Efeitos perversos do dinheiro
20-07-2022 - 06:30
 • Francisco Sarsfield Cabral

A comissária europeia Elisa Ferreira lembrou que os fundos de Bruxelas são para “fazer a mudança”. O dinheiro pode ter efeitos perversos, se servir para evitar reformas.

Portugal tem de se libertar da dependência dos fundos europeus, afirmou a comissária europeia Elisa Ferreira ao “Público”. E explicou: “Os fundos não são uma coisa que existe para se continuar a fazer o que se fazia antes os fundos são para se fazer a mudança”. Por isso, o nosso país tem de “deixar de acreditar que os fundos são um cheque para manter tudo como está”.

Elisa Ferreira é uma competente economista e em Bruxelas tem um “staff” de economistas para analisar os efeitos dos fundos nos países que os recebem. O aviso que ela lança às autoridades portuguesas deve ser ouvido.

Quando Portugal começou a receber fundos de Bruxelas, poucos anos após aderir à CEE, quase não existiam autoestradas e muitas áreas não dispunham de saneamento básico, por exemplo. Essas carências básicas do país tornavam óbvias as prioridades na aplicação dos fundos europeus. Nessa altura a economia portuguesa aproximou-se das médias europeias.

Depois essas prioridades tornaram-se menos evidentes; não por acaso, a convergência com a Europa comunitária foi substituída pela divergência; e Portugal foi sendo ultrapassado pelas economias de países do Leste europeu, que partiam de bases mais baixas. Isto aconteceu apesar dos fundos – ou talvez mesmo por causa dos fundos.

É fácil de compreender que o dinheiro pode ter efeitos perversos. Suponhamos uma empresa mal gerida, onde a produtividade é muito baixa. Sem uma injeção de dinheiro essa empresa poderá ir à falência. Mas se ela conseguir receber avultados fundos, é possível que os seus gestores nada mudem, pois conseguiram sobreviver.

Assim permanecem recursos humanos e financeiros em unidades improdutivas, em vez de serem utilizados em empreendimentos que criem riqueza. É um passo atrás para o desenvolvimento económico.

Há vários anos que, à escala nacional, um efeito perverso deste tipo terá existido na economia portuguesa. Um efeito que ainda não desapareceu. A julgar pelo que disse Elisa Ferreira, Bruxelas já o percebeu. Falta agora que os nossos governantes também o entendam.