Legislativas e presidenciais
27-10-2015 - 17:24

O PS não deverá temer ir quanto antes a votos, tendo agora a oportunidade de assumir, preto no branco e ostensivamente, uma coligação pré ou pós-eleitoral com a extrema-esquerda.

O Presidente da República recusou no seu último discurso a existência de uma alternativa de Governo à esquerda que obedecesse aos critérios de “credibilidade”, “estabilidade” e “durabilidade” que, do ponto de vista presidencial, devem aplicar-se a qualquer solução de Governo para que possa considerar-se “credível”. Mas não basta dar posse à Coligação para vencer a crise. Ultrapassado o primeiro acto, a rejeição do programa do Governo anuncia já a emergência do segundo.

A existência de uma alternativa de esquerda não justificaria, por si só, o queimar de etapas da nomeação do vencedor das últimas eleições para formar Governo, mas o sublinhar da sua ausência serve para sinalizar o que o Presidente fará, ou não, no caso de se confirmar a mais do que provável rejeição parlamentar do programa de Governo da coligação vencedora das últimas eleições. Aliás, ao apelar à insurreição dos deputados PS em sede parlamentar o Presidente acabou por provocar o efeito perverso do cerrar fileiras em torno do líder.

O discurso de Cavaco Silva teve o mérito de mostrar que uma solução de esquerda, vista como “inconsistente”, não contará “a priori” com o aval presidencial e as alternativas que restam não lhe deixam grande margem de manobra.

Perante o chumbo do Governo de Passos, Cavaco Silva pode sempre optar pela indigitação de um independente e convidá-lo a formar um novo Governo, porque não é verdade que a revisão de 82 tenha impedido esta solução. A revisão constitucional deixou de colocar os Governos na dependência directa do Presidente e do Parlamento, mas não limita o poder presidencial de nomeação de personalidades independentes.

A escolha de um novo negociador (ou personalidade de reconhecido mérito) acabaria por corresponder ao cenário, embora mitigado, do velho governo de iniciativa presidencial e corresponderia no fundo a uma segunda tentativa para chamar à mesa PS/PSD e CDS. Mas esta solução ainda teria alguma viabilidade prática no cenário de crispação intensa em que a sociedade está mergulhada? Dificilmente. Nem se vê qual possa ser a personalidade capaz de fazer face à luta sem quartel pela sobrevivência política de António Costa.

Quando um país fica refém da estratégia política enclausurada na ambição pessoal de um só homem as coisas complicam-se e não adianta enfiar a cabeça na areia: o PS que temos é o PS “costista” entre o Titanic político e o assalto ao poder governamental, custe o que custar. Só a entrada em São Bento transformará a derrota por “muitinho” na garantia de sobrevivência política do actual líder. Perdendo o Governo perderá o partido.

Resta então ao Presidente rever de novo as condições em que lhe é apresentada a frente governamental esquerdista. Se o acordo de Costa for publicamente apresentado como suficientemente pormenorizado, estável, com duração previsível para a legislatura e co-responsabilização governamental dos vários envolvidos (mesmo que o PCP permaneça de fora do Governo, mas com reforçadas e concretas garantias de apoio parlamentar) não se vê como possa Cavaco Silva recusar a sua investidura, sobretudo, se estiver também salvaguardada a questão da política externa pró-Nato e o cumprimento escrupuloso do Tratado Orçamental.

Com todas as condições previamente impostas asseguradas, Cavaco Silva dificilmente poderá apontar a inconsistência da solução proposta. A opção passará por dar posse ao Governo frentista ou manter um governo em gestão por nove meses, com custos económicos/políticos e sociais impossíveis de ignorar. Sem orçamento, nem capacidade de votar lei complementares, o disparo na despesa pode rondar de imediato os 2,5 mil milhões, difíceis de acomodar numa gestão condicionada por “duodécimos”. Basta pensar na reposição dos salários da função pública (cujo corte só vigora até 2015), no descongelamento automático das pensões e na duvidosa manutenção de medidas fiscais do lado da receita tão básicas quanto a sobretaxa de IRS ou a própria CES.

Dito isto, fará todo o sentido ponderar e até incentivar por parte da Presidência a formação de maioria parlamentar suficiente para a alteração constitucional necessária à marcação tão rápida quanto possível de eleições legislativas (idealmente em simultâneo com as presidenciais), como ontem sugeria Álvaro Beleza no programa Falar Claro da Renascença.

O PS não deverá temer ir quanto antes a votos, tendo agora a oportunidade de assumir, preto no branco e ostensivamente, uma coligação pré ou pós-eleitoral com a extrema-esquerda.

Quanto à coligação, tudo é preferível a continuar a “assar” em lume brando, assistindo ao lento degradar da situação económica sem possibilidade de aproveitar acção governativa para consolidar a retoma ou inverter as políticas excessivamente restritivas em curso.

As letrinhas pequeninas do contrato do PS com o seu eleitorado poderiam ser agora discutidas ampla e abertamente para que ninguém pudesse sentir-se enganado com a estratégia de Costa.

É verdade que o papão de um Governo PS/PC/BE esteve sempre presente na narrativa eleitoral da coligação, mas, quantos dos votantes do centro-esquerda, que se reviam na moderação do programa Centeno, consideraram esse cenário pós-eleitoral, nunca assumido por Costa, provável ou credível?

Quantos dos que deram o seu voto ao PS continuariam hoje a sufragar um governo de extrema-esquerda com o radicalismo e despesismo inerente a um amontoado de medidas avulsas, ditas antiausteritárias, mas desprovidas de qualquer estratégia económica responsável.

E quanto do eleitorado abstencionista faria, nestas circunstâncias, ouvir a sua voz?

Eleições presidenciais e legislativas simultâneas podiam ser uma solução clarificadora. Pena seriam os danos colaterais que esse cenário teria, inevitavelmente, sobre o futuro dos vários candidatos presidenciais, mas, como em quase tudo, o óptimo é inimigo do bom.