“Este é o nosso fracasso coletivo e a nossa responsabilidade". Com esta frase, a búlgara Charlina Vitcheva , diretora geral para Assuntos Marítimos e Pescas da Comissão Europeia, colocou uma nota de insatisfação do bloco europeu em relação à forma como os Oceanos estão a ser tratados. Bruxelas enviou uma alta funcionária para discursar em nome da União Europeia, depois do comissário do Ambiente, Oceanos e Pescas , Virginijus Sinkevičius, ter assistido à sessão de abertura da Conferência da ONU para os Oceanos. O comissário tinha estado na véspera na Praia de Carcavelos, com jovens, chamando a atenção para a questão dos plásticos, tema que seria retomado na sessão final pelo ministro português do Ambiente, Duarte Cordeiro, apontando a 2024 e para um futuro Tratado Internacional dos Plásticos. A Conferência de Lisboa serviu para retomar a nota deixada pelo próprio Comissário na Assembleia das Nações Unidas para o Ambiente, em Nairobi, poucos dias depois da invasão russa da Ucrânia.
A União Europeia apelou em Lisboa a "grandes transformações estruturais " mas também a investimentos. Bruxelas está mais uma vez apostada em dar o exemplo quando o tema são contributos para a implementação do Objectivo do Desenvolvimento Sustentável 14. No final da Conferência de Lisboa, o ministro português dos Negócios Estrangeiros anunciou que 70% dos 10 mil milhões de euros de compromissos de investimento na proteção dos oceanos vieram da União Europeia.
Ao longo da Conferência, os países menos desenvolvidos foram deixando diversos apelos a um reforço do financiamento em matéria oceânica e climática. "Os participantes fizeram referência à importância de desenvolver planos e estratégias regionais e nacionais apropriados relativos às economias sustentáveis baseadas no oceano. Muitos participantes ressaltaram a necessidade de recursos financeiros e técnicos adicionais e adequados para o desenvolvimento destas economias" , relatou Abraão Vicente, ministro do mar de Cabo Verde, coordenador de um dos 8 diálogos interativos da Conferência.
A declaração de Lisboa não é vinculativa. Apenas apela a maior ambição global em todos os planos da realidade dos oceanos. e denuncia que muitas das metas do Objectivo de Desenvolvimento Sustentável 14, sobre recursos marinhos, estão atrasadas. Os delegados mostraram preocupação com a emergência global em que vivem os Oceanos, com os níveis médios da água do mar a subir, a erosão costeira a piorar e Oceanos mais quentes e mais ácidos. A poluição marinha está a aumentar, há sobrepesca de um terço dos stocks, perdeu-se metade dos corais, há espécies invasoras nos ecossistemas marinhos.
As outras agendas
A maior estrela política europeia - eventualmente a única do firmamento de líderes estrangeiros em Lisboa - acabou por chegar em dia de crise política em Portugal. Emmanuel Macron até vinha de outras cimeiras que arrastaram as lideranças para Espanha e para a Alemanha , palcos das cimeiras da NATO e do G7, mas veio ao plenário da Conferência dos Oceanos defender que, apesar das dificuldades do momento, incluindo uma guerra na Europa, a comunidade internacional não deve desviar a sua atenção face à agenda do desenvolvimento sustentável.
Os próximos passos acontecem em Nova Iorque, Sharm El-Sheik e Montreal. Primeiro em Agosto, os países membros das Nações Unidas avançam para mais uma ronda de negociações para tentar fechar o Tratado de Biodiversidade em Alto Mar, emperrado há duas décadas. O português Miguel Serpa Soares, Subsecretário-geral das Nações Unidas para os Assuntos Jurídicos, coordenador desta conferência intergovernamental diz à Renascença que não sabe ainda como os principais países se vão posicionar perante um tratado "em fase muito adiantada". O diplomata não tem garantias de que em Agosto estarão fechadas " as vírgulas e os artigos" numa etapa que "será sempre crucial e que deixará muto pouco por fazer". A expectativa europeia, expressa após um forte impulso do G7 e verbalizada, entre outros, pelo Presidente de Portugal ou pela Directora geral de Pescas da Comissão Europeia, é de que o Tratado acabará por ficar fechado em Agosto.
Para a COP27, no Egipto, espera-se que os oceanos subam na agenda do debate e dos documentos. Marcelo Rebelo de Sousa fechou a cimeira dos Oceanos a pedir que a Conferência das Partes sobre Alterações Climáticas seja um "resumo de coisas já feitas e não a repetição de justas intenções". Segue-se a Conferência da Biodiversidade em Dezembro, no Canadá onde a União Europeia vai avisando que estará muito activa.
Frenético andou novamente Macron, recém reeleito como Presidente francês, com crises de formação de Governo, a passar a Presidência do Conselho aos checos e gastando as últimas horas de cargo rotativo ao pé do Tejo. O chefe de estado gaulês discursou na cimeira para lembrar ainda o Acordo de Paris e anunciar que a próxima cimeira dos Oceanos será a meias entre França e Costa Rica. A data é 2025, nos dez anos do Acordo de Paris . " A Europa sabe como tomar decisões históricas", rematou Macron no Parque das Nações.