O Vasco da Gama do século XX
24-07-2019 - 06:37

A odisseia de Armstrong e de Aldrin parece hoje uma relíquia. Mas a Apollo 11 e as outras congéneres constituíram, de facto, um “salto gigantesco para a Humanidade”.

Foi há meio século que os EUA realizaram um dos maiores feitos tecnológicos e uma das maiores aventuras da espécie humana: pôr o pé em solo firme fora do planeta Terra. A 20 de julho de 1969 (já dia 21 em Portugal), o módulo espacial da missão Apollo 11 pousou na Lua e o mundo inteiro pôde ver a transmissão em direto de Neil Armstrong e de Edwin “Buzz” Aldrin caminhando na superfície lunar.

Aquele primeiro passeio foi um ponto de chegada triunfante de sonhos longínquos e de progressos e ambições mais recentes. Em 1865, Júlio Verne imaginara a viagem da Terra à Lua através de um miraculoso foguete-canhão. Mas só as conquistas científicas e tecnológicas nos domínios da propulsão aeronáutica e da computação automática (alguns deles provindos, por ironia, de inovações militares da II Guerra Mundial), abriram a possibilidade, na segunda metade do século XX, de expandir a última fronteira humana para a conquista do espaço sideral.

A competição tecnológica da Guerra Fria entre os EUA e a URSS também ajudou. Os soviéticos tinham-se adiantado com o Sputnik e com o voo espacial de Yuri Gagarin, motivando John Kennedy, em 1961, a anunciar uma meta julgada impossível: a conquista da Lua antes do final dessa década.

O programa Apollo, então lançado pela NASA, teve seis missões experimentais não tripuladas e mais quatro já tripuladas, de ensaios para a alunagem (Apollo 7 a 10). Seguiram-se as sete missões à Lua (Apollo 11 a 17), a primeira – inaugural e histórica – em julho de 1969 e a última em dezembro de 1972. Descontado o fracasso (que foi um sucesso!) da Apollo 13, seis duplas, num total de doze astronautas caminharam na superfície lunar. Depois de 1972, a falta de verbas, o desinteresse da opinião pública e a concentração em novos desafios, abertos pela era dos Space Shuttles, fez com que mais nenhum humano ali voltasse.

A odisseia de Armstrong e de Aldrin parece hoje uma relíquia. Mas a Apollo 11 e as outras congéneres constituíram, de facto, um “salto gigantesco para a Humanidade”. A imagem do berlinde azulado – a frágil Terra – vista do espaço, contrastando com a negritude dos céus siderais e da superfície lunar, revolucionou o pensamento da espécie humana, os paradigmas da ciência e da filosofia e as causas políticas do pacifismo ou da ecologia. 50 anos depois do feito da Apollo 11, americanos, russos, chineses, indianos e mais os multimilionários do “turismo espacial” querem voltar à Lua, como trampolim experimental para futuras missões a Marte. Talvez um dia a base lunar habitada da célebre série televisiva dos anos 70 «Espaço 1999» seja uma realidade – e talvez na próxima geração, ou na seguinte, os humanos cheguem a Marte ou mais longe. Por ora, todavia, só temos – todos – o planeta Terra. Precisamos de cuidar dele, porque as alternativas ainda não existem, e tanto mais quanto a velocidade a que o destruímos é muito mais rápida do que qualquer calendário de uma migração humana para outro lugar no universo, para lá dos limites do (nosso) céu azul.

Alguns historiadores americanos da era dos descobrimentos têm por hábito comparar o risco, o alcance e a importância civilizacional do feito do seu compatriota Neil Armstrong à viagem de Vasco da Gama, quando o navegador português traçou o caminho marítimo da Europa para a Índia, largando de Lisboa e chegando a Calecute em 1498. Têm razão. A Ásia longínqua era tão cobiçada e (quase) tão desconhecida no final do século XV quanto o espaço sideral na segunda metade do século XX. E à escala desse tempo, Gama foi tão inovador na sua viagem, dando novos mundos ao mundo, como a Apollo 11, em 1969, ao depor Neil Armstrong num outro novo mundo.