Grato e “com saudades do futuro”. É assim que o coordenador-geral da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023 se sente um ano depois do evento.
Em entrevista à Renascença, D. Américo Aguiar recorda o que significou trazer a Lisboa um milhão e meio de jovens do mundo inteiro para se encontrarem com o Papa Francisco. Neste 1 de agosto estará em Compostela para “agradecer a Santiago” a proteção que diz ter recebido.
Sobre o impacto financeiro da iniciativa, o cardeal Américo Aguiar reconhece que quem apoiou a JMJ queira que os lucros que a Igreja teve sejam repartidos, mas lembra que é “a nova equipa da Fundação e o Patriarcado de Lisboa” que “têm a responsabilidade de corresponder àquilo que são os sonhos aceitáveis da parte dos autarcas, das instituições e dos jovens”.
A nível pastoral confia nos bons frutos da Jornada. “A uns cabe fazer a sementeira, a outros a colheita. Nós já tratámos da sementeira”.
Há um ano Lisboa acolhia a JMJ. Como recorda esse evento a que ficou também definitivamente ligado?
A Jornada Mundial da Juventude de Lisboa foi, acima de tudo, um encontro. Um encontro dos jovens com Cristo vivo, o encontro dos jovens uns com os outros e o encontro dos jovens com o sucessor de Pedro, com o nosso muito querido Papa Francisco. E recordo, citando Teixeira de Pascoaes, "com saudades do futuro", porque é isso que cada Jornada semeia no coração dos jovens que nelas participam, o desejo e a vontade de agarrar com as duas mãos aquilo que são os sonhos e os projetos de Deus para cada um, para cada igreja, para cada diocese, para cada comunidade, para cada homem, para cada mulher, para cada jovem. Por isso, permitam-me que tenha saudades do futuro, ou seja, saudades daquilo que serão os frutos que germinarão nas sementes que cada jovem levou no seu coração ao ter participado na JMJ Lisboa 2023.
Como vai celebrar esta data e este aniversário?
Memória agradecida. Muita gratidão a Portugal aos portugueses e, nestes últimos meses, tenho tentado pagar as minhas promessas, se assim se pode dizer: agradecer, agradecer muito a tantos e tantas, anónimos e conhecidos, institucionais e individuais, famílias, voluntários, trabalhadores, doadores, tantos, tantos, tantos. Agradecer também aos Santos patronos da Jornada Mundial da Juventude e aos tantos que, em Portugal e no mundo, eu acorri para nos ajudarem e intercederem junto de Deus, para que tudo corresse segundo a vontade e o coração de Deus.
Nestes dias do aniversário efetivo eu vou a Compostela, porque é bom lembrar que na exata mesma semana do ano 2022, em agosto, houve a Peregrinação Europeia da Juventude, em que Portugal e os jovens das dioceses portuguesas participaram de modo especial, exatamente um ano antes da JMJ de Lisboa. Aliás, o enviado pontifício a Compostela foi o cardeal Marto.
Eu pedi muito a Santiago que, de modo muito especial, também intercedesse e nos ajudasse. E foi muito importante o que vivemos e testemunhámos lá para a preparação imediata de Lisboa, que já estava à porta. Por isso estarei em Compostela para abraçar Santiago e para lhe agradecer muito aquilo que foi a sua intercessão junto de Deus para que tudo corresse segundo a vontade e coração de Deus.
"O apoio do Estado português à Jornada Mundial da Juventude foi impecável, foi excelente, ultrapassou qualquer das nossas melhores expectativas"
Falamos quase sempre do impacto económico da JMJ. Mas, a nível pastoral, o que ficou de legado para a Igreja? O que é que mudou?
É a auditoria e o relatório mais difícil de fazer. O que é que ficou, qual é o legado pastoral? Estas sementes que cada jovem levou no coração - cada jovem, cada adulto, cada peregrino - vão germinar e nós não temos sequer noção, nem possibilidade de medir, de quantificar o quanto e o que vai germinar destas sementes que levaram nos seus corações.
Nós não podemos esquecer que estamos a falar de mais de um milhão e meio de pessoas, jovens e adultos, que estiveram e viveram a Jornada, que prepararam a Jornada, e que agora em todo o mundo - com exceção das Maldivas - estão a viver e a permitir que estas sementes possam germinar e verdadeiramente dar fruto.
O que eu confio e desejo é que, efetivamente, seja o jovem da paróquia mais recôndita do nosso território, seja o responsável mais conhecido de qualquer instituição, as sementes possam germinar e que os frutos sejam abundantes, de acordo com aquilo que são os sonhos e projetos de Deus para cada jovem, cada paróquia, cada vigararia, cada diocese e cada país do mundo, dos jovens que participaram na jornada.
"Quem sabe, daqui a alguns anos, possamos visualizar os frutos mais vocacionais. Sabemos que a uns cabe fazer a sementeira, a outros cabe fazer a colheita. Nós já tratámos da sementeira"
Seria importante a Igreja promover e proceder a essa avaliação? Perceber que impacto a JMJ teve, por exemplo, ao nível das vocações, se aumentaram?
Nós vamos tendo notícias do mundo inteiro de pessoas que tomaram decisões na sua vida em razão da participação na Jornada, e não é só de Lisboa, é das outras jornadas também. Há pessoas que decidiram casar, há pessoas que decidiram ser missionárias, há pessoas que decidiram entrar nos seminários, há pessoas que tomaram decisões muito importantes e graves para as suas próprias vidas. E por isso acho que não é justo, nem sério, nem exequível, que agora andemos a querer também fazer um relatório, uma auditoria naquilo que significa o que aconteceu ao nível do coração de cada peregrino.
Somos cristãos, confiamos, temos fé, e uma coisa tenho a certeza: o encontro que se desejava proporcionar de cada jovem com Cristo vivo, aconteceu. O encontro que se queria proporcionar dos jovens uns com os outros, aconteceu. O encontro que se queria proporcionar dos jovens com o sucessor de Pedro, o nosso querido Papa Francisco, aconteceu. Tudo isto aconteceu, e a consequência disto é a conversão dos corações, e isso cada um tratará do seu e saberá do que passa no seu coração.
Quem sabe, daqui a alguns anos, possamos visualizar aquilo que são esses frutos mais vocacionais, se assim podemos dizer. Mas também sabemos que a uns cabe fazer a sementeira, a outros cabe fazer a colheita. Nós já tratámos da sementeira.
"Se mudou a forma da sociedade civil olhar para a Igreja? Acredito que sim. Mas também acredito que alguns, dentro e fora, continuarão a ter o pé atrás, ou continuarão a ter o desejo e a vontade de procurar aquilo que foi menos bom"
A experiência da JMJ inaugurou um novo estilo de relacionamento do Estado com a Igreja?
O apoio do Estado português à Jornada Mundial da Juventude foi impecável, foi excelente, ultrapassou qualquer das nossas melhores expectativas. Estou muito agradecido, eternamente agradecido: ao Presidente da República, ao primeiro-ministro António Costa; ao secretário de Estado Tiago Antunes, à ministra Ana Catarina Mentes, ao presidente da Câmara de Lisboa na altura - e depois ministro das Finanças - Fernando Medina. Ao engenheiro Carlos Moedas, presidente da Câmara de Lisboa, ao seu vice-presidente Anacoreta Correia, ao presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão, à sua vice-presidente Sónia Paixão. Ao presidente da Câmara de Oeiras, Isaltino Moraes, e à sua equipa. Ao presidente da Câmara de Cascais, Carlos Carreiras, e à sua equipa. À Associação Nacional de Municípios, para englobar 'todos, todos, todos' os presidentes de câmara do país. Os presidentes de junta de freguesia, a ANAFRE. 'Todos, todos, todos', os ministérios, as direções gerais, os institutos públicos.
Aqui referir, de modo especial, as Forças Armadas e, já agora, não posso esquecer o ministro dos Negócios Estrangeiros que foi impecável no tratamento, na possibilidade que nos foi dada de chegar ao mundo inteiro com o convite para a Jornada Mundial da Juventude. O doutor Gomes Cravinho foi essencial, e o Ministério dos Negócios Estrangeiros e a nossa máquina diplomática e consular, foram indispensáveis e insubstituíveis para que tudo pudesse acontecer da melhor maneira.
A JMJ mudou a forma como se olha para a Igreja?
Se mudou a forma da sociedade civil olhar para a Igreja? Acredito que sim. Mas também acredito que alguns, dentro e fora, continuarão a ter o pé atrás, ou continuarão a ter o desejo e a vontade de procurar aquilo que foi menos bom, aquilo que aconteceu com menos possibilidades de se concretizar. Mas, o que é certo é que foi feito, foi feito por todos, e quando eu digo que o agradecimento é a 'todos, todos, todos', é assim efetivamente. Correu bem, foi um sucesso, graças a Portugal e graças a todos os portugueses.
Como comenta o repto do presidente da Câmara de Lisboa para que os lucros da JMJ sejam partilhados com os lisboetas?
No que diz respeito agora ao que vai acontecer aos ditos lucros da Fundação JMJ e àquilo que disse o presidente da Câmara de Lisboa, como já ouvi também de outros responsáveis, aguardo no meu coração, porque agora o D. Alexandre Palma, a nova equipa da Fundação e o Patriarcado de Lisboa é que têm a responsabilidade de corresponder àquilo que são os sonhos aceitáveis da parte dos autarcas, das instituições e dos jovens. Mas acredito profundamente, tenho toda a confiança e acredito no coração, na bondade e na generosidade daquilo que é a sensibilidade de D. Alexandre Palma para tomar as melhores decisões em relação a tudo aquilo que lhe for apresentado.
Está atualmente à frente da Diocese de Setúbal. Que reflexo teve a JMJ na pastoral juvenil da diocese?
A Diocese de Setúbal foi uma das dioceses de acolhimento, tal como Lisboa e Santarém. Estas três dioceses viveram a Jornada de uma maneira muito especial, diferenciada daquilo que foi a vivência das outras dioceses, porque não teve a possibilidade de viver ‘Os dias das dioceses’, aquela semana anterior que animou o país inteiro, as dioceses todas do país, com a presença de grupos de jovens estrangeiros.
Setúbal viveu à sua maneira, preparou o acolhimento que, pelo que me foi dado a entender, correu bem, daquilo que foram os grupos que foram alojados e acolhidos na Península de Setúbal.
Aquilo que significa agora a assimilação da vivência da Jornada Mundial da Juventude é diferenciada de geografia para geografia, de paróquia para paróquia, de vigararia para vigararia, e de diocese para diocese. Nós temos grupos que ficaram cansados, exaustos, temos grupos que continuaram com toda a força, com toda a energia, temos grupos que eram novos e que continuam, temos grupos que a chegada à Jornada foi um ponto de chegada para mudar planos e rotas. Portanto, é muito diferenciado.
Agora, seja em Setúbal, seja em qualquer outra diocese, o reflexo é sempre positivo e jovem, porque a participação dos jovens na JMJ, tenha o nome que tiver a diocese que estivermos a falar, é sempre o reflexo do rosto de um jovem alegre e feliz que se encontrou com Cristo vivo, que se encontrou com os jovens do mundo inteiro e que se encontrou com o nosso muito querido Papa Francisco.