Fantasias sobre o interior
06-07-2018 - 06:29

O discurso oficial sobre o combate à desertificação do interior é fantasista, demagógico e enganador.

“Preparem-se para o funeral do interior do país” – esta frase encontra-se numa nota emitida pelo Bispo de Vila Real, D. Amândio Tomás, reagindo ao encerramento do colégio dos salesianos em Poiares, Peso da Régua. O colégio, como vários outros no interior, fechou por ter cessado o contrato de associação com o Ministério da Educação. Ou seja, por falta de apoio financeiro do Estado.

Este é mais um exemplo revelador de como é fantasista, demagógico e enganador o discurso oficial sobre o combate à desertificação do interior do país. Os trágicos incêndios florestais do ano passado chamaram a atenção da opinião pública para essa desoladora desertificação. Daí o discurso dos governantes. Só que, desgraçadamente, os anúncios de medidas para revitalizar o interior são meras fantasias. E sucedem-se os golpes que aceleram a desertificação.

Que empresa se deslocará para um interior onde não dispõe de mão-de-obra nem de serviços de que necessita para funcionar, apenas porque lhe baixam uns pontos de percentagem no IRC? Nenhuma, claro. O mesmo se diga da desejável transferência para o interior de famílias, que ali não iriam encontrar escolas para os filhos – outra fantasia.

O desequilíbrio entre o litoral e o interior atingiu uma tal dimensão em Portugal que só um vasto programa de choque, dirigido à promoção de cidades médias no interior, poderia travar esta tendência – que, aliás, prejudica o próprio litoral, cada vez mais sobrepovoado, o que diminui ali a qualidade de vida. Pense-se, por exemplo, nas crescentes dificuldades de circulação e estacionamento automóvel em cidades como Lisboa e Porto. Ora um tal programa não seria exequível sem gastar muito dinheiro público, o que, na prática, significa que pouco ou nada de significativo será feito nos próximos anos.

Por isso, tem infelizmente razão o bispo de Vila Real, quando escreve “o interior do país já exausto, sem gente e sem meios, fica mais pobre e recebe o golpe de misericórdia, condenado ao desprezo e ao abandono”.