Um jornal recebe um convite para uma importante conferência de imprensa de responsáveis políticos de um partido. É ao fim da tarde. Destina ao evento espaço numa página, despacha para o local jornalista e repórter fotográfico e ‘segura’ a hora da impressão o mais possível para ter o conteúdo ainda a tempo. Os políticos tomam a palavra, dizem o que querem dizer e, no fim, revelam que não há espaço para perguntas, pedindo aos jornalistas que deixem a sala.
O que faz o jornal? Se tomarmos por bitola uma prática estabilizada ao longo dos últimos anos a resposta é simples: nada, nada mesmo. Declarações recolhidas e texto a caminho da página, que anunciantes e ‘fontes amigas’ não podem nem devem ser hostilizados. Os leitores vão ler qualquer coisa que os senhores disseram e fica assim mesmo.
Acontece que, na semana passada, um jornal regional português, o 'Jornal de Barcelos', resolveu não aceitar a falta de respeito. Foi ao local marcado para uma conferência de imprensa, soube que não tinha direito a fazer perguntas e resolveu dar conta disso mesmo aos seus leitores de uma forma muito original – deixou praticamente em branco a página onde deveria ter aparecido o artigo sobre o evento, publicando apenas uma pequena nota da Direcção onde se dizia: “ Porque o jornalismo se faz da confrontação de factos e realidades e do exercício do contraditório; porque os jornalistas não são meros receptáculos ou caixas de ressonância, o JB entende que se justifica plenamente não referir o teor dos discursos de José Manuel Mesquita e de Miguel Costa Gomes, estando ciente de que os seus leitores poderão estranhar esta atitude inédita, mas não deixarão de a respeitar”.
Esta tomada de posição, de um jornal regional (volto a salientar este facto porque me parece de enorme relevância), corporiza uma das decisões aprovadas no 4º Congresso de Jornalistas, realizado há cerca de um mês em Lisboa.
Numa altura em que tanto se fala da forma insultuosa como alguns líderes políticos estrangeiros tratam os jornalistas (e, por arrastamento, desconsideram a liberdade de imprensa) talvez seja importante não cair na tentação de pensar que, por um lado, se trata de situações episódicas, e por outro, é algo que só acontece fora de portas.
Este ‘já chega’ do 'Jornal de Barcelos' é um sinal positivo mas o caminho para a recuperação da credibilidade da profissão ainda é longo e tortuoso. Quem pudesse pensar o contrário teria, certamente, ficado surpreendido com o comportamento dos jornalistas das grandes empresas nacionais que, na sexta-feira passada, perante a recusa de José Sócrates em aceitar, numa conferência de imprensa, perguntas do representante de um jornal, continuaram com a sua vidinha como se nada tivesse acontecido.