Os preços de tudo e o valor de nada
22-04-2020 - 06:38

Um ex-governador do Banco de Inglaterra apela a travar a evolução da economia de mercado para uma sociedade de mercado. E espera que a pandemia leve a que valores de dinamismo económico e eficiência sejam acompanhados de solidariedade, justiça, responsabilidade e compaixão.

Mark Carney foi governador do Banco de Inglaterra entre 2013 e 2020; nos cinco anos anteriores tinha sido governador do Banco do Canadá. Convidado pelo semanário “The Economist” a escrever um artigo sobre como será o mundo depois da pandemia, M. Carney intitulou esse texto “Colocar os valores acima das avaliações”.

Quer este profissional da banca dizer que é preciso travar a tendência de insensivelmente passarmos de uma economia de mercado para uma sociedade de mercado. E cita o filósofo americano liberal, mas não individualista, Michael Sandel, que se tem empenhado em combater a redução de tudo a cálculos do mercado. Recordo que, ainda no século passado, o político socialista francês Michel Rocard, já falecido, criticava a sociedade de mercado. E há mais de cem anos Óscar Wilde escreveu que um cínico é um homem que conhece os preços de tudo e o valor de nada.

M. Carney prevê que, uma vez ultrapassada a crise pandémica, as empresas serão julgadas pela maneira como trataram os seus empregados, fornecedores e clientes. E manifesta a esperança de que a crise ajude a que os valores públicos se sobreponham aos valores privados, individuais. A crise, diz ele, poderá ensinar-nos a agir como uma comunidade interdependente, não como indivíduos isolados e independentes, de maneira a que valores de dinamismo económico e eficiência sejam acompanhados de solidariedade, justiça, responsabilidade e compaixão. Oxalá.

A importância do mercado para o bom funcionamento da economia é inegável, desde que se mantenha na esfera económica e não alastre para áreas que lhe são alheias. É significativo que os limites do mercado e do individualismo sejam tão claramente apontados por um ex-banqueiro central.

Há décadas que a doutrina social da Igreja insiste nesse ponto essencial. S. João Paulo II, Bento XVI e o Papa Francisco falaram inúmeras vezes nisto, evidenciando que as coisas mais importantes da vida não têm preço, ou seja, não são avaliáveis por critérios de mercado, de racionalidade instrumental. Mas nem sempre foram escutados por alguns católicos, que às vezes parecem preferir o cinismo de que falava Óscar Wilde.