Inovação tecnológica: em vez da internet das coisas o foco deve ser na internet das pessoas
12-03-2019 - 10:44

O futuro é desenhado por nós e não pela tecnologia. Está nas nossas mãos determinar o que interessa e deve ser desenvolvido e o que não interessa ao ser humano deve ser impedido de se desenvolver.

O relógio digital já roda furiosamente…no entanto, o futuro não está determinado e o determinismo tecnológico não é inevitável. De facto, o Ser Humano já foi os seus genes; mas, rapidamente percebemos que afinal somos mais do que isso. Mais recentemente, com o desenvolvimento das neurociências, passamos a ser o nosso cérebro, mas tal como aconteceu com a genética, percebemos que as conexões neurobiológicas afetam mas não determinam tudo o que somos. Hoje é claro que o determinismo genético e o determinismo neurobiológico não são definitivos e, felizmente, apesar das mensagens escritas nos nossos genes e no nosso cérebro temos algum espaço de liberdade para escrever o texto da nossa vida.

Paradoxalmente, parece que o nosso grau de liberdade em relação à possibilidade de re-escrever o futuro desenvolvimento da tecnologia é limitado; a nossa responsabilidade com algo que é desenhado por nós, e não em nós, parece imprecisa. Falamos do desenvolvimento tecnológico como uma inevitabilidade; temos dificuldade em encontrar soluções para o futuro. No entanto, é a capacidade de projetar o amanhã que nos permite prever as consequências e fazer as opções mais prudentes, sendo esta a capacidade que nos possibilita assumir uma responsabilidade moral. Não é possível conservar as vantagens da liberdade livrando-se dos seus correlatos (a responsabilidade). Assim, hoje mais do que nunca, a nossa relação com a liberdade é, antes de mais, uma relação extremamente dura e exigente com a responsabilidade de desenhar um futuro digitalmente sustentável.

O futuro é desenhado por nós e não pela tecnologia, está nas nossas mãos determinar o que interessa e deve ser desenvolvido e o que não interessa ao ser humano deve ser impedido de se desenvolver; a tecnologia deve servir os melhores interesses do ser humano e se esse não for o caso não deve ser desenvolvida… Somos nós que desenhamos o nosso futuro… ao contrário dos carros autónomos o futuro não se pode conduzir autonomamente

Como qualquer momento radicalmente disruptivo, na história estamos a viver, simultaneamente, a maior utopia e a maior distopia. Os tecnofílicos prometem o futuro digitalmente perfeito; os tecnofóbicos ou ludistas o iminente apocalipse; mas o problema somos nós e não os sistemas operativos…já estivemos aqui; sim o futuro já foi destruído e reconstruído muitas vezes na história… esta é a narrativa do ser humano. Teremos que resgatar o ideal da sociedade boa e da boa sociedade; o nosso dever moral de contribuir e melhorar o que somos e como, com quem e onde vivemos.

No entanto, uma atitude romanticamente conservadora, na lógica dos ludistas na revolução industrial, com a destruição deste mundo tecnológico não serve; assim como a atitude contrária, o idealismo que olha para estas questões como a lógica da terra prometida. Principal desafio é como iremos resolver os problemas sem demonizar nem endeusar esta revolução tecnológica; como podemos desenhar um conjunto de reformas legislativas, económicas, regulatórias, educacionais e éticas que nos permitam sonhar um futuro melhor e mais respeitador da dignidade de cada e de todos os seres humanos. Não existe, infelizmente uma “magic pill”, mas os efeitos combinatórios de várias tecnologias da rede exigem também uma estratégia combinada de regulação, responsabilidade cívica, escolhas dos trabalhadores e dos consumidores, inovação competitiva e soluções educativas e mais, que tudo determinação de cada um e de todos.

Temos que mudar o foco; em vez da internet das coisas o foco deve ser na internet das pessoas; em vez de tecnologias inteligentes devemos pensar que as pessoas; essas sim têm que ser inteligentes – como inovadores, reguladores, educadores, consumidores e acima de tudo como cidadãos participativos no desenho de um mundo melhor e mais responsável.


Ana Sofia Carvalho, Diretora do Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa