ESNA, um ano depois. "Somos a OCDE das Startups e precisamos de ajudar os empreendedores europeus"
04-11-2022 - 20:40
 • José Pedro Frazão

A Aliança das Nações Europeias de Startups ainda trabalha com órgãos provisórios e demora a instalar-se no Pavilhão de Portugal. Um ano depois de ter sido lançada com um corte da fita no palco principal da WebSummit, a ESNA procura não perder o balanço para a implementação do seu mandato. EM entrevista à Renascença, o director interino Arthur Jordão reconhece que é preciso harmonizar as legislações europeias para as empresas em início de vida (startups) para que o continente consiga competir com os outros blocos regionais e pede ainda uma nova mentalidade mais virada para o risco e para o empreendedorismo.

O debate estava prometido na Web Summit, mas o balanço de um ano de vida da Aliança das Nações Europeias de Startups (ESNA) ficou sem efeito, por ausência de última hora do Ministro da Economia. A reflexão foi feita em privado no segundo Fórum Anual da ESNA, entidade com sede em Lisboa, mas ainda a tentar estabelecer quem vai fazer o quê.

O português Arthur Jordão dirige interinamente a entidade que pretende ser o farol das políticas públicas de empreendedorismo na Europa. Em entrevista à Renascença, o diretor interino da ESNA explica em que ponto estão os processos internos da organização e explica os principais desafios num campo onde os Estados Unidos ganharam predominância.

Um ano depois da constituição da Aliança das Nações Europeias de Startups (ESNA) na Web Summit, a entidade está em processo de instalação. Quais são os próximos passos ?

Enquanto organização, somos nós próprios uma espécie de startup. Estamos a criar as bases para sermos uma plataforma realmente única na Europa para conversações entre estados membros e para que a ESNA exerça a sua influência para as melhores práticas de políticas públicas para o ecossistema digital. Já lançámos um relatório com uma primeira avaliação sobre a forma como os países respondem às oito políticas públicas identificadas na declaração dos "standards" das nações europeias de startups. Ao mesmo tempo, estamos envolvidos numa discussão europeia, com base numa iniciativa francesa, sobre um Balcão Único de talento.

O que é que entende por "Balcão Único"?

A resposta a essa pergunta é exatamente o que estamos a tentar fechar. O diagnóstico está feito, a Europa e os seus países precisam cada vez mais de atrair e reter talento digital. O estudo feito pela iniciativa "Scale Up Europe" vai exactamente nesse sentido, com um conjunto de recomendações no sentido de se criar uma montra do que é feito ao nível de vistos tecnológicos em diversos países, definindo fatores de atração dos talentos em cada país e avaliar a legislação europeia e entender como poderá ser a evolução do Cartão Azul Europeu. Depois de fechar a definição sobre esse "Balcão Único", poderemos começar a responder a outras perguntas sobre como e quando vamos fazer o quê neste processo. E com a constituição em breve da equipa poderemos avançar para a implementação da ESNA.

A política europeia mostra-nos constantemente a dificuldade em harmonizar caminhos nalgumas áreas temáticas. Há consenso sobre grandes princípios, mas a implementação colide muitas vezes com os interesses nacionais. A ESNA está em condições de resolver esta equação ? Quais são os parceiros essenciais para conseguir essa harmonização europeia?

O primeiro grande parceiro é sem dúvida a Comissão Europeia. Foi com esta instituição que começámos a conversar na Presidência Portuguesa em 2021. Ao longo do tempo, à medida que fomos constituindo o modelo de governo da ESNA, a Comissão Europeia decidiu deliberadamente ficar de fora da governação e assumir apenas o papel de observador. A Comissão sente-se muito confortável com isto, porque a ESNA é feita pelos estados membros para os estados membros. Outros parceiros são naturalmente os diversos governos e todas as entidades públicas e semipúblicas que os executivos governamentais identificam para serem associados da ESNA, para que esta não esteja sujeita aos ciclos políticos e eleitorais. O alvo principal da ESNA são os legisladores públicos. Se fizermos um bom trabalho com eles, haverá uma contaminação positiva para os próprios ecossistemas. Não quero baixar ou subir demasiado as expectativas sobre o que pode ser a ESNA, mas é importante entender que não temos legitimidade para garantir o cumprimento desta legislação. Ela propõe, reflete, recomenda, cria pontes, recolhe as melhores práticas através desta plataforma. Há dias ouvi uma excelente comparação com a qual me identifico: a ESNA é uma espécie de OCDE para as startups e pode até ser um exemplo mundial de um movimento de consenso e espírito colaborativo que nasce na Europa. O caminho é longo e, apesar da visão da ESNA para levar a Europa para a liderança de um ecossistema global de startups, é realmente um grande desafio. A ESNA é apenas uma das peças para lá chegar, não o consegue "de per si".

A ESNA surge por reconhecimento do atraso da Europa face ao movimento global ou especificamente norte-americano. É possível lá chegar sem um empurrão de políticas públicas ?

O ecossistema digital começa no fundador da startup mais pequena ou do unicórnio, pelas incubadoras e pelos diversos investidores. As políticas públicas fazem parte deste movimento, porque estas empresas operam no contexto de diversas legislações. Penso que a Europa precisa de facto do "empurrão" das políticas públicas porque é necessário harmonizar 27 regimes jurídicos diferentes. Estamos longe do mercado único europeu neste domínio. Montar uma empresa em Portugal e operar em Espanha ou na Lituânia não é fácil ou pelo menos não acontece da forma reclamada pelos empreendedores. Olhando para os Estados Unidos, quem cria uma empresa em Delaware opera na Califórnia com a maior facilidade.

É isso que se pretende para a Europa ?

Sim, porque temos que facilitar a vida a estes empreendedores ao nível dos regimes jurídicos, porque eles trazem um valor acrescentado óbvio para a economia e para uma melhor sociedade. Os indicadores sobre o número de startups e de valores de mercado, colocam-nos numa segunda liga. Precisamos de convergir rapidamente com os actores mundiais como os Estados Unidos ou Israel. As políticas podem favorecer uma mudança de mentalidade que deixa falhar, que assume mais risco. Para atrair e reter talento, é preciso começar a criar desde a escola uma mentalidade empreendedora, de criar o seu próprio negócio, de querer construir coisas novas, ter a sua própria ambição.

Nem sempre fomos socialmente formatados para correr riscos. Quando vamos ao banco procurar um crédito, somos sempre alertados para os riscos da operação financeira onde nos envolvemos. Para isso são necessários mais parceiros de capital de risco?

Sem dúvida. A título pessoal, penso que a evolução da mentalidade passa também pelos investidores e pela própria banca portuguesa. Apesar de uma grande evolução nos últimos 5 anos, esta área merecia que o Governo pudesse porventura "apostar ainda mais fichas" e participar ainda mais no Fundo de Fundos Europeus. É uma opinião pessoal, como português, não como representante da ESNA.

O fosso é muito grande entre os estados membros da ESNA ?

Sim. O Fundo de Fundos Europeus é uma ferramenta continental exatamente para combater nas fases de investimento em que se tenta escalar para unicórnio, de forma a Europa conseguir esse capital para apoiar as empresas que estão nesse estágio, evitando a sua fuga para os Estados Unidos. Cada país coloca determinado valor neste Fundo e se seguíssemos um critério de PIB no contexto europeu, Portugal teria que pôr muito menos dinheiro do que os outros

países, mas, por outro lado, receberia muito menos que outras nações. Há que fazer aqui um equilíbrio complicado à escala europeia.

Seria mais fácil se o Reino Unido estivesse na União Europeia ?

Acho que sim. Era uma das maiores economias da União e tem uma mentalidade diferente. A ESNA não consegue resolver essa equação porque nasce da Declaração dos "Standards" das Nações Europeias de Startups, assinada por 26 estados membros da UE e pela Islândia. Como não assinou, o Reino Unido não faz parte da equação e competimos tanto com eles como com os norte-americanos. Isso não implica que não haja diálogo, porque a ESNA quer ter uma dimensão internacional e representar a Europa, combatendo igualmente a fragmentação de políticas que existe na União Europeia.