"Não conseguimos construir casas para os portugueses. Preço vai continuar a subir"
11-05-2022 - 08:33
 • João Carlos Malta

O presidente da Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, Hugo Santos Ferreira, alerta para uma tempestade perfeita no setor em que o aumento nas matérias-primas é apenas o último capítulo de uma longa história que está a puxar os preços para cima. Quem mais sofre? A classe média e as classes mais baixas.

O aumento do preço das matérias-primas, que já vinha da época pandémica, mas que se agravou com a guerra na Ucrânia − e que pode chegar aos 58% − foi só o último fator a levar os promotores imobiliários a pôr as mãos na cabeça e a lançar o aviso em jeito de lamento: “Nós, os promotores imobiliários, não conseguimos construir casas para os portugueses”.

Quem o diz é o presidente do Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários (APPII), Hugo Santos Ferreira. “Não estamos a conseguir e não é de agora. Já não estamos a conseguir há muito tempo. Por isso é que os portugueses não conseguem ter casa. Nós não conseguimos ter mais habitação para a quantidade de procura que existe, neste momento”, acrescenta.

Em declarações à Renascença, o mesmo líder associativo revela também que, com a subida dos custos, há promotores que estão a pagar o sinal em dobro aos compradores que não aceitam rever o preço em alta das casas que tinham adquirido.

Hugo Santos Ferreira explica que o aumento do custo das matérias-primas e o consequente aumento do preço de construção “é hoje um dos maiores desafios que todo o setor imobiliário enfrenta num cenário de pós-pandemia”, porque impacta diretamente no preço da casa que os portugueses podem pagar.

Na semana passada, a Ordem dos Engenheiros do Norte anunciou a existência de um aumento do nível de preços das matérias-primas, nomeadamente o aço, os produtos cerâmicos, o gasóleo e o vidro, que variam entre os 7% e os 58 %.

Está muito comprometida a execução dos contratos dentro dos prazos pré-acordados e, sobretudo, a manutenção dos preços anteriormente assumidos, causando muita preocupação entre entidades contratantes e clientes”, alertou aquela Ordem, em comunicado.

O líder dos promotores e investidores imobiliários garante que quem mais sente o impacto no mercado “é a classe média”, porque “é aí que os promotores imobiliários, que são quem faz os edifícios, e toda uma fileira, a começar na construção e acabando, também, na indústria dos materiais, enfrentam limites, isto porque existe um certo preço que as pessoas podem pagar”.

Mas as matérias-primas são apenas o último episódio de um ciclo de acontecimentos que têm pressionado em alta o preço das casas. Santos Ferreira fala da construção que tem, neste momento, 80 mil trabalhadores a menos.

A isto, somam-se, segundo o dirigente da APPII, o atraso no licenciamento de novas construções que pode ter um impacto até mais 500 euros por metro quadrado, e a carga fiscal paga na compra de imóvel, que é de 40% do valor total − que compara com os 10% que os espanhóis pagam.

E se, já antes da pandemia, a inflação começou a fazer-se sentir, a guerra instalada na Ucrânia “veio agravar de sobremaneira” a situação.

“Com os custos de construção que nós temos hoje em dia, com os custos na produção da atividade que nós temos no nosso país, é muito difícil construirmos casas acessíveis aos portugueses”, lamenta.

Hugo Santos Ferreira avança que a grande tendência internacional do mercado é a de construir para o mercado interno, o que em Portugal é cada vez mais complicado.

“Nós, infelizmente, cá não o conseguimos fazer. Porquê? Porque não conseguimos diminuir o tempo dos licenciamentos e, portanto, ter mais casas disponíveis mais cedo no mercado. Não conseguimos baixar a brutal carga fiscal que há sobre a casa dos portugueses. E não conseguimos também baixar o custo da construção”, sintetiza.

Mas se as outras variáveis eram já antigas, a subida das matérias-primas aumentou a disrupção no mercado.

O presidente da associação de promotores e investidores argumenta que um contrato de empreitada, apenas dois dias depois, “estará já desatualizado”.

Hugo Santos Ferreira afirma que a situação é dramática e que as consequências são já palpáveis.

“Estão a ser repensados vários investimentos, nomeadamente na habitação, porque é aí que esta situação, em muito, se faz sentir. Haverá menos casas no mercado, havendo menos casas no mercado o preço vai continuar a subir”, começa por explicar.

Em Portugal, a habitação continua a ser um mercado com “muita procura e pouca oferta”. “Temos de trabalhar é na construção de políticas públicas que tragam mais oferta ao mercado”, remata o líder da APPII.

Quem sofrerá mais com este abalo, insiste, é quem tem menos posses. “Há projetos que estão em risco e há projetos, nomeadamente para classes mais baixas, para os portugueses, que estão neste momento em risco, que correm o risco de ou não vir a avançar ou parar”.

Mas isso quer dizer que os promotores imobiliários só olham para o mercado internacional e que em Portugal são os estrangeiros que ditam as regras de compra de casas? Hugo Santos Ferreira diz que isso foi um mito que se criou.

Cita um inquérito realizado pela associação que revelou que “92% dos promotores imobiliários querem fazer casa para os portugueses, não querem fazer casa para os estrangeiros”.

O mesmo dirigente sublinha que essa perceção não se dissipou desde a crise financeira, com a chegada da troika, em que a procura interna baixou de forma drástica, e foi o investimento estrangeiro que suportou o setor.

“É verdade, nesse pós-crise financeira, tivemos de construir para os cidadãos internacionais porque os portugueses não tinham capacidade para comprar a sua casa. Hoje em dia, eu diria, a partir de 2019, é claríssimo que essa não é a tendência do investimento”, explica.

Um outro fenómeno recente, mas que tem acontecido com enorme frequência é o de promotores imobiliários − que em consequência do aumento de matérias-primas e da escassez de casas no mercado − estão a fazer subir os preços aos compradores, em dezenas de milhares de euros, mesmo depois de já terem assinado o contrato de compra e venda.

Não se importam com o facto de ter de devolver o sinal em dobro.

“Temos um feedback bastante grande por parte de promotores imobiliários que nos têm relatado isso mesmo. Ou seja, este é um problema que agrava toda a cadeia de valor, começa na construção, pelos próprios empreiteiros, que vão querer refletir, e têm procurado refletir, esse aumento dos preços também nos próprios contratos de empreitada com os promotores”, analisa.

Consequentemente, Santos Ferreira garante que os promotores, muitas vezes, não terão outra hipótese senão repercutir essa subida nos compradores finais.

Tem havido uma renegociação de muitos contratos. Desde os contratos de empreitada até aos próprios contratos promessa de compra e venda. Portanto, eu diria que estamos a assistir a um fenómeno preocupante”, reflete.

Em conclusão, segundo o presidente Associação Portuguesa de Promotores e Investidores Imobiliários, “os portugueses vão continuar sem ter habitação acessível às suas carteiras. Isso preocupa-me sobremaneira”.