Lei da imigração no futebol. Secretário de Estado diz que clubes estão a "fazer uma tempestade num copo de água"
19-07-2024 - 11:20
 • Luís Aresta

Pedro Dias diz que o problema nem sequer se coloca no caso de atletas provenientes dos PALOP. Em entrevista à Renascença, o secretário de Estado do Desporto reconhece que Portugal não atingiu o objetivo a que se propôs no Euro 2024, e admite travão à mobilidade das SAD e intervenção para maior celeridade da justiça desportiva.

Os clubes estão a "fazer uma tempestade num copo de água" em relação à nova lei da imigração no futebol que obriga os jogadores a terem um contrato de trabalho para serem inscritos, afirma o secretário de Estado do Desporto, em entrevista à Renascença.

Pedro Dias garante que o problema da inscrição de jogadores não é tão grave como se tem propalado e que, no caso de atletas provenientes de países de língua portuguesa, o problema nem sequer se coloca.

Este é apenas um dos temas debatidos nesta entrevista do secretário de Estado a Bola Branca, em que também reconhece que Portugal ficou aquém das expectativas no Euro 2024 e traça meta para os Jogos Olímpicos de Paris 2024.

A mobilidade das SAD, a celeridade da justiça desportiva e o orçamento do desporto para 2025 são mais outros dos temas abordados nesta entrevista com Pedro Dias.

Secretário de Estado, Pedro Dias, obrigado por ter aceitado este convite da Renascença para esta entrevista. Há 100 dias, assumiu, entre outros compromissos, o de construir um plano para o desporto e de rever legislação estruturante neste setor. Quer dizer em que ponto está a execução destas duas tarefas?

Obrigado pelo convite. Sim, esse é um dos compromissos, mas acho que era importante, antes de me referir ao plano, focar-nos naquilo que são os quatro objetivos principais que o Governo incluiu no programa de Governo na área do desporto para a legislatura.

Estamos a falar do aumento da prática desportiva da população portuguesa. Analisando aquilo que são os indicadores temos uma métrica que é atualizada com regularidade, que é o Eurobarómetro, e que nos permite aferir como é que está a população portuguesa em termos de prática desportiva. Nós temos indicadores muito baixos de prática desportiva. Esse é um dos objetivos para a legislatura.

Diminuir [a diferença entre] o número de participantes masculinos e femininos. A diferença que existe é significativa. Tentar, desta forma, aumentar a oferta de prática desportiva feminina e aproximá-la da prática masculina.

É o tema dos indicadores em termos de financiamento. Temos os dados do Eurobarómetro que permitem aos países da União Europeia comparar aquilo que são os investimentos feitos na área do desporto de cada um dos países. Um dos compromissos foi de aproximar, em termos de financiamento, o desporto em Portugal daquilo que é a média da União Europeia. As métricas são normalmente avaliadas e comparadas com o Produto Interno Bruto.

E um último que está relacionado com indicadores que nós analisamos com alguma preocupação que nos evidenciam os mais recentes estudos da Organização Mundial de Saúde, através de um relatório que está publicado pelo nosso Ministério da Saúde e que evidencia que uma em cada três crianças em Portugal tem excesso de peso ou obesidade.

São estes os quatro objetivos estratégicos que nós temos e para conseguirmos cumprir esses objetivos vamos apresentar um plano até ao final do ano. É um plano que visa essencialmente integrar todas as áreas do Governo, todos os "stakeholders" e alinharmos por estes quatro objetivos.

Esse plano está em marcha?

Já está em marcha, já criamos um grupo restrito, que está criado. Tivemos já uma reunião interministerial com todos os Ministérios do Governo onde foram apresentados a metodologia e o fluxograma deste plano. Vamos reunir muito brevemente também o Conselho Nacional de Desporto e iniciar um conjunto de trabalhos, que já estão efetuados, em termos de análise de "benchmarketing" de caracterização da situação desportiva. O trabalho preparatório que é necessário fazer para depois iniciarmos aquilo que são as questões mais específicas com os "stakeholders".

Isto mexe também com a questão da legislação estruturante de que estava a falar?

Sim. É um momento de reflexão, participação e naturalmente que os "stakeholders", os principais agentes desportivos, vão ser convocados para participar, para dar o seu contributo. E naturalmente que, além dos contributos que já tínhamos integrados na pasta de transição que foi deixada pelo anterior governo, havia um conjunto de compromissos que já tinham sido assumidos em termos de legislação, da fazer a revisão da legislação estruturante, porque tínhamos este compromisso para cumprir de apresentar um plano a longo termo, três ciclos olímpicos.

Em linguagem desportiva, custou-lhe muito “levantar os pesos” deixados pelo último Governo?

Não, eu acho que ainda não tivemos tempo para levantar pesos. Esse tempo ainda virá. Nesta fase estamos todos a preparar. É importante esta caracterização, é importante nós termos um conjunto de informação fiável que nos permita analisar e caracterizar a situação, que nos ajude a apontar caminhos e a traçarmos um caminho que seja diferente.

E isso aplica-se também a questão do mecenato desportivo? Que medidas concretas e que tenciona aplicar nesta área?

O mecenato existe. A lei enquadra o mecenato desportivo, cultural e aquilo que essencialmente os agentes desportivos nos referem é que, apesar de nós termos anualmente emitido algumas dezenas de declarações para que sejam utilizadas por coletividades para beneficiar dos benefícios que estão previstos na lei, essas dezenas de coletividades, comparadas com os milhares de clubes que nós temos no nosso país, naturalmente que são uma percentagem baixa. Aquilo que nos é referido pelos agentes desportivos é que gostariam de ter uma legislação mais atrativa e que fosse um pouco mais robusta para a captação de parceiros comerciais privados que ajudem, naturalmente, a aumentar a capacidade de receita.

Isso passa por mais benefícios fiscais, por exemplo?

Poderá não ser só benefícios fiscais, mas passa por um conjunto de medidas que permitam atrair mais investimento privado para a esfera do desporto.

Mas são medidas com impacto orçamental ou não?

Há sempre impacto. Estas medidas têm sempre impacto. Naturalmente que, quando estamos a falar de medidas que estão já em vigor, ou seja, legislação que está em vigor, ela precisa de ser analisada e alterada e ao alterarmos legislação - que essencialmente visa proporcionar a quem investe em determinadas áreas, seja na cultura do desporto, ter algum benefício - naturalmente que tem impacto orçamental.

Já vamos à questão dos números do orçamento. Queria fazer-lhe uma pergunta mais genérica. Na campanha eleitoral, o desporto passou um bocadinho ao lado. Não me lembro de ouvir falar muito de desporto e mesmo os programas dos partidos não eram muito substantivos. Não é uma prioridade da classe política?

O que eu posso falar é do atual governo. O primeiro-ministro na primeira intervenção na Assembleia da República teve referências ao desporto. O primeiro-ministro, 15 dias depois de tomar posse, esteve num evento em Espinho com atletas e teve uma intervenção de aproximadamente 30 minutos a falar de desporto. Não era normal termos esse nível de intervenção ao nível do primeiro-ministro. São sinais. O ministro dos Assuntos Parlamentares, que é o ministro que tutela o desporto, também o tem feito assiduamente, não só em termos de presenças. Há pouco tempo tivemos uma reunião interministerial para tratar do tema do plano, que foi liderada pelo ministro dos Assuntos Parlamentares.

Penso que, neste momento, os sinais que estão a ser dados à família do desporto é que há aqui um compromisso político forte e que nós temos que robustecer aquilo que algumas pessoas referem, de uma forma assídua, que tem a ver com aquilo que é o reconhecimento social que o desporto, no nosso ponto de vista, merece e, em alguns aspetos, algumas pessoas acham que a sociedade não tem dado o merecido reconhecimento ao desporto.

É esse caminho que deve ser feito. Se achamos que não estamos a ter esse reconhecimento penso que é do lado do desporto nós temos que melhorar aquilo que estamos a fazer para merecer um reconhecimento social mais positivo.

O orçamento para o desporto este ano de 2024, se não estou em erro, rondava os 50 milhões de euros. A execução orçamental está dentro do previsto?

O Estado são não só o Instituto Português do Desporto e da Juventude, a secretaria de Estado do Desporto, o Ministério dos Assuntos Parlamentares; são também, por exemplo, todas as autarquias que são os representantes da política descentralizada do Estado nos territórios - e eles também fazem um investimento significativo no desporto. Aquilo que me refere é o valor que está inscrito no Orçamento do Estado relativamente ao Instituto Português de Desportos e da Juventude, que é um valor dessa dimensão, mas o investimento que é feito no desporto é superior a isso.

Ao nível das autarquias não é possível perceber como é que está a ser a execução.

Sim, é possível, porque anualmente é publicado um relatório pelas autarquias, pela Associação Nacional de Municípios, que está consolidado. Inclusive os dados que referenciei relativamente ao investimento no desporto - que são publicados pelo Eurobarómetro - referem e comparam aquilo que é o investimento nos serviços de desporto dos diversos países, comparado com o Produto Interno Bruto. Há valores que estão perfeitamente identificados.

Contudo, há aqui um aspeto que é um dos compromissos também do atual governo, que é importante manter ou reativar, que é a "conta satélite desporto", que é um espaço que nos permite aferir com maior exatidão aquilo que é o impacto económico que o desporto tem na nossa sociedade. Tivemos a última atualização - penso que terá sido em 2014 - com os dados de 2011/12. Desde essa altura, já há cerca de uma década que não temos essa informação atualizada. E é necessária a todos os níveis para podermos tomar decisões mais sustentadas.

Já há números para 2025?

Neste momento, como é público, todos os Ministérios estão a preparar-se para as reuniões de orçamento com o Ministério das Finanças.

Mas já tem um número na sua cabeça? Vamos ter um aumento relativamente a 2024?

Neste momento, não tenho números, porque não chegámos ainda à fase de negociação, mas naturalmente que todos temos expectativa. Acho que os 17 ministros que se sentam no Conselho de Ministros todos têm expectativa de aumentar o seu orçamento e olham todos para o senhor ministro das Finanças com uma grande expectativa e naturalmente que o ministro dos Assuntos Parlamentares também terá essa expectativa.

Falando de desporto escolar, o que deve melhorar? Não deve a escola, por exemplo, valorizar o desempenho desportivo daqueles milhares de atletas que, não tendo o estatuto de alta competição, se entregam ao desporto e tantas vezes têm dificuldade em compatibilizar a prática desportiva com os horários escolares? Como é que isso pode ser articulado de uma outra forma que valorize esse desempenho exterior à escola?

É um excelente tema. O desporto na escola e ensino superior - vamos considerar o desporto na escola ambos - é um espaço de excelência para contribuir para aquilo que é um dos principais objetivos - que já referi - que é o aumento do número de praticantes desportivos no nosso país.

Por vezes, não nos focamos naquilo que é essencial. A escola tem todas as condições para poder ser um elemento a contribuir decisivamente para a iniciação à prática desportiva pelo ambiente de excelência que tem, pelos recursos técnicos qualificados que tem, os professores, pelas instalações desportivas que dispõe. Há aqui um contexto de excelência e que nós devemos privilegiar. De uma forma articulada, mera coincidência, hoje [quinta-feira] mesmo de manhã, às 8h30, tivemos uma reunião com o Ministério da Educação, com a participação do diretor-geral da educação, dos responsáveis do desporto na escola. Articulamos aquilo que são os princípios objetivos que devem estar subjacentes à atividade e à oferta de prática desportiva na escola, tendo em atenção aquilo que são estes objetivos principais do Governo. A escola pode, do nosso ponto de vista, dar aqui um contributo muito relevante, aumentando a oferta de prática desportiva para crianças que neste momento não são ativas e que não têm espaço em contexto de clube para poder praticar desporto como prioridade.

Os que já estão enquadrados, os que já estão em clubes, está há sensivelmente sete anos a decorrer um programa, que é um programa extraordinário denominado “as unidades de apoio ao alto rendimento na escola”, que tem neste momento mais de 1300 alunos. São alunos que se destacam em termos daquilo que é a sua performance desportiva nas várias modalidades - penso que são mais de 35 modalidades - que ao longo do ano letivo têm um conjunto de apoios que lhes permitem fazer essa compatibilização de uma carreira dual, numa carreira dupla, em termos daquilo que é a atividade académica e a atividade desportiva.

Este programa é um programa de referência. Tem sido evidenciado como exemplo de boas práticas em termos internacionais e que, em boa hora, foi alargado em termos de um programa piloto ao ensino superior, que terá início este ano letivo 2024/25, onde vamos ter seis instituições de ensino superior - as universidades do Minho, do Porto, de Coimbra, Aveiro, Politécnico de Santarém e o Politécnico de Leiria - que firmaram um convénio com o governo no sentido de implementar a extensão do programa das UAR, que está a decorrer ao ensino superior, o que será mais um apoio relevante para os atletas de alto rendimento poderem compatibilizar a carreira desportiva com a académica.

Vamos àquilo que tem sido um dos temas das últimas semanas. A questão da lei de imigração e do impacto que teve na inscrição de atletas em várias modalidades, nomeadamente o futebol. Já disse publicamente que os clubes sabem o que têm a fazer para que não haja constrangimentos à chegada de atletas estrangeiros. Eu gostava que detalhasse um pouco mais esta sua esta sua declaração.

A alteração legislativa que enquadra este tema é relativamente recente, do mês de junho, e aquilo que fez foi terminar aquilo que era uma possibilidade que estava prevista na lei, que era a manifestação de interesse. Ou seja, esta situação estava prevista, nomeadamente, para cidadãos que entravam no nosso país oriundos de países que não requeriam visto para estadas de curta duração. Ou seja, as pessoas vinham com visto de curta duração ou para turismo ou para visitar familiares e, se decidissem, depois de cá estar, permanecer no território nacional e arranjar uma atividade profissional, o mecanismo da manifestação de interesses que existia permitia-lhes fazer o registo e depois desencadear o processo. É importante referir que éramos o único país na Europa que tinha esta possibilidade [de manifestação de interesse]. E, como sabem, é público, houve necessidade, para regular este tema de imigração na Europa, de terminar a manifestação de interesses, porque Portugal estava a ser uma porta que estava a ser utilizada.

Então, a decisão para regular esta situação foi terminar com essa possibilidade. O que é que altera? As pessoas que vinham desses países em que vinham com a isenção de visto necessitam de trazer um visto de procura de trabalho se pretendem vir trabalhar. Não significa que elas tenham, necessariamente, de vir logo com visto de trabalho, porque, se eventualmente vêm à procura de trabalho ou vêm fazer teste ou vêm fazer exames médicos, para depois, no desporto, poderem firmar um contrato, aquilo que vai acontecer é que nesses países que não estão isentos de visto precisam de vir com visto de procura de trabalho.

E é esse visto de procura de trabalho que está a impactar, nomeadamente, o futebol e as inscrições de jogadores.

Em todas as modalidades. Aquilo que foi transmitido a todas as federações das modalidades coletivas, aquelas que nos sinalizaram dificuldades, numa reunião com o governo, com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, Presidência do Conselho de Ministros e o Ministério dos Assuntos Parlamentares, com a secretaria de Estado do Desporto, é o que está a ser feito, o procedimento que deve ser adotado, os cuidados que devem ter a partir deste momento. Havia algumas situações decorrentes de pessoas que chegaram antes da entrada em vigor desta nova lei e que o Governo está a solucionar.

Mas esclareça-me: há aqui algum mecanismo especial que se aplica às federações desportivas e também aos clubes profissionais de futebol?

Os mecanismos que estão previstos na lei são os que são acionados. A maioria dos países dos estrangeiros que temos a praticar desporto em regime profissional, se excluirmos os países de língua portuguesa - Brasil, Angola, ou seja, que são um número muito significativo de praticantes - estamos a reduzir um número que não é demasiadamente elevado de pessoas que poderão vir nessas condições.

O timing, como sabemos que é um tema muito específico do desporto. Aquilo que o Governo tem feito, e já o comunicou às federações, é que se houver situações excecionais, esses temas serão sinalizados pelas federações desportivas ao governo e nós iremos ter isso em consideração, atendendo à especificidade do desporto.

Desculpe a insistência. Ouvimos na Renascença um presidente de um clube profissional de futebol dizer que tem vários atletas no Brasil à espera de visto para conseguir entrar para Portugal para ficarem ao serviço desse clube. O prazo de inscrições de atletas começou no dia 1 de julho, termina no final do mês de agosto. Os dirigentes do Estrela Amadora e de outros clubes profissionais em Portugal receiam que, ainda que as inscrições da entrada na liga no prazo limite até 31 de agosto, que não há, pois não há visto e estes atletas, na melhor das hipóteses, só poderão começar a jogar futebol em janeiro, e, entretanto, estão a pagar salários e estes atletas contratados.

Isso não funciona dessa forma. Estamos a falar de atletas oriundos dos países de língua portuguesa. Estamos a criar, do meu ponto de vista, um problema onde ele não existe. Não houve nenhuma alteração relativamente ao passado. A única alteração que existe é que terminou a manifestação de interesses.

Este caso concreto de jogadores brasileiros: eles, quando chegarem a Portugal, têm um regime alargado, por virem de países de língua portuguesa. Existe um regime que já existia no passado, através de um contrato de um acordo que existia entre a Federação de Futebol, com Serviços Estrangeiros e Fronteiras, que permitia a esses casos solicitar autorização de residência sem necessidade de concessão de visto consular prévio para a entrada.

É isso que também está a ser tratado, porque isso está previsto na lei e é isso que está a ser preparado. Às vezes, ao generalizarmos estes temas, caímos neste tipo de situações.

Mas eu aqui até estava a particularizar.

Esse tema não existe os brasileiros. A questão reside só e apenas naqueles que necessitam de visto para entrada no nosso país. Se o fizerem com visto de turista - e essa informação já foi transmitida às federações - o visto que eles têm de trazer é o visto de procura de trabalho ou o visto de trabalho, no caso, eventualmente, de já terem todas as situações regularizadas entre clubes. Por isso, eu acho que estamos a fazer aqui uma tempestade num copo de água. Não há necessidade nenhuma, no meu ponto de vista, de estarmos a criar um alarme social. Não há necessidade.

Como secretário de Estado do Desporto tinha noção do impacto que esta situação concreta iria ter? Alertou os seus colegas de governo para a possibilidade de criar aqui um problema nesta área?

Eu acho que já percebeu que a única questão que está aqui em causa é a manifestação de interesse e a manifestação de interesse, o governo tinha decidido que tinha de terminá-la. Este é um não assunto. O impacto que tem, neste momento, é encontrar soluções para, nestes casos particulares e específicos que tem o desporto - com janelas de inscrição - é ajudar os clubes a resolver os problemas.

Ainda no plano do futebol, assistimos frequentemente a alusões de que este ou aquele clube contorna a forma de comprovar os pagamentos à Segurança Social, à Administração Tributária. Há algum tipo de incremento legal que se possa fazer nesta área para contornar esta situação ou acha que estamos bem como estamos?

Acho que isso não podem fazer. Os regulamentos não permitem. São documentos oficiais. Ou têm a situação em dia ou não têm a situação em dia. Por isso é uma não questão.

E a mobilidade das sociedades anónimas desportivas? Por exemplo, tivemos uma SAD que estava em Vila Franca de Xira que, hoje em dia, está na Vila das Aves. Podemos imaginar um dia uma SAD do Vitória de Setúbal a norte do país. Há alguma necessidade de regular este tipo de matérias? Ou acha que é o mercado simplesmente a funcionar?

O mercado está a funcionar com muita criatividade, não é? Percebemos isso. Necessita de uma reflexão? Parece-me que sim. Penso que este tema das sociedades anónimas desportivas foi criado no momento em que foram criadas as competições profissionais e tinha esse objetivo. Quando extravasamos esse objetivo há necessidade de analisar os impactos e perceber se era esse o caminho - e não me parece -que queríamos para a criação das sociedades anónimas desportivas.

E, portanto, há aqui uma matéria que poderá eventualmente requerer intervenção do ponto de vista legislativo.

Sem dúvida, sem dúvida.

Vêm os Jogos Olímpicos. Há um contrato programa assinado entre o IPDJ, o Comité Olímpico em articulação com as federações que aponta, pelo menos, para quatro posições de pódio e 15 diplomas. Que expectativas tem para os Jogos de Paris?

Quando nós queremos ser o primeiro, segundo ou terceiro melhor do mundo em qualquer área ou qualquer setor da nossa sociedade, acho que estamos a colocar a fasquia bem cá em cima. Eu diria que não temos muitos setores na nossa atividade em que Portugal esteja nesse patamar. Mas no desporto, estamos sempre a colocar a fasquia nesse patamar, muitas vezes.

Eu diria que aquilo que os nossos atletas estão num final de ciclo de quatro anos de preparação para os Jogos Olímpicos, em que o foco deles foi, em primeiro lugar, qualificar-se para participar naquilo que é, cada vez mais, uma prova de excelência muito seletiva.

Dos cerca de 166 atletas que iniciaram o ciclo olímpico, 73 chegaram aos Jogos: 37 mulheres, 36 homens. Pela primeira vez vamos ter mais mulheres na delegação portuguesa do que homens. Desses, existindo quatro patamares em termos do programa de preparação olímpica, no mais alto patamar - em termos de expectativas, pelos resultados desportivos recentes, em Campeonatos do Mundo ou Campeonatos da Europa - temos 11 atletas. As expectativas é que esse lote de 11 atletas - e estamos a falar de medalhas que conquistaram em Europeus ou Mundiais - seja os que estão no primeiro nível competitivo. Estamos a falar do Fernando Pimenta, estamos a falar do Pedro Pablo Pichardo, estamos a falar do João Ribeiro, do Messias Baptista, do Iúri Leitão, da Maria Martins, da Bárbara Timo, do Jorge Fonseca, da Angélica André, do Diogo Ribeiro, do Gustavo Ribeiro. Estes são os atletas que, recentemente, dentro deste ciclo de quatro anos, conseguiram resultados de excelência.

Agora, se em Jogos Olímpicos isso vai acontecer, acho que neste momento eles precisam é de tranquilidade para se prepararem e focarem naquilo que é o essencial, que é estarem bem no momento em que chegam a competição.

Por falar em performance, a seleção portuguesa desiludiu no Campeonato da Europa de futebol.

Eu acho que a seleção portuguesa tinha um objetivo que foi assumido pelo presidente da Federação, que era a meia-final. Foi eliminado nos quartos de final, por isso, objetivamente, não cumpriu aquilo que era o objetivo para a participação neste Campeonato da Europa. Se quer a minha opinião, perdemos nos pontapés da marca de grande penalidade naquele que foi o jogo em que, na minha opinião, fizemos a melhor exibição. Mas isto no desporto é assim. Umas vezes a bola bate no poste e sai, outras vezes bate no poste e entra. Faz parte.

As relações entre o governo e a Federação Portuguesa de Futebol, nomeadamente a Federação de Futebol, estão sólidas?

Com todas as federações e há sempre, naturalmente, da parte do Governo, quer com as federações, quer com o Comité Olímpico, Comité Paralímpico e a Confederação, um interesse mútuo de que haja aqui uma parceria robusta, porque nós partilhamos os mesmos objetivos, não é? E só desta forma é que conseguiremos coisas interessantes, positivas para o desporto nacional.

Sabendo que esta é uma matéria das associações e havendo eleições a curto prazo na Federação Portuguesa de Futebol, tem um perfil que gostasse de ver à frente da FPF?

Em todas as federações, o perfil é um perfil de excelência. Nas nossas federações, se nós tivermos líderes de excelência, se tivermos equipas de excelência, se tivermos estruturas de excelência, estaremos sempre mais próximo de poder ter sucesso, porque essas equipas o que vão querer é ter processos consolidados de excelência, estruturas organizadas, apostas robustas naquilo que é o desporto.

Nós sabemos que não existem mágicas, mas existem apostas que devem ser feitas, essencialmente naquilo que são a base do nosso associativismo, que são os clubes, ajudar os clubes a terem uma bolsa de qualidade oferta de prática desportiva qualificada para nos ajudar, depois, no topo da pirâmide atletas e treinadores, dirigentes, árbitros mais preparados para assumir os desafios.

O desporto é bastante desafiante e os últimos anos têm demonstrado isso mesmo. Muito seletivo, muito exigente, muito competitivo.

O senhor secretário de Estado integrava a direção da Federação quando foi feito o célebre contrato com Fernando Santos e a forma em que foi feito. Causou-lhe algum tipo de constrangimento na altura a forma como Fernando Santos estabeleceu a relação contratual com a Federação Portuguesa de Futebol?

Não, esse assunto já foi plenamente esclarecido pela Federação Portuguesa de Futebol. Não há necessidade nenhuma de estarmos a voltar a um tema como este.

Voltando ao ponto de partida desta entrevista, os seus compromissos para o desporto, definiu também como prioridades a integridade das competições e o combate à violência. O que é que já está a ser feito neste contexto?

Portugal tem sido dos países mais ativos nestas duas áreas. Foi estabelecida uma Convenção Internacional na Europa, a Convenção de Macolin, relativamente à integridade das competições e no combate a essa integridade. No sentido de Portugal ter sido dos países signatários dessa convenção e de, por essa via, estar obrigado a implementar um conjunto de medidas. Uma delas foi criar de imediato uma plataforma de denúncia para este tipo de situações.

No que diz respeito à violência no desporto, somos dos poucos países que tomaram a iniciativa de criar uma Autoridade para a Prevenção Contra a Violência no Desporto, que tem cumprido um papel muito importante. Mas eu acho que, neste momento, o que é importante destacar é que isto é um tema que não é um exclusivo de um determinado país - é um tema que, infelizmente, é recorrente em muitos países do mundo e que carece, naturalmente, de um conjunto de medidas mais até de foro preventivo, educativo, e é nessas que nós estamos focados. No sentido de incentivar as federações desportivas, os clubes desportivos, através de medidas específicas de formação aos jovens, nomeadamente a todos os parceiros que estão envolvidos e no sentido de sensibilizar para os perigos que essas áreas têm.

Integridade das competições: essa passa também pela justiça desportiva e pela coerência e celeridade das decisões. Pergunto-lhe se o Tribunal Arbitral do Desporto é para manter e que reformas pretende introduzir nesta área da justiça desportiva.

O Tribunal Arbitral teve, há relativamente pouco tempo, um momento de reflexão, um Congresso, onde foram debatidos de uma forma exaustiva os temas relacionados com este período de implementação do Tribunal. Recebemos um relatório com um conjunto de oportunidades de melhoria que estão a ser analisadas e o objetivo é o de nós termos um Tribunal que possa dar resposta, cada vez uma melhor resposta, mais eficiente às necessidades do desporto.

Portanto, é uma área em que o Governo vai intervir.

Há espaço para melhorar, precisamos de melhorar.

Mas na hierarquia do funcionamento da justiça desportiva?

Sim. Nessa parte, naturalmente que são os especialistas desta área que vão fazer a proposta. Aquilo que, essencialmente, nós temos registado e temos ouvido com alguma intensidade tem a ver com os tempos relativamente aos processos de decisão. Nós sabemos que, na justiça, há um conjunto de regras que têm que ser cumpridas: elas estão determinadas, estão definidas e, havendo espaço - e eu penso que há, daquilo que já li, da informação que nos chegou - é que há aqui um conjunto de sugestões que visam essencialmente isso, melhorar este aspeto, que é um aspeto que acho que é importante e relevante. Acho que, havendo esse espaço, vamos fazê-lo.

Antes de terminarmos, deixe-me voltar de novo ao futebol. Tem falado diretamente com os dirigentes dos principais clubes. Mostraram-se interessados em falar consigo nestes meses que leva de governação? Tem havido contato direto?

Tive alguns. Mas os presidentes são de clubes multidesportivos que têm muitas modalidades, todos eles. Num congresso em Braga, organizado pelo Sporting de Braga, estive em contato com alguns deles, que é habitual quando os clubes conquistam títulos, mas não houve nenhuma interação particular neste período.

Nem nenhuma preocupação que lhe fosse manifestada, em particular por parte dos presidentes dos principais clubes?

Os principais clubes - eu diria que todos os clubes - neste momento, estão muito focados em conseguir arranjar as melhores condições, melhores meios, para poderem desenvolver a sua atividade. E acho que eles não têm nenhum interesse particular em estar a falar com o secretário de Estado do Desporto, só mesmo quando necessitam. Penso que é bom sinal quando isso acontece, significa que está tudo a correr bem.

Quando o Governo mudou, por coincidência, mudou também a presidência do FC Porto. Saiu Pinto da Costa, depois de um longuíssimo consulado, muitas vezes marcado pelo discurso de tensão norte/sul. Com André Villas-Boas como presidente do FC Porto, há razões para acreditar num aliviar desta tensão?

Eu não senti tensão nenhuma, muito honestamente. Todos nós temos o nosso estilo. Eu tenho o meu estilo, o presidente do FC Porto tem o seu estilo. Acho que no desporto o importante é ver a bola a rolar. Tudo o resto faz parte, é o sal e pimenta, e nós gostamos muito porque senão era muito monótono. Mas acima de tudo, o importante é competir, jogar, ter essas oportunidades. Tudo o resto faz parte da vida dos clubes. Os atos eleitorais, todas essas questões, são importantes, mas depois delas estarem concluídas, que é o caso, penso que, desde esse momento até agora, aquilo que nós temos sentido é que os clubes, neste caso em particular, precisam é de tranquilidade para resolverem os seus problemas. Que é isso que está a acontecer.

E o que espera dos dirigentes desportivos para esta época 2024/25?

Que sejam todos muito felizes e que consigam cumprir todos os seus objetivos. No desporto, nós esperamos sempre comportamentos positivos. Isso é algo que que é intrínseco à prática desportiva, é uma escola de valores e é isso que nós esperamos, porque, no desporto, as coisas, naturalmente, acontecem dentro dos recintos desportivos e é aí que as grandes mensagens devem ser passadas.

E aquilo que esperamos é que tenhamos grandes espetáculos, que consigamos, através das competições, das nossas seleções, nas várias modalidades, dos grandes eventos desportivos que são os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, conseguir passar mensagens positivas que atraiam cada vez mais crianças para a prática desportiva, que nós sabemos que é disso que precisamos muito: conseguir ter as crianças ativas para podermos ter uma nação mais ativa e ter pessoas mais felizes.