Raio X de um perito. “Os portugueses já confiaram mais nas sondagens"
02-10-2015 - 03:40
 • José Pedro Frazão

Pedro Magalhães, politólogo, antigo responsável do Centro de Sondagens da Universidade Católica, explica o que as sondagens nesta campanha nos dizem. E o que não podem dizer.

Pedro Magalhães é um académico com larga experiência no terreno nas sondagens, que partilha no blogue “Margens de Erro”. Investigador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o especialista em ciência política aceitou responder às questões do programa Conselho de Directores da Renascença.

A conversa com Pedro Santos Guerreiro, Graça Franco e Henrique Monteiro passou pela credibilidade das sondagens, do peso dos indecisos e o papel dos próprios estudos no desenvolvimento da campanha. Em 12 ideias, foi assim.

Uma campanha pouco normal

"Esta teve uma circunstância particular, não muito comum em campanhas anteriores. Ao longo da campanha e pré-campanha vimos uma inversão nas sondagens da lista que liderava essas sondagens. Isso não acontece frequentemente em eleições legislativas."

As sondagens mudam mesmo uma campanha?

"Nesta circunstância concreta, em que muda esta percepção - no fundo, parece que ninguém na opinião publicada ocorreu que [a inversão nas sondagens] seria possível - isto só se torna possível e, para muitas pessoas, completamente evidente depois das sondagens mostrarem… Eu estou muito curioso, até como investigador, de tentar perceber depois destas eleições em que medida é que, neste contexto, que efeito terão tido as sondagens. Se têm algum efeito, este contexto é exemplar e quase único para produzir esse efeito."

O mito da vantagem clara do PS

"O Partido Socialista nunca teve, em toda a legislatura, uma vantagem clara sobre os dois partidos da coligação somados. O máximo que teve de vantagem foi três pontos. [O PS nunca teve as eleições na mão] porque eu acho que aqui houve uma espécie de enviesamento cognitivo, num certo sentido. As pessoas olhavam para as sondagens e o que viam eram a vantagem do PS sobre o PSD. Mais tarde ou mais cedo, tornou-se claro que aquilo que iria acontecer nas eleições era que iria haver uma coligação pré-eleitoral [PSD/CDS] e, a partir desse momento, as contas teriam de ser diferentes."

O que foi mudando na campanha

"A mais importante mudança que as sondagens detectaram recentemente é, de facto, a partir do momento em que começam a aparecer sondagens umas atrás das outras em que dão 3, 4, 5, nalguns casos, 7 pontos de vantagem à coligação e agora, nestas últimas, pelos vistos, a coisa “apertou” ligeiramente. Mas é uma vantagem importante."

Bloco a subir desde Janeiro. CDU a quebrar ligeiramente

"As sondagens vêm mostrando uma CDU um pouco menos forte do que aquilo que esteve quase ao longo de toda a legislatura – andamos à volta dos 9% - e um Bloco de Esquerda claramente a crescer. Mas não é na campanha, é desde Janeiro que o Bloco está a crescer. Mas a soma dos dois é, mais ou menos, a mesma."

Causas e consequências das mudanças nas campanhas

"Uma mudança das intenções de voto durante uma campanha não significa que a campanha tenha sido causa dessas mudanças. Não significa que tenha havido um momento qualquer em que alguém faz uma coisa bem ou mal, um facto, um escândalo. Pode acontecer, mas aqui não tivemos muito disso. O que sucede é que a campanha 'activa' as pessoas. Inevitavelmente, põe as pessoas a pensar sobre política e sobre a sua decisão. E quando tomam essa decisão, inclinando-se para um sentido ou outro, não quer dizer que estão a ser influenciadas por acontecimentos de agora. Podem ser forças de longo prazo, coisas que estão a acontecer há muito tempo que só agora para elas se tornam coisas que elas entendem pensar."

Indecisos, o que são e não são

"Os indecisos são pessoas que, sendo medidas na sondagem como pessoas que vão votar, dizem que ainda não sabem o que vão fazer. Isso é que é o indeciso. Não o devemos imaginar como alguém que está todo o dia a ler notícias e a ver informação, completamente indecisos sobre a sua decisão. Não é nada disso. São pessoas que nunca pensaram no assunto. E que com o tempo chegarão a uma decisão ou não. E sabemos, comparando grandes agregados e com sondagens pós-eleitorais, que um grande número destes indecisos é na verdade de abstencionistas."

A credibilidade das últimas sondagens

"A vantagem das sondagens que foram divulgadas agora é que têm amostras muito grandes. Isso é bom, porque nas inferências que se façam na base delas, há menos incerteza do que aquelas que se foram fazendo com 600 pessoas. E a margem de erro é mais pequena. Desde 2001 que, quando chegamos à última semana e às últimas sondagens, essas sondagens tendem a aproximar-se bastante nas legislativas – nas europeias nem sempre isso é verdade – ao que vem a ser o resultado final."

Portugueses confiam menos em sondagens

"Eu tenho a percepção de que já confiaram mais. A leitura das sondagens, a sua interpretação, a crítica e os ataques que se fazem quando as coisas correm mal é quase predominantemente político. Prevalece de forma tão intensa um discurso político sobre as sondagens tão pouco distanciado e analítico que eu receio, um bocadinho, que cresça cada vez mais esse cepticismo."

O choque com o CDS

"O CDS, que de facto é um partido que, nem sempre em todas as eleições, mas historicamente tende a ter melhores resultados nas eleições do que nas sondagens, durante um longo período fez quase uma campanha contra as sondagens. Estou muito convencido que isto é uma espécie de profecia que se auto-realiza, porque depois os eleitores do CDS quando são confrontados com uma sondagem têm uma desconfiança em relação a todo o processo."

[N.R.: O CDS queixou-se frequentemente de ser prejudicado nas sondagens do Centro de Sondagens da Universidade Católica, liderado durante muito tempo por Pedro Magalhães]

Projecções de pequenos partidos não são de fiar

"Eu acho que devemos ser muito cautelosos, porque o que se passou nas últimas semanas foi que, com a utilização de sondagens telefónicas com amostras pequenas, a prevalência de pessoas que dizem que vão votar nesses partidos é tão baixa, em números absolutos, de número de pessoas, que as empresas deixaram de relatar estes números. Como pessoa que olha para isto, sinto-me cego em relação a esses números."

A explicação do desaire das sondagens no Reino Unido

"Mesmo com tudo isto, e em Inglaterra posso saber se a pessoa votou mesmo, mesmo com estes modelos todos o que aconteceu? Houve muitas pessoas que disseram que iam votar, que foram medidas nesses modelos com forte probabilidade de irem votar e que e não foram. E eram desproporcionalmente trabalhistas. Este é que é o problema, não é haver mais ou menos 10%. É se aqueles que afirmam uma intenção de voto acabam por não ir votar e se esses são pessoas desproporcionalmente membros de determinado partido. Isso rebenta com as sondagens como instrumentos de previsão."