O antigo director-geral da Saúde Constantino Sakellarides valida a estratégia de comunicação das autoridades de saúde portuguesas sobre o novo coronavírus. Ouvido no programa "Da Capa à Contracapa" da Renascença, em parceria com a Fundação Francisco Manuel dos Santos, Sakellarides defende não há "informação a mais" sobre casos suspeitos que não se confirmam.
"Pelo contrário. Aquela informação constante e diária, que nesta altura é negativa mas pode tornar-se positiva, é absolutamente necessária. Não há nenhum exagero. É exactamente o que tem de se fazer. Ao fazer isso, as pessoas sabem que têm informação no momento e precisa", sustenta o professor catedrático de Saúde Pública.
Considerado um dos quadros mais experientes do sector em Portugal, Sakellarides defende que a Direcção Geral de Saúde tem seguido as prioridades correctas nesta crise.
"A primeira prioridade é preparar para conter os casos importados. Estamos preparados para tentar conter a transmissão dos vírus importados que eventualmente venha a acontecer. Qual é o risco anunciado pela OMS? Temos quatro grandes exportadores de vírus [China, Coreia do Sul, Irão e Itália]. Se esse número duplicar, o número de importações é potencialmente maior e a contenção é mais difícil", admite Sakellarides que ao longo da sua longa carreira trabalhou também como consultor da Organização Mundial de Saúde.
Vírus na comunidade colocará sistema em tensão
O professor catedrático de Saúde Pública louva o esforço da Direcção-Geral de Saúde na coordenação desta operação, apesar das limitações de meios humanos. "Quando durante dez anos a Direccção-Geral de Saúde perdeu recursos importantes, ninguém se lembrou disso", acentua Sakellarides que admite que caso o vírus comece a circular na comunidade "naturalmente qualquer sistema de saúde vai entrar em tensão".
Para outro interveniente no debate, o gestor hospitalar José Mendes Ribeiro, a taxa de letalidade deste vírus é "razoavelmente gerível dentro da experiência que temos de outras doenças", dando o exemplo do risco superior de morte por pneumonia em Portugal.
Para este economista, responsável pela proposta de reforma hospitalar pedida pelo então ministro Paulo Macedo no governo PSD/CDS , os casos de esperas excessivas em ambulâncias noticiados no início desta crise fazem parte de uma fase ultrapassada da resposta. "Aquilo que está no terreno parece-me sensato para prevenir algo de que não temos bem a dimensão", afirma José Mendes Ribeiro no programa "Da Capa à Contracapa".
Num plano pedagógico, Sakellarides apela ao recurso à Linha SNS24 (808 24 24 24) em caso de situação suspeita de Covid-19 para melhor orientação e salvaguarda da comunidade.
"Se for directamente ao centro de saúde e ao hospital não ganho nada com isso. Sou atendido mais tarde, exponho os meus concidadãos e não protejo os médicos e enfermeiros do serviço de saúde. Se for pela linha, sou atendido mais cedo, não exponho ninguém e os profissionais que me vão receber sabem quem eu sou e podem preparar-se para me tratar bem, sem se exporem excessivamente", explica o professor jubilado da Escola de Saúde Pública.
Na análise dos focos de exportação do novo vírus, o especialista português sublinha que Itália falhou a fase de contenção e por isso em poucos dias o número de casos passou de 17 para 600.
Prioridade ao combate às notícias falsas
O perito em Saúde Pública considera que têm sido veiculadas informações "pouco sensatas" no plano internacional que prejudicam a transmissão de mensagens credíveis da própria OMS. Sakellarides refere-se em particular às palavras do médico canadiano que liderou uma delegação da OMS à China. Bruce Aylward afirmou que "o mundo não está preparado" para este surto, elogiando a resposta chinesa.
"Não o deve dizer. São afirmações que fazem manchetes, são bombásticas, mas disfuncionais. A gravidade é que essa não é a posição da Organização Mundial da Saúde", sublinha o professor jubilado de Saúde Pública que lembra que a OMS montou um sistema de combate às notícias falsas "porque aprendeu que se não controlarmos de forma competitiva a informação que circula nas redes sociais perdemos a batalha da comunicação".
Ambos os convidados do "Da Capa à Contracapa" sublinham a importância do Digital na resposta a esta crise, incluindo um incremento da telemedicina e a adopção de teletrabalho para minimizar impactos económicos negativos.