Revalorizar a Comissão Europeia
22-05-2020 - 05:54

Nada está ainda decidido. Mas existe, pelo menos, a esperança de que a presidente da Comissão Europeia consiga convencer os mais renitentes de que a prioridade, agora, é não deixar morrer a economia da UE.

Tem deixado muito a desejar a reação da UE à pandemia e às suas dramáticas consequências na saúde e na economia. Mas tal deve-se à falta de sintonia entre os governos dos 27 Estados membros, sobretudo em questões de dinheiro.

Estes países discutem há longos meses o orçamento plurianual da UE (2021-2027), que tem sido bem escasso, mantém posições contraditórias sobre imigração e acolhimento de refugiados, não completaram a união bancária nem a arquitetura do euro, etc. E, além da saída do Reino Unido de União, esta conta agora como membros autênticas ditaduras, caso da Hungria – e a Polónia para lá caminha. A tudo isto juntou-se recentemente o tribunal constitucional alemão, que veio pôr em causa a prevalência do direito e dos tribunais da UE sobre as leis nacionais Ou seja, atacou a base jurídica da União.

Mas a Comissão Europeia tem dado sinais de vida. Dir-se-ia que Ursula von der Leyen, a sua presidente, quer travar a perda de peso da Comissão registada nas últimas décadas, face ao crescente recurso a acordos intergovernamentais.

A Comissão Europeia é uma entidade muitas vezes mal compreendida, pois não é um governo europeu (quem decide é o Conselho e o Parlamento Europeu) nem uma mera administração que executa decisões superiores. O chamado “método comunitário” implica que o Conselho só possa decidir face a uma proposta da Comissão, que poderá ser por ele alterada ou até deitada para o caixote do lixo. Mas a iniciativa pertence à Comissão.

Ursula von der Leyen aposta em promover a transição ecológica (descarbonização) e a transição digital. E viu-se a braços com a mais grave pandemia desde há um século, com efeitos económicos devastadores.

Por isso a Comissão suspendeu as regras orçamentais restritivas. Na quarta-feira a Comissão Europeia disse a Portugal para fazer tudo o que for preciso (isto é, gastar dinheiro do Estado) no apoio à economia e a promover a recuperação. Isto, apesar da grande dívida pública portuguesa.

E o comissário europeu para a economia, Paolo Gentiloni, afirmou ontem que “será vital evitar cometer erros do passado”. Entre esses erros conta-se uma certa passividade da Comissão Europeia face à crise das dívidas soberanas, em 2008-2015, nomeadamente em relação à Grécia.

Dir-se-á que Ursula nunca foi chefe de um governo, apenas várias vezes ministra do governo federal da Alemanha. Mas Jacques Delors também não tinha sido primeiro-ministro e a sua nomeação para presidente da Comissão, em 1985, mereceu apenas uma discreta referência nos jornais franceses. Depois, viu-se a capacidade inovadora de Delors.

Decerto que Ursula von der Leyen não beneficia do apoio que Delors teve do chanceler Kohl e do presidente Mitterrand. Mas ela acolheu com justificado entusiasmo a proposta franco-alemã quanto ao futuro fundo europeu de recuperação económica. Proposta que envolve uma significativa mudança de posição de Merkel sobre alguma comunitarização das dívidas dos Estados membros.

Claro que nada está ainda decidido. Mas existe, pelo menos, a esperança de que a presidente da Comissão Europeia consiga convencer os mais renitentes de que a prioridade, agora, é não deixar morrer a economia da UE.