Abebe Bikila. O primeiros dos muitos etíopes a ganhar maratonas correu descalço
31-07-2024 - 08:05
 • Eduardo Soares da Silva

Em 1960, o desconhecido Bikila venceu a maratona olímpica em Roma, descalço, e viria a vencer quatro anos depois, já com sapatilhas. Morreu jovem, mas foi com Bikila que arrancou uma longa tradição e hegemonia de etíopes e quenianos na distância dos 42,2 quilómetros.

Um desconhecido venceu a maratona olímpica descalço. Foi esta a reação à vitória de Abebe Bikila, o primeiro de muitos etíopes da história a vencer a icónica distância dos 42,2 quilómetros nos Jogos Olímpicos de 1960.

Em Roma, Bikila foi o primeiro a quebrar a meta, com a surpreendente particularidade de disputar a distância dos 42,2 quilómetros sem sapatilhas. Bikila era um total anónimo, até porque não estava sequer inicialmente listado para disputar a prova, mas a desistência do seu compatriota Wami Biratu deu-lhe a vaga na linha de partida.

Quando chegou à capital italiana, Bikila comprou um par de sapatilhas para disputar a corrida, mas não se adaptou. O desconforto transformou-se em bolhas nos pés durante os primeiros treinos e, por isso, Bikila decidiu correr descalço, como habitualmente treinava.

Passou à marca da meia-maratona no grupo da frente, mas não na liderança. Disparou na frente a cerca de dois quilómetros do fim. Atravessou a meta isolado, após 2h15m16s, um recorde olímpico à altura.

Bikila, de 28 anos, foi de desconhecido a herói nacional: o primeiro do seu país a vencer um ouro. Até hoje, somaram-se mais 22.

Voltou a marcar presença quatro anos depois, em Tóquio. Venceu novamente isolado, desta vez já com sapatilhas calçadas e em 2h12m11s, o seu melhor tempo da carreira. Tornou-se o primeiro na história a vencer dois ouros consecutivos na maratona.

Bikila inspirou várias gerações e foi com ele que arrancou uma tradição – hoje hegemonia – da região na longa distância. Aos etíopes juntaram-se os vizinhos do Quénia e do Uganda. Desses três países saíram os vencedores de metade das 16 maratonas olímpicas desde 1960.

O fundista ainda tentou um terceiro ouro em 1968, no México, mas foi forçado a desistir ao quilómetro 17 por lesão. O ouro foi para o seu compatriota, Mamo Wolde.

A vida não lhe foi simpática. Tornou-se vedeta no seu país, mas viveu pouco mais tempo. Em 1969, um acidente de viação deixou-o quadraplégico. A fisioterapia permitiu-lhe recuperar movimentos até à cintura e chegou até a ser visitado pela Rainha Isabel II durante o período de recuperação.

Bikila não voltou a correr, mas voltou a competir. Passou a disputar provas de arco e flecha e ténis e de mesa nas provas que antecederam e deram o mote para a criação dos Jogos Paralímpicos.

Viria a falecer quatro anos depois do acidente, em outubro de 1973, aos 41 anos, vítima de complicações cerebrais que ficaram do acidente de viação. Apesar da morte precoce, é até hoje uma lenda na Etiópia por ter sido um ícone e inspiração para os milhares que lhe seguiram.