Jornalismo, sim, mas só se tiver juizinho...
19-02-2018 - 06:50

A Liberdade de Imprensa não é opcional num regime que vive de equilíbrios sensíveis como o nosso e a sua defesa intransigente cabe a todos.

Dois episódios muito recentes deram-nos a ver, com enorme clareza, a fragilidade do exercício do Jornalismo em Portugal e a forma como atores com responsabilidade pública o entendem.

O episódio 1 aconteceu na sexta-feira, no congresso do PSD. Uma equipa de assessoria demasiado zelosa e um grupo de seguranças privados às suas ordens quase conseguiram impedir os fotojornalistas de fazer ‘a foto da noite’ (o cumprimento de passagem de testemunho entre Passos Coelho e Rui Rio). E porquê? Ninguém sabe. Só porque sim, imagina-se. Só porque quem organiza este tipo de eventos há muito se habitou em Portugal a organizar também o tempo, o lugar e o modo de atuação dos jornalistas. Este impedimento ao exercício da Liberdade de Imprensa, de tão vulgarizado que está (mais ainda do que as violações do segredo de Justiça), já quase se normalizou e contou durante muitos anos com um silêncio cúmplice da própria profissão. Mas trata-se de um crime e parece assentar num pressuposto grave - o de que o Jornalismo não é nem pode ser muito mais do que o espaço de informação benigna sobre pessoas e/ou organizações.

O episódio 2 aconteceu durante a Assembleia Geral do Sporting Clube de Portugal. Ali foi dito, de forma clara e direta, pelo presidente do clube, que os sócios devem deixar de ler jornais e deixar de ver televisão, a menos que essa televisão se chame ‘Sporting TV’. Neste caso não estamos na presença de um crime mas estamos, isso sim, perante uma visão muito semelhante sobre o que é o Jornalismo, o que faz, para quem e em nome do quê. Percebe-se, também aqui, que há um total desrespeito pela ideia de que as democracias só fazem sentido num clima permanente de vigilância de poderes, de censura de comportamentos e de abertura à dissensão e de que, na maior parte delas, é através do Jornalismo que essas imagens e vozes alternativas se projetam.

O apetite de quem tem poder pelo controle dos média não é nenhuma novidade. Mas o que é novo - e se torna mais banal a cada dia que passa - é um posicionamento despudorado de alguns dirigentes (políticos ou outros) que parecem ter descoberto as vantagens de viver num universo sem limites, sem regras nem fronteiras (sem muros, para usar uma expressão tão querida ao exemplo mais significativo desta estirpe).

A Liberdade de Imprensa não é opcional num regime que vive de equilíbrios sensíveis como o nosso e a sua defesa intransigente cabe a todos. Todos os dias. Porque pouco mais nos separa das neblinas densas da Propaganda e da Demagogia.