano atípico em termos climáticos”, seja devido ao calor, à seca ou à chuva fora de época. “São anos atípicos que começam a ser típicos”, diz o enólogo Paulo Ruão. “Todos os anos tem havido fenómenos meteorológicos que nos baralham as contas”, acrescenta José Carlos, “pode ser que de vez em quando exista um ano normal.

Os dados fornecidos pela ADVID mostram que as três sub-regiões (Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior) apresentam níveis de precipitação diferentes. É possível, contudo, observar a tendência de diminuição da precipitação, comparando a média da precipitação anual da série dos últimos dez anos (2007-2016), com as médias das séries de 30 anos disponíveis para os vários locais.

A tendência de subida generalizada da temperatura e diminuição da precipitação, que se tem verificado sobretudo a partir dos anos 70, “é para continuar”, sentencia João Santos. O investigador tem-se dedicado a estudar os efeitos das alterações climáticas, também na viticultura, e projecta um futuro quente. “Até ao final deste século, as alterações [na temperatura] previstas podem variar entre subidas de 2ºC - que é aquilo que era considerado o ideal, mas que já é um cenário irrealista - até aos 8ºC.”

Contudo, o investigador alerta que esta é apenas uma previsão e que os vários microclimas existentes na Região Demarcada do Douro não permitem generalizações nas projecções para o futuro.

A luta pela rega

A rega das videiras é ainda tema tabu no Douro, onde se teme que a utilização artificial da água possa aumentar os níveis de produção e, por consequência, provocar excedentes de uvas. Como tal, actualmente, a legislação para a Região Demarcada do Douro só permite a rega da vinha “em casos excepcionais” e autorizados pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP).

Porém, a diminuição da precipitação e da percentagem de água no solo, e as respectivas consequências no desenvolvimento do fruto têm levado técnicos e produtores a pedirem mudanças nas regras.

“As videiras têm limites”, sentencia o enólogo José Carlos Fernandes. João Santos concorda que a questão da rega deve ser estudada e revista, para que a viticultura não seja inviabilizada pela falta de água. No entanto, o investigador alerta para um possível "problema da sustentabilidade ambiental". "Numa região como o Douro, se toda a gente começar a regar a vinha, não vai haver água que chegue para todos.”

Que viticultura para o futuro?

Perante as previsões de um futuro mais quente e seco, os viticultores começam já a tomar medidas para proteger a vinha e garantir a produção. “Estamos já a tentar adaptar as castas a esta nova situação”, conta Paulo Ruão.

A preocupação passa por garantir que a qualidade dos vinhos do Douro não é comprometida. É, por isso, cada vez mais frequente a selecção clonal. “Escolhem-se clones, dentro da mesma casta, que se adaptam melhor a condições de secura e a temperaturas mais elevadas”, explica João Santos.

O investigador salienta ainda a importância do planeamento a médio e a longo prazo, nomeadamente na plantação de novas vinhas. "Podemos optar por uma encosta virada a Poente ou a Norte que tem menor exposição solar e que permite manter mais tempo a humidade, com menos exigências de rega. Podemos também escolher plantar a vinha em maiores altitudes, onde o clima é mais fresco e chove mais.”

As alterações climáticas podem, por isso, vir a ditar uma mudança na paisagem do Douro vinhateiro. “As zonas que eram óptimas há cinquenta anos atrás - que eram os fundões junto ao rio Douro, nas zonas mais quentes -, se calhar daqui a cinquenta anos não serão as melhores. Teremos zonas que estão a 500/600 metros de altitude, que hoje quase não têm vinha, e que poderão ser, no futuro, as zonas mais adequadas”, projecta João Santos. E deixa o alerta: “tudo isto tem de ser planeado”.


[Gráficos actualizados a 12/09/2017]