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Entrevista Renascença

Luís Tinoco: “As pessoas estão mais entretidas com programas de talentos", mas a música implica sacrifício

12 dez, 2024 - 17:39 • Maria João Costa

O vencedor do Prémio Pessoa lamenta: “No nosso país não se dá valor à música de tradição escrita”. O compositor Luís Tinoco considera que com o prémio está “a contribuir para recolocar a música no mapa do Prémio Pessoa”, o que não acontecia há 24 anos.

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ENTREVISTA LUIS TINOCO
Ouça aqui a entrevista ao compositor Luís Tinoco. Foto: Tiago Petinga/Lusa

A vida de Luís Tinoco não parou, mesmo com a notícia da atribuição do Prémio Pessoa, conhecida esta quinta-feira. Atende o telefone a conduzir. O compositor está a caminho da Escola Superior de Música para dar aulas.

O seu nome juntou-se hoje à constelação de estrelas do Prémio Pessoa, atribuído anualmente a portugueses que tenham um papel significativo na vida cultural e científica do país. Depois de Maria João Pires e Emanuel Nunes, e 24 anos depois, o Prémio Pessoa regressou à área da música.

Em entrevista à Renascença, Tinoco mostra-se agradecido pelo prémio, diz que não é só para si, é também para a música portuguesa. Critico, o compositor considera que “as pessoas estão mais entretidas com programas de talentos e de estrelas” e esquecem-se que fazer música implica “sacrifício”. Tinoco lamenta que “no nosso país não se dá valor à música de tradição escrita”.

Como sente a atribuição deste prémio e passar a fazer parte deste elenco de premiados onde só constavam, do universo da música, os nomes da pianista Maria João Pires e do compositor Emanuel Nunes?

Como devem imaginar, sinto-me extremamente honrado. Isto é um voto de confiança absolutamente extraordinário para mim, mas, precisamente por referir esse aspeto de, até à data ter sido só atribuído à pianista Maria João Pires e ao compositor Emmanuel, sinto também que, indiretamente, com este prémio estou a contribuir de alguma forma para recolocar a música no mapa do Prémio Pessoa, que já não era incluída nos laureados do prémio há 24 anos.

É muito bom. Fico muito feliz que o júri do Prémio Pessoa tenha decidido colocar a música em destaque este ano.

O musicólogo Rui Vieira Nery, que faz parte do júri, dizia justamente que é um prémio não só para Luís Tinoco, mas também para a música portuguesa. Nesse sentido, parece-lhe que a música portuguesa precisa deste tipo de distinção para ganhar maior visibilidade, sobretudo a música dita erudita?

Se me permite, eu aí discordava um bocadinho, porque eu acho que o problema não é da música erudita, nem da música portuguesa.

É um problema da música de tradição escrita, independentemente de ser portuguesa e de ser contemporânea, ou de ser antiga.

Nós vivemos num contexto em que no nosso país não se dá tanto valor à música de tradição escrita como se dá noutros países. Pensemos, por exemplo, na Alemanha, na França, onde outras áreas do saber, como a ciência, a literatura, etc., não são postas num plano diferente da música.

Portanto, quando disse música erudita, sim, de facto a música de tradição escrita é uma música que tem erudição, não é uma música que venha da tradição popular e isso não significa que haja qualquer elitismo nisto.

Isso é verdade para Bach, é verdade para Stravinsky, é verdade para os compositores que estão vivos.

O que acontece é que, na generalidade, desde as salas de concertos, aos produtores de espetáculos, às vezes as pessoas com responsabilidades políticas, os próprios de média, muitas vezes privilegiam uma produção musical numa área mais da música de espetáculo e do entretenimento.

E, portanto, acho que é muito importante que as pessoas que reconhecem a ciência, reconhecem a arquitetura, a literatura, etc., também reconheçam a importância que a música pode ter na vida cultural de um país.

Está a dar-nos esta entrevista a partir do carro, a caminho da Escola de Música, onde é professor. Essa é também uma parte grande do seu trabalho, o trabalho pedagógico que júri do Prémio Pessoa também sublinhou. É importante para si formar futuros compositores?

Sim, futuros compositores, futuros intérpretes, futuros maestros, futuros cantores. O ensino da música no nosso país está muito vivo.

Nós temos uma geração de pessoas absolutamente admiráveis a fazerem música ao mais alto nível de qualidade técnica e artística e, portanto, a formação que tem sido feita no nosso país, de norte a sul, acho que está de parabéns, porque estamos a ver o que está a acontecer com essas gerações.

Claro que, mais uma vez, levo um bocadinho a conversa para aquilo que falava há pouco. Esse grau de concretização e de qualidade e talento é muito rapidamente reconhecido em áreas como, por exemplo, o desporto, etc., e em alguns desportos em particular, como nós sabemos.

Na área da música, as pessoas estão mais entretidas com programas de talentos e de estrelas e esquecem-se que para fazer música, com esta qualidade e talento - estou a falar, obviamente, dos nossos músicos e intérpretes - isso implica sacrifício, horas e horas de estudo, anos de investigação, de um trabalho muito aprofundado e, portanto, estou 100% de acordo com o que o Rui Vieira Nery.

Eu sinto-me privilegiado, e feliz, pelo meu nome estar associado a esta galeria de pessoas, mas sinto-me também muito feliz pela música hoje ter sido colocada na equação, ou recolocada na equação.

O seu trabalho não é só fechado na música, porque já o vimos em diálogo com um dos artistas dos Monty Python num espetáculo. Gosta também de convocar a poesia, o teatro para a sua música?

Sim, eu gosto muito, e acho que hoje em dia, em pleno século XXI, não faz sentido nenhum os criadores, as pessoas que se dedicam às várias áreas artísticas, ficarem fechados em gavetas, em tribos, em dogmas.

Para mim, enquanto compositor, dá-me tanto prazer escrever uma peça para a orquestra sozinho, em casa, e depois estreá-la, como escrever uma obra para ser dançada, em colaboração com um coreógrafo, ou trabalhar com um escritor ou um ensinador, com um cineasta como o Terry Jones e outros nomes.

O lado de colaboração não só nos enriquece, como nos ajuda enquanto compositores a sairmos um bocadinho daquele casulo do isolamento, de estarmos em casa a escrever e depois só aparecemos no momento da estreia, quando as peças são tocadas.

Para mim tem sido muito importante colaborar com pessoas de outras áreas. Aprendi imenso com isso e acho que a música, quando nós fazemos isso, abre-se a outros espectros que a mim me interessam explorar.

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