Radical? "Sei que toco em muitos temas sensíveis e posso incomodar poderes instalados"
02-03-2023 - 07:00
 • Susana Madureira Martins (Renascença) e Ana Bacelar Begonha (Público)

Na primeira entrevista de fundo que dá desde que anunciou que é candidata à liderança do Bloco de Esquerda (BE), Mariana Mortágua assume que, com a mudança de direção, a linha política do partido não "muda radicalmente de um lado ao outro". Ao programa Hora da Verdade da Renascença e do jornal Público, a dirigente bloquista fala de "um novo ciclo político que se abre e que é um ciclo de oposição à maioria absoluta" conquistada há um ano pelo PS.

Mariana Mortágua contraria a oposição interna do BE que critica a atual direção de não ter feito um balanço sobre o desaire eleitoral nas legislativas - "o Bloco tem vindo a fazer esse balanço, fez esse balanço" - e assegura que na Convenção de maio também "há espaço para este debate".

Nesta entrevista a dirigente bloquista define como objetivo político "construir uma maioria social" e diz-se convicta que é nos movimentos sociais que o partido "pode crescer" e "está a crescer".

Na última convenção do Bloco de Esquerda ouvimos Francisco Louçã dizer que "quando a Mariana for Ministra das Finanças o Estado não será um porquinho mealheiro para pagar aventuras como o Novo Banco". Esse cenário de vir a ser Ministra das Finanças está agora um bocadinho mais longe do que em 2021, certo?

Se estiver mais longe é por boas razões. Acho que os propósitos e os objectivos são os mesmos. Nós não podemos ter um país que dedique uma parte dos seus recursos a pagar aventuras financeiras e já estava tão comprometida com esse objectivo e com essa luta pela decência como estou agora, acho que isso é o mais importante.

Em 2021 o cenário era outro, havia uma maioria relativa e o Bloco estava, já não na geringonça, mas havia uma influência eleitoral que não há agora.

Sim, é verdade, nós temos de ter consciência do sítio de onde vimos e nunca tentámos dourar a pílula. O Bloco teve uma importante perda eleitoral nas últimas eleições, penso que esse balanço foi feito. O que é importante é que as razões desse percurso se vão confirmando e hoje essas mesmas razões acho que nos dão muita força e que nos colocam a crescer junto das mobilizações populares que entendem que a maioria absoluta é um projeto de desigualdades, que não dá nenhum horizonte de esperança e que é um projeto de desigualdades com toda a sua arrogância, ainda por cima. Hoje é isso que interessa e esse é o centro da política hoje.

Mas em que é que um Bloco de Esquerda liderado por Mariana Mortágua vai ser diferente de Catarina Martins?

A Catarina Martins foi, e não se pode dizer isto vezes suficientes, a melhor porta-voz do Bloco de Esquerda num período difícil e num período de muitos desafios para o Bloco. A nova coordenação do Bloco tem de responder a duas questões essenciais, no meu ponto de vista. Em primeiro lugar é preciso responder à maioria absoluta. Isso significa fazer oposição à maioria absoluta, que é, como eu disse ainda agora, um projeto de desigualdades. As pessoas sentem, e com toda a razão, que querem ser levadas a sério. É preciso levar o país a sério, isso significa respeitar as suas expectativas, respeitar o seu direito a ter uma vida boa, ter uma vida digna. E essa é a segunda parte do desafio, que é a de construir campos sociais de uma gente que não se conforma com a maioria absoluta, que acha que não tem de viver assim, mas que rejeita um projeto de direita para o país. E é com essas pessoas e nessas mobilizações sociais que eu acho que o Bloco pode crescer, e aliás, já está a crescer. E esse é o maior desafio de todos, é construir soluções com campos sociais que se vão alargando neste momento.

Portanto, o espaço do Bloco agora vai ser mais na rua do que no Parlamento, para voltar a ser um partido de protesto?

A esquerda não pode ser e não será partido de protesto sem alternativa. O partido de protesto é um partido de alternativa. Oponho-me à maioria absoluta e às políticas de desigualdade porque trago e quero propor uma alternativa ao país que é de uma política mais justa, que respeite o salário, que respeite o direito à habitação, que respeite o ambiente, que respeite os direitos humanos e o direito de toda a gente a ter uma vida em paz, um direito à alegria, um direito a uma vida tranquila. Esse é o grande objetivo. Não há protesto sem alternativa e a esquerda é isso, é uma alternativa.

Mas se Catarina Martins foi a melhor porta-voz e a melhor coordenadora nesses tempos de turbulência, porque é que que sai agora? Qual é o sentido de sair agora e porque é que entra Mariana Mortágua?

A decisão da Catarina Martins é uma decisão pessoal que só ela poderia ter tomado e são as suas razões.

É porque havia um impasse?

Não quero falar por Catarina Martins, porque a decisão foi tomada pessoalmente por Catarina Martins. Posso falar porque é que estou disponível e porque é que avanço para a coordenação do Bloco. Porque acredito que é possível lutar por um país melhor, onde as pessoas vivem melhor. Acredito sinceramente que há um projeto que possa garantir que em Portugal as pessoas não têm sempre que estar a lutar contra o pior que vem aí, nem a lutar por mínimos. Não entendo porque é que em Portugal não há condições. Nós produzimos o suficiente, temos riqueza suficiente, porque é que não há condições para que toda a gente possa ter acesso a uma casa confortável, ao seu tempo de trabalho com direitos, ao seu tempo de lazer, à cultura? É por esse país que eu quero lutar e tenho muito entusiasmo e estou com muita vontade de construir essas maiorias e esse campo social. E essas são as minhas razões. As razões da Catarina, ela terá de falar por ela.

Vai ser uma liderança de continuidade? O que é que vai mudar realmente?

Há uma coisa que eu asseguro, na próxima Convenção vai mudar a coordenação do Bloco de Esquerda e será outra pessoa a assumir essas funções, eu sou a candidata a assumir essas funções. Por isso, pessoas diferentes trazem sempre formas diferentes de fazer política e de estar nesses lugares. Mas temos de compreender que o Bloco de Esquerda não é um partido pessoalizante, não aparece uma nova pessoa e a linha política muda radicalmente de um lado ao outro. O Bloco é um partido que tem a sua consistência política ao longo do tempo. Fiz parte da direção com Catarina Martins, aprendi muito nesses tempos, acho que o Bloco aprendeu muito nos últimos tempos e quero trazer essa experiência para um novo ciclo político que se abre, que é um ciclo de oposição à maioria absoluta, de oposição à desilusão generalizada com o agravar das desigualdades, com o empobrecimento, as pessoas estão a viver pior.

Acho que o projeto do Bloco de Esquerda é precisamente construir uma alternativa a este estado de coisas. As pessoas não podem ter medo do futuro e sinto que as pessoas têm medo do futuro neste momento e acho que temos condições para garantir a toda a gente uma vida boa e esse é o grande objetivo.

Independentemente de passar a ser de Catarina para Mariana ou para outra pessoa, há aqui uma renovação na coordenação. É uma tentativa de fazer 'reset', ou seja, acham que é preciso relançar o Bloco?

Sinto que o Bloco está a crescer.

O que é que lhe dá essa ideia?

Porque sinto que há uma desilusão com estas políticas de desigualdade e há um grande sentimento de que Portugal é um país injusto e que se torna cada vez mais injusto e que há boas causas e boas propostas para travar essa injustiça. Posso dar alguns exemplos. A especulação imobiliária e a selvajaria em que se tornou o mercado da habitação é uma área em que acho que há campo e espaço para construir alternativas e para conseguir oferecer às pessoas uma vida digna e acesso à habitação. Quando falamos de impor tetos às rendas, de acabar com os benefícios fiscais ou imobiliário, estamos a propor uma alternativa àquilo que as pessoas sentem, que é uma enorme injustiça de não poderem aceder a uma casa. No caso dos professores, por exemplo, recordo-me que, há uns anos, António Costa conseguiu colocar o país contra os professores quando os professores reivindicaram o acesso ao seu tempo de serviço. Hoje compreendemos quão necessária essa política era.

O que está a dizer é que há espaço para o Bloco de Esquerda crescer, há novas causas?

As causas são as de sempre, mas acho que elas se revelam inteiramente neste momento em que a maioria absoluta tem uma política tão arrogante e tão à vista, tão exposta de imposição de desigualdades. Eu acho que os professores são um grande exemplo, a saúde é um grande exemplo.

Há anos que vimos a dizer que sem um forte investimento, sem respeito pelas pessoas, pelo seu salário, pela sua carreira, os serviços públicos não vão resistir. E um país sem serviços públicos dignos é um país que não funciona, é um país de desigualdades. Não é esse o país que nós queremos.

E essas razões foram sempre fortes, penso eu, acho que hoje têm uma expressão mais óbvia, se quisermos assim. E hoje há mobilizações populares de gente que se levanta porque não se quer resignar nem aos projetos de desigualdade da maioria absoluta, nem à ideia que a direita traz, que é uma ideia de violência, de competição desenfreada, uma política em muitos casos de ressentimento, de ódio. Nós não queremos essa cultura. Há no país uma maioria de pessoas que não quer essa cultura de ódio, não quer viver em ressentimento, em guerra permanente, quer tranquilidade, quer uma vida tranquila.

As perdas eleitorais não a assustam? Acredita que o Bloco ainda consegue dar a volta?

As perdas eleitorais nós temos que assumir quando elas existem e compreender as suas razões. As pessoas tomam as suas decisões e têm que ser respeitadas e têm boas razões para as tomar. Acho que nas últimas eleições o medo da direita e o medo da extrema direita, nomeadamente, contaram muito para favorecer a narrativa da maioria absoluta e a dinâmica da maioria absoluta do Partido Socialista. E eu lamento ver que o PS insiste nessa estratégia e tem insistido. A maioria absoluta governa contra as pessoas, as suas políticas não são políticas de dignidade, não são políticas de garantia de salário, são políticas de apoios pontuais enquanto se mantém todas as condições de especulação, tanto nos alimentos, como na energia, como nas telecomunicações. Mas ao mesmo tempo que a maioria absoluta governa contra as pessoas, vai dizendo "nós é que somos a proteção contra a extrema direita". E esta política, que é uma política de "votem em nós" com medo do pior, uma política de medo, nunca traz bons resultados.

Mas aí o Bloco de Esquerda também não soube dar a volta ao discurso para combater em campanha essa estratégia do Partido Socialista que diz ter existido.

Nem tudo se pode fazer em campanha, mas precisamos de tempo para construir essas alternativas e para criar essa esperança. Tenho a convicção que um país que se mobiliza e que vota pelo medo está sempre a andar à volta de soluções cada vez piores. O desafio do Bloco é virar este jogo e de fazer a política em torno da esperança e da vontade e da crença que podemos viver melhor, que podemos ter uma vida boa e não do medo permanente e do ressentimento permanente com o que há de vir, com o ressentimento em relação às outras pessoas. Essa é uma política que só destrói, que nunca constrói, que nunca alarga. E o desafio é uma política que alargue e que crie novos horizontes.

A direção tem insistido nessa ideia de que os resultados das últimas eleições tiveram muito a ver com esta chantagem que o PS fez com a extrema direita. Mas a oposição interna continua a pedir um balanço sobre as derrotas eleitorais. Vai haver espaço na Convenção para aprofundar essa discussão e chegar a assumir que houve erros?

Nós temos sempre - somos seres humanos - que assumir quando existem erros, mas também temos que compreender que cada decisão e cada momento político tem o seu contexto. Qualquer pessoa que tivesse visto as últimas eleições e compreende, em parte, aquele movimento de empate entre PS e PSD que levou a um medo e uma dramatização da crise, que no fundo era uma crise que o PS procurava, porque queria uma maioria absoluta. O Bloco tem vindo a fazer esse balanço, fez esse balanço.

A oposição interna do Bloco diz que não...

Compreendo e respeito a oposição interna. É por isso, aliás, que se organiza numa moção alternativa e ainda bem que o faz, porque o Bloco de Esquerda é um Bloco em que há espaço para este debate. A oposição interna poderá levar os temas que acham essenciais à convenção e terão todo o tempo para os discutir. E é assim que é o debate interno. Só posso louvar que assim seja e gosto disso, gosto dessa abertura e dessa democracia que existe dentro do Bloco.

O que é que responde às pessoas que a tratam como radical? Há esse perigo de radicalização no Bloco se a Mariana for eleita?

Sempre fui muito determinada na denúncia e na oposição a um monstro que existe em Portugal, que é uma oligarquia financeira, de portas giratórias, uma política de favores, que acho que nos arrasta para baixo. Acho que é uma corrente agarrada ao nosso pé e que tem que ser denunciada, porque ela é contra a democracia, é contra a economia, é contra a igualdade. E a esquerda está cá para denunciar e essa denúncia tem que ser feita com muita clareza. E eu quero ter, e ambiciono ter, essa clareza nessa denúncia.

Não é uma radicalização?

Gostaria de pôr essa ideia da radicalização em contexto. Há um benefício fiscal em Portugal que custa quase mil milhões de euros. É um benefício fiscal dado a residentes não habituais e que lhes dá uma taxa plana de IRS de 20% ou isenção no caso de rendimentos de capitais. Estes 900 milhões de euros por ano que custa este benefício fiscal é cerca de três vezes o que custa repor o tempo de serviço aos professores. E eu gostaria de perguntar onde é que está a radicalidade e onde é que está a sensatez? É manter este benefício fiscal para negar aos professores o tempo de carreira? É isso que é sensato? E radical é negar, radical é não querer o benefício fiscal e querer proteger os professores? Acho que esta ideia de que lutar por uma vida boa e lutar pela dignidade das pessoas se tornou radical mostra o quanto é preciso fazê-lo.

Acha que o Partido Socialista tem essa ideia de si, de ser uma personagem radical no campo político?

Sei que toco muitas vezes em muitos temas sensíveis e que posso incomodar alguns poderes instalados a quem não agrada este tipo de intervenção, mas na verdade o meu compromisso quando fui eleita não é com esses poderes instalados. O meu compromisso é pelas pessoas que trabalham e querem uma vida digna e querem uma vida decente e que têm direito a ela. O meu compromisso é com as pessoas que ganham mil euros por mês, ou 700, ou 1200, ou 1500, ou 2000, o que seja, e que enfrentam uma renda na capital do país de 1600 euros. O meu compromisso é com essas pessoas.

O meu compromisso não é com os fundos de capital de risco que andam há 10 anos a ceder um benefício fiscal em que tem abundado a fraude e que custa centenas de milhões de euros por ano, porque esse dinheiro, que é assim desperdiçado e que não tem uma consequência direta e que vale a pena, faz falta aos hospitais, e faz falta às escolas, e faz falta à justiça, e faz falta às políticas sociais que o país precisa. Por isso, entendo que pode haver quem ache que esta clareza e esta determinação é incómoda, mas o meu compromisso não é com essas pessoas, nem pessoas com esses grandes grupos económicos que andam a lucrar com a crise, que estão a contar com esses benefícios porque sempre os tiveram.

Em 2019, Catarina Martins dizia que o programa do Bloco é social-democrata. Um programa encabeçado por Mariana Mortágua segue essa mesma linha, ou não?

Não cabe a mim comentar afirmações do passado, há uma coisa que posso dizer. O BE tem uma definição muito clara que está nos seus programas, que está aliás na moção que eu encabeço e que já foi entregue, e que é um programa que é partilhado entre todas e todos os bloquistas. Acredito mesmo em todos e todas, aqui não é uma questão de oposição interna, é um projeto comum, uma coesão que nos dá. O Bloco afirma-se como um projeto socialista, feminista, ambientalista e antirracista. E fá-lo porque existe entre nós a convicção, e é isso que nos une, e acho que não é só a nós, é uma parte da população, que um modelo económico que se constrói em cima de desigualdades, em cima de uma maioria de pessoas que vive mal, que recebe mal, um modelo económico que se constrói em cima da destruição do planeta e que alimenta ressentimentos, não pode ser uma inevitabilidade, não pode ser uma fatalidade. Temos que conseguir enquanto sociedade lutar para ter outro modelo económico, outra organização da sociedade, temos que poder aspirar a uma vida melhor, mais justa e mais igual. E esse projeto, acho que ele é comum no BE, e é isso que nos une e é por isso que o Bloco também tem esta capacidade de coerência ao longo do tempo e de compromisso com esse projeto unificador.

Qual é a ambição neste momento, é vir a influenciar um Governo, integrar um Governo?

Neste momento e em todos, a ambição de quem faz política é construir uma maioria social.

O que é isso da ambição de uma maioria social?

Não acho que tenha de convencer ninguém a querer uma vida melhor, sem precariedade, mais justa, uma vida boa. O que é preciso é mostrar às pessoas que isso é possível, e que as propostas para construir esse país são exequíveis e são sensatas. Uma economia mais justa e mais igual é uma economia melhor, cresce melhor, é mais sustentável do que o contrário. E o que é preciso é construir propostas e soluções para as pessoas, na habitação, na saúde, na educação, no trabalho, é preciso que as pessoas acreditem que estas propostas podem vingar e que elas vão construir um país melhor. E é a maioria social em torno dessas propostas, que acredita nesse projeto, que pode mudar o país. Só uma maioria social em torno de um projeto pode mudar um país, e na medida que essa maioria social decidir e quiser, e por isso é que a política é um campo de construção alargada de maiorias, não é um campo de calculismos frios, porque isso é brincar com a vida das pessoas e não é construir soluções para as pessoas.

Em relação às eleições da Madeira em 2023, não querem ter metas, ou isso vai ser discutido na convenção?

O Bloco de Esquerda tem uma intervenção, uma história de intervenção na Madeira. Temos passado, um património de intervenção numa zona ultra periférica, com enormes bolsas de pobreza, com muitas dificuldades, onde também há neste momento uma grande luta contra a especulação imobiliária, contra as desigualdades. Acho que o Bloco pode e deve aspirar a aumentar a sua representação na Madeira, não há nenhum tabu sobre isso, temos que ter essa aspiração, temos que ter esse objetivo.

Acha que é possível neste momento?

Acho que é possível reforçar, acho que o Bloco tem espaço para afirmar a sua mensagem, para construir com as pessoas que neste momento se levantam porque estão cansadas desta intranquilidade, que é viver sem saber o dia da manhã, esta intranquilidade que é não conseguir ter acesso a casa, não saber como é que vai ser o futuro, ter medo da doença, da velhice, é uma vida intranquila, as pessoas estão cansadas desta intranquilidade, sentem que não são ouvidas, que não são levadas a sério, e portanto há espaço para esta proposta que quer ouvir e quer levar o país a sério. E, por isso, sim acredito que existe espaço para as ideias do BE.

Receia que Miguel Albuquerque possa ir buscar o Chega para um eventual entendimento?

Essa pergunta aplica-se ao PSD Madeira como se aplica ao PSD Nacional. Não consigo fazer esses cálculos e não me substituo a outros atores políticos. O que posso dizer é que o PSD já tem um acordo com o Chega nos Açores, é preciso lembrar isso.

Esse é um acordo de incidência parlamentar, agora o Chega vem dizer que para a Madeira, se for preciso, não fará o mesmo e que quer mesmo é integrar o Governo.

Claro, o Chega está desejoso de integrar governos e tem essa pressa. Não me substituo ao PSD, eu acho um erro, acho que não deve haver espaço nem abertura para ideias, para as ideias de extrema-direita. Porque isso é o país do ódio, é o país do ressentimento, é o país das pessoas contra as pessoas, porque não se constrói nada. Mas não me posso substituir ao PSD nessas decisões, apenas posso constatar a má ideia que é.

Há uns meses dizia que não é justo pedir à esquerda que trave a extrema-direita, portanto isso coloca a responsabilidade no PSD, em Luís Montenegro?

A esquerda tem certamente uma responsabilidade e um papel, sobretudo acho que é um papel muito importante à esquerda, que é de construir outra cultura. A extrema-direita quer construir uma cultura, quer mudar a cultura, quer injetar a sociedade portuguesa com ódios e com ressentimentos, que a sociedade portuguesa levantar os piores ódios e os piores ressentimentos na sociedade portuguesa. O racismo, o medo do outro, a perseguição religiosa, a discriminação.

A esquerda tem um papel de construir uma cultura de aceitação, de tolerância, de dignidade, de respeito, de solidariedade que é o oposto do que quer fazer a extrema direita. E essa responsabilidade a esquerda tem. A de lutar por essa cultura de tolerância, de lutar por essa cultura de bem-estar para toda a gente. Mas a direita também tem uma responsabilidade. Quando se trata de travar a extrema direita, a direita tem talvez a grande responsabilidade, que é de não integrar o seu discurso e, portanto, não sentir que é competindo com a extrema direita no seu discurso que vai conseguir alguma coisa, porque o que vai conseguir apenas é banalizar a discriminação. Felizmente estamos muito longe disso.

Também é preocupante a forma como o próprio Partido Socialista sente que polarizando e fazendo um despique, uma disputa com o Chega, pode não só enfraquecer o PSD como retirar votos à esquerda, precisamente por causa da política do medo. O PS pode achar que isto é uma estratégia que no curto prazo funciona. Acho que é uma estratégia que faz crescer a extrema direita e é muito perigosa para a democracia.

E vê que a tendência, por exemplo, do líder do PSD, é de manter este tabu e que a tendência vai ser para abrir cada vez mais o espaço ao Chega e à extrema direita?

Espero que não e acredito numa sociedade que resiste a essas ideias, precisamente porque é difícil imaginar uma sociedade tão dividida, tão entregue ao ódio, tão entregue ao discurso de violência, não há nenhum bem que possa vir daí, não há ninguém que possa ser feliz nesse contexto. É preciso haver um compromisso forte do Partido Socialista de não polarizar com o Chega e fazer o debate onde ele importa, que é o debate das escolhas para a democracia, em vez de uma polarização estéril que só alimenta o Cheg e um compromisso de clarificação, inclusive também da direita tradicional, do PSD, que não pode continuar a alimentar esta dúvida sobre se sim ou se não. Já se percebeu que ela gera medo nas pessoas, e nós não podemos aceitar que as pessoas estejam sempre a ser confrontadas com uma decisão pelo medo, com a política do medo, estamos entregues à política do medo, e isso não traz nenhum bem à nossa sociedade.

Entretanto, há outros objetivos eleitorais, por exemplo, para as europeias, para as legislativas. É coisa que deixará para a Convenção?

O objetivo eleitoral é que o resultado eleitoral do Bloco reflita um campo social que apoia as propostas que temos para a sociedade, e que são soluções para o país. Se queremos um reforço eleitoral? Queremos, claro que queremos, porque ele reflete o apoio às nossas propostas. Se achamos que ele é possível? Achamos, sim senhora, que ele é possível, inclusivé que o Bloco se está a reforçar, já manifestei aqui essa minha convicção, que o Bloco se está a reforçar e está a crescer e espero que cresça.

E nas presidenciais de 2026, o Bloco terá um novo nome próprio, ou acha que há uma necessidade de a esquerda se juntar em torno de um nome?

Gostava de responder, mas nós estamos em 2023 e acho que é muito cedo, para ser sincera. É um horizonte ainda muito distante, a Convenção é daqui a três meses, as presidenciais daqui a três anos e lá chegaremos.