Combate ao Estado Islâmico desalojou três milhões de iraquianos em dois anos
22-05-2017 - 15:39
 • Rui Barros

Sete milhões de pessoas ficaram desalojadas devido a conflitos e violência em todo o mundo. Um em cada dez desses desalojados é iraquiano. Melany Markham, do Conselho para os Refugiados Norueguês, traça o retrato desta realidade, a partir de Erbil, no Iraque.

"Uma crise de deslocados quase sem precedentes”. É assim que o Relatório Global sobre Deslocados, divulgado esta segunda-feira, caracteriza a situação que se vive no Iraque. Os dados mais recentes, disponibilizados no relatório, indicam que um em cada dez dos deslocados em 2016 é de nacionalidade iraquiana, com a organização a estimar que só nos últimos dois anos, três milhões de pessoas tenham ficado sem casa neste país.

“Precisamos mesmo que este conflito termine para que as pessoas recomecem as suas vidas”, sublinha Melany Markham, assessora do Conselho para os Refugiados Norueguês no Iraque, em declarações à Renascença, a partir de Erbil, Iraque.

“A maior parte dos conflitos deve-se à retomada de território ao autoproclamado Estado Islâmico. Essa tem sido a principal causa de desalojamentos”, diagnostica Markham.

Mossul, a 75 quilómetros de Erbil, é o principal teatro de operações de uma guerra que opõe governo iraquiano e autoproclamado Estado Islâmico. Cercada pela coligação militar do governo iraquiano, o Estado Islâmico matem sob o seu domínio cerca de 650 mil civis que tem usado como escudo humano. Em Março deste ano, Sandra Black, da Organização Internacional para as Migrações,em declarações à Renascença, dizia viver-se “uma situação terrível” na cidade.

Perder a cidade que viu o Estado Islâmico ser proclamado em 2014 ditaria uma forte derrota para o grupo terrorista. Uma batalha que o primeiro-ministro iraquiano, apoiado por países como os Estados Unidos, está determinado a vencer. Os relatos que chegam de dentro da cidade falam de tropas do autoproclamado Estado Islâmico a entrar na casa das pessoas quando acontecem os raides aéreos para usarem as famílias como escudos humanos.

“Não temos bem a noção do que se passa em Mossul Ocidental uma vez que estamos lá. Mas temos um centro de acolhimento perto e recebemos aqueles que escapam. As pessoas chegam muito magras. Dizem-nos que não tiveram acesso a comida ou água limpa durante dias ou semanas e algumas das mulheres dizem-nos que deixaram de conseguir amamentar por falta de comida. As pessoas que abandonam Mossul estão num estado muito frágeis”, retracta a assessora do Conselho para os Refugiados Norueguês.

Com o crescente número de desalojados, os esforços do governo iraquiano para oferecer asilo temporário não chegam face ao crescente número dos que ficam sem casa.

“Os desalojados não são só responsabilidade dos governos nacionais”, sublinha a directora do Conselho Norueguês dos Refugiados no Iraque, Heidi Diedrich, em comunicado, em que exige que à “comunidade internacional que apoie o governo iraquiano na ajuda aos desalojados deste país”.

E ainda que o conflito em Mossul esteja por resolver, a preocupação de Markham vai para o período depois da conquista da cidade: “Os iraquianos vão precisar de muito apoio para recuperar deste conflito. E o conflito não vai acabar aí. Ainda que Mossul seja reconquistada, há ainda bastiões autoproclamado Estado Islâmico no Iraque. Os iraquianos vão precisar de muito apoio para a reconstrução e recuperação. A comunidade internacional precisa de apoiar o país para evitar que um novo conflito rebente no futuro.”

Na lista dos países com mais desalojados devido a conflitos armados, o Iraque é, ainda assim, terceiro, com 659 mil desalojados. República Democrática do Congo (922 mil) Síria (824 mil) encabeçam a lista dos países com mais deslocados internos. Os dois países vivem mergulhados em guerra civil.

Até ao final de 2016, o Centro de Monitoramento de Desalojados registou 31.1 milhões de novos desalojados devido a conflitos, violência ou desastres naturais - o equivalente a um desalojado a cada segundo. Foram mais 3,3 milhões em relação ao ano de 2015. A grande maioria dos desalojamentos deve-se a desastres naturais, como furacões ou terramotos, mas sete milhões ficaram desalojados devido a conflitos e violência. O valor daqueles que se viram sem tecto devido a conflitos armados quase que duplicou face ao ano de 2000.