Arrendar nunca foi tão caro para quem começa a faculdade
26-08-2024 - 09:03
 • Salomé Esteves , Lara Castro

Para arrendar um quarto em Portugal, um estudante tem de pagar, em média, 397 euros por mês, o valor mais alto dos últimos anos. O ano letivo está à porta e cerca de 120 mil estudantes deslocados vão ter de procurar casa. Com um total de 5666 camas disponíveis até ao momento, os presidentes das federações académicas do Porto e de Lisboa estão preocupados com o mercado paralelo de arrendamento.

Neste início de ano letivo, a lei da oferta e da procura está de pernas para o ar para quem está à procura de casa. O preço médio de um quarto aumentou pelo segundo trimestre consecutivo e nunca foi tão alto, mas há hoje mais quartos disponíveis do que na mesma altura em 2022 e 2023.

No final de agosto, todos anos, é altura de perguntar: onde é que os estudantes vão viver? Quanto vão pagar para ter um sítio onde dormir? E há quartos para todos eles?

As perguntas, dizem os dados, são cada vez mais difíceis de responder para os cerca de 120 mil estudantes deslocados.

O preço médio por quarto em Portugal está agora nos 397 euros por mês, o mais alto desde que o Observatório do Alojamento Estudantil divulga os dados mensalmente (setembro de 2021). Mas este valor varia muito de cidade para cidade, onde a oferta de quartos é inconstante.

A lei da oferta e da procura ensina que a procura por um bem diminui à medida que aumenta o preço e que, depois, o bem fica tão mais caro quanto menos oferta houver. Mas, com cada vez mais alunos à procura de casa a poucas semanas do início do ano letivo, essa não parece ser, para já, a realidade para o alojamento estudantil.

O preço médio de um quarto nunca esteve tão caro em Lisboa e em várias outras cidades — e no país como um todo —, mas a oferta também tem aumentado. O Observatório concluiu, no relatório de julho, que há 5666 quartos disponíveis, em comparação com os 2674 que estavam no mercado em julho do ano passado.

Já as residências universitárias correspondem a cerca de 15 mil camas, distribuídas por todo o país. Mas essas camas só são abertas a alunos deslocados que recebam uma bolsa de ação social. E, segundo declarações do Ministério da Educação ao Público, há quase 26 mil estudantes nesta situação.

As contas não batem certo: somando residências e quartos disponíveis, há mesmo cerca de 20 mil camas para, pelo menos, 120 mil estudantes deslocados?

É neste espaço vazio que se abre o mercado paralelo de alojamento estudantil. Para Diogo Ferreira Leite, da Associação Académica da Universidade de Lisboa (AAUL), este é, além do preço do arrendamento, o maior desafio para um estudante à procura de quarto.

“Muitos dos senhorios que disponibilizam os quartos para estudantes recusam-se a passar recibo, a passar fatura, ou mesmo a assinar um contrato de arrendamento”, alerta o presidente da AAUL.

Francisco Porto Fernandes, da Federação Académica do Porto (FAP), revelou à Renascença que “60% dos estudantes estão em quartos sem fatura, ou seja, estão em quartos no mercado paralelo”.

Ambos os dirigentes associativos concordam que o mercado paralelo de arrendamento é um dos “principais responsáveis pela grande problemática da crise no alojamento estudantil”. Afinal, sem contrato e sem recibos, ou seja, sem comprovativo de arrendamento, o estudante, mesmo bolseiro, não tem direito ao complemento de alojamento dado pelo Governo.

Inicialmente, este apoio foi criado para os estudantes bolseiros deslocados que não conseguissem vaga nas residências universitárias públicas. De acordo com informação divulgada pelo Ministério da Educação ao Público, cerca de 15 mil estudantes bolseiros não pediram estes apoios, que obrigam à apresentação destes documentos.

Em maio deste ano, o Governo alargou o complemento de alojamento — que tinha sido, inicialmente, apenas direcionado para estudantes bolseiros — a todos os estudantes deslocados, ainda que com uma redução de 50% do que é aplicado a quem tem bolsa e não consiga vaga em residências universitárias.

A medida resultou de uma proposta da Federação Académica do Porto divulgada num caderno de medidas para as eleições legislativas. Para Francisco Porto Fernandes, apesar de a medida ser “um caminho”, “não resolve tudo”. O presidente da FAP acredita que o problema do alojamento estudantil só fica resolvido “com mais oferta”.

Oferta essa que, na cidade do Porto, não falta, necessariamente. O presidente da FAP lembra que há cerca de 10 mil alojamentos locais na cidade, que seriam fundamentais para assegurar alojamento para estudantes, caso se pudesse “dar incentivos aos senhorios para que ponham os quartos no mercado para os estudantes”.

O turismo e o alojamento local, acrescenta, “foram muito importantes para a reconstrução do centro histórico da cidade”, mas “não devemos esquecer que o ensino superior é o principal elevador social em Portugal e que sem quartos os estudantes não conseguem estar no ensino superior”.

O preço do quarto do João sobe, sobe sem parar

Enquanto o Porto assistiu a um ligeiro decréscimo nas restas de um quarto — estacionando, abaixo da média, nos 386 euros/mês —, em Lisboa, um quarto arrenda-se por uma média de 480 euros por mês, diz o Observatório do Alojamento Estudantil.

Já no Funchal, onde existem quatro universidades, o preço por quarto tem aumentado nos últimos dois anos e disparou em 2024. Um estudante que queira arrendar um quarto na capital da Madeira vai pagar quase tanto como se fosse para Lisboa: 450 euros por mês, em média. Em janeiro de 2022, esse valor não passava nos 290 euros.

O mesmo relatório mostra que em 16 distritos portugueses, o preço médio de um quarto aumentou. Aliás, este preço apenas caiu no Porto, onde, este trimestre, os quartos estão, em média, 14% mais baratos do que no segundo trimestre do ano.

Quando se olha para a progressão dos preços desde o início de 2020, o Porto é o único distrito em que se verifica algum decréscimo, especialmente a partir de novembro de 2022. Ainda assim, arrendar um quarto no Porto hoje custa, em média, mais 116 euros por mês no que em agosto de 2020.

Mas não é só em Lisboa e no Porto (ou até no Funchal), que arrendar um quarto ou um apartamento ficou mais caro. Por toda a Europa, inquilinos estão a pagar mais aos senhorios pelas casas onde vivem.

Segundo o Índice Internacional do Arrendamento, o preço das rendas aumentou, em média, 4,3% na Europa. O custo por mês para arrendar um quarto aumentou 2,5% face ao trimestre anterior, enquanto os apartamentos, estúdios e afins, aumentaram mais de 5%.

Mas os portugueses têm razão de queixa face a outros países? Sim. Lisboa é a sétima cidade mais cara para arrendar um apartamento.

Um Plano Nacional que arrancou atrasado e com menos camas do que era preciso

Em 2018, o Governo de António Costa prometeu 18 mil novas camas até 2028, na execução do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES). Mesmo que todas sejam concluídas e que se somem às atuais 15 mil, as 33 mil camas continuam a representar pouco mais de um quarto da população de estudantes universitários deslocados, cuja tendência de crescimento não conseguimos prever.

Dessas 18 mil camas, no entanto, apenas 1124 estão disponíveis depois de se concluírem os 12 projetos de construção ou renovação de edifícios. Neste momento, estão em curso 44 projetos, que poderão albergar 6375 pessoas.

Estes projetos executados representam cerca de 6% do previsto pelo plano. Mas para Diogo Ferreira Leite, esse não é o único nem o principal problema: o PNAES “tem sido perpetuamente atrasado”.

Apesar de o objetivo ter sido, em 2018, aumentar o número de camas, a verdade é que, com a execução do projeto e o encerramento de algumas residências para obras, há cerca de 2500 camas que não podem ser atribuídas. “Entre 2019 e 2023 a tendência foi decrescente, ou seja, ano após ano, devido ao encerramento de algumas residências, nós começámos a ter cada vez menos camas em residências”, lamenta o presidente da Associação Académica da Universidade de Lisboa.

Diogo Ferreira Leite lembra que esta é a segunda vez que se corre o risco de não cumprir o objetivo de aumentar o número de camas nas residências universitárias portuguesas: “em 2004, o Governo, na altura, tinha prometido que até o ano de 2006 iríamos atingir as 16 mil camas. Ora, em 2024, 20 anos depois, temos apenas 15.960 camas em residências de ação social no nosso país. Portanto, em 2024 ainda não atingimos metas que foram definidas em 2004 para o ano de 2006”.

"Portanto, ainda em 2024 não atingimos metas que foram definidas em 2004 para o ano de 2006"

Mas não se trata apenas de um atraso no cumprimento de uma meta antiga, mas de um desajuste cada vez maior entre as camas disponíveis e os estudantes que precisam delas. No ano letivo 2022/23, havia um número recorde de alunos inscritos no ensino superior: eram cerca de 446 mil, em todos os ciclos de estudo.

E este número apenas tem tendência para aumentar, uma vez que já se verificou um acréscimo de 28% em dez anos, desde o ano letivo 2013/2014.

Francisco Porto Fernandes, da FAP, sublinha que a falta de alojamento e o não cumprimento do PNAES pode levar ao aumento do aluguer de quartos sem condições: “Se o Estado não cumpre o Plano Nacional de Alojamento, se não há camas para todos, o mercado paralelo é um bocadinho a fuga para quartos menos dignos”.

Enquanto o PNAES está a decorrer, o Estado mantém os protocolos com as Pousadas da Juventude e instalações do INATEL, para colmatar as camas das residências que se encontram em obras. Ao obrigo desta parceria, disponibilizaram-se 709 camas.