Assumindo um discurso ideológico mais moderado do que lhe é característico, Pedro Nuno Santos, sempre conotado com a ala esquerda do PS, apresentou o partido como sendo "a plataforma política que melhor promove a concertação entre empresários e trabalhadores".
Uma das preocupações centrais de Pedro Nuno Santos continua a ser os "salários dignos", mas salienta que "não teremos salários dignos sem empresas fortes e rentáveis" ou ainda "não conseguiremos salários dignos desprezando as empresas e trabalhadores".
Na ordem de ideias do ex-ministro já não surgem apenas as gaspeadeiras, as costureiras de calçado de produção tão típica de São João da Madeira e tão frequentes no discurso de Pedro Nuno Santos. Surgem os empresários "que lutam para conseguir encomendas que garantam a sobrevivência das suas empresas".
Pedro Nuno apresentou-se como um misto de ambos os ambientes: é herdeiro de um assalariado e filho de patrão, ou melhor, "neto de sapateiro e filho de empresário". Cresceu "com as dificuldades das famílias trabalhadoras e com tantas desigualdades e injustiças", dando o exemplo das gaspeadeiras, "aquelas mulheres que trabalham horas e horas em frente a uma máquina de costura para poderem criar os seus filhos".
Mas o respeito pelos empresários surge logo de seguida: "também cresci com os desafios e as ansiedades permanentes dos empresários que lutam para conseguir encomendas que garantam a sobrevivência das suas empresas".
O ideário de luta de classes em São João da Madeira é diluído, segundo Pedro Nuno: "A produção na minha terra nunca se fez colocando umas pessoas contra as outras". É daí que surge a possibilidade de "diálogo, a negociação".
Foi dessa experiência que o ex-ministro tirou lições para a "Geringonça". Foi esta "cultura de diálogo, de negociação e de concertação" que o ajudou nos anos em que trabalhou "diariamente com os partidos que apoiavam o Governo" do PS.
Está assim feito o perfil para a campanha interna: um Pedro Nuno que se assume da ala esquerda do PS, mas a moderar o discurso. O candidato a líder do PS quer entrar num eleitorado mais abrangente, que não seja apenas o da esquerda, mas mais ao centro.
É por isso que recusa a "suposta divisão no PS entre uma ala centrista moderada e uma ala de esquerda radical", uma discussão que segundo Pedro Nuno "tem pouco sentido", "alimenta conflitos artificiais e apenas serve a quem combate o PS".
É também assumidamente esse o papel de Francisco Assis, ex-dirigente do PS, ex-candidato a líder do partido e conotado com a ala mais moderada dos socialistas. Esteve presente em lugar de destaque na sala da música do Largo do Rato, foi especialmente cumprimentado por Pedro Nuno Santos, que lhe atribui esse papel de fazedor de pontes entre as duas sensibilidades.
Pedro Nuno Santos e Francisco Assis têm, de resto, trocado elogios em entrevistas que dão, um assume que quer a liderança do partido, o outro diz que não lhe interessa ser secretário-geral e ao "pedronunismo" não faz qualquer impressão a hipótese de apoiar uma eventual candidatura a Belém por parte do presidente do Conselho Económico e Social (CES). Ou seja, o apoio de um ficará para memória futura de outro, quando chegar a hora.
Fica ainda uma delicadeza para o outro candidato a estas eleições diretas para a liderança do PS. José Luís Carneiro é lido pela candidatura de Pedro Nuno como "a pluralidade que sempre existiu neste partido".
"O que está em causa não é uma disputa entre a moderação e o radicalismo. O que está em causa é quem, num dado momento, está em melhores condições de unir o partido, é mais capaz de adequar os valores do PS", assume o ex-ministro das Infraestruturas.
O processo judicial que Pedro Nuno não quer na campanha
O contexto em que acontecem as eleições diretas do PS para a liderança do líder e as legislativas de março é assumido por Pedro Nuno Santos como "um momento particularmente difícil".
O ex-ministro das Infraestruturas que foi desautorizado pelo primeiro-ministro por causa de um despacho sobre o aeroporto de Lisboa assume "defeitos, erros e cicatrizes" que carrega e "fazem parte" da vida. Mas, para Pedro Nuno, "mais importante do que assumir os nossos erros é saber o que fazer com eles".
É com esse lastro de percalços em plenas funções que Pedro Nuno se assume como candidato a líder do PS. E sem renegar a herança de "um dos melhores políticos" que conheceu: António Costa, o gestor de crises como os incêndios de 2017 ou da pandemia. "Seria errado esquecer o legado deixado ao país por António Costa", assume o ex-ministro.
Pedro Nuno quer ser herdeiro de um primeiro-ministro demissionário que proporcionou "anos de crescimento da economia", com o ex-ministro a apropriar-se da expressão tripla e típica de Costa: "Emprego, emprego, emprego".
Mas se Pedro Nuno não renega Costa , também não dá para esquecer o processo judicial em que o primeiro-ministro se vê envolvido. "Nâo vou negar que isto abala o prestigio do país", diz o ex-ministro.
Já prevendo que as oposições não farão o PS esquecer esse fantasma, Pedro Nuno Santos define o combate à corrupção como "uma tarefa indeclinável do Estado", mas avisa que o partido "não vai passar os próximos quatro meses a discutir um processo judicial".
É sacudir o problema judicial que arrumou com a maioria absoluta para se concentrar nas três preocupações que diz serem centrais: salários, habitação e valorização territorial. Quanto a temas tóxicos como a privatização da TAP nem uma palavra
O fantasma da "direita radical"
Da única vez que Pedro Nuno falou das oposições na intervenção de apresentação de candidatura foi para acenar com o fantasma de uma aliança entre o PSD e o Chega.
O ex-ministro não fala de Montenegro, nem de Ventura, nem sequer nomeia as siglas dos partidos que estes lideram. Ao seu estilo, Pedro Nuno Santos refere que é "muito importante lembrar que a direita não cumpre", que "fala muito de contas públicas mas acabou com uma divida de 131%", no consulado de Passos Coelho.
A mesma fórmula usada por António Costa nas eleições legislativas a que se sujeitou, Pedro Nuno Santos volta a acusar o PSD: "Cortou pensões quando disse que não o faria" ou "aumentou impostos quando prometeu que não o faria".
E o mesmo acontecerá agora, assume Pedro Nuno Santos. Luís Montenegro "diz que não vai fazer acordos com a direita racista quando é isso que se prepara para fazer".
O mote da campanha interna está dado. Pedro Nuno Santos só ignorou olimpicamente esse tema tão tóxico para o PS que é a TAP e a privatização da empresa, que estiveram na sua tutela direta, e não revelou o que vai fazer com as reivindicações dos médicos ou dos professores.