08 nov, 2024 - 10:30 • Maria João Costa
Lena d’Água não queria cantar o “ódio” ou a “raiva” e Pedro da Silva Martins escreveu um disco à medida. “Tropical Glaciar” é apresentado em concerto dia 12 de novembro no Teatro São Luiz, em Lisboa, e chega ao mercado dia 15.
O álbum é o segundo escrito por Pedro da Silva Martins. Depois de “Desalmadamente”, em 2019, este “Tropical Glaciar” soma um conjunto de músicas feito a pensar na voz de Lena d’Água.
Em entrevista ao Ensaio Geral, da Renascença, a cantora explica que, para si, Pedro da Silva Martins é um “costureiro”.
“É um alfaiate daqueles à moda antiga que faz tudo por medida, como deve ser e depois faz as provas, com o giz e os alfinetes”, diz.
Lena d’Água conta que o compositor lhe apresenta as canções “praticamente no ponto”. “Há alguns ‘acertozinhos’, uma palavrita aqui”, indica a artista que explica que esses acertos por vezes passam por expressões.
“É tudo muito fácil. Digo ao Pedro, ‘olha, dá aqui um toque nesta frase, porque estas palavras, eu não me sinto à vontade. Isto do ‘ódio’, a ‘raiva’. Ele agarrou na minha sugestão e trocou a letra toda. Ele está sempre completamente disponível. O Pedro é muito sensível, é super criativo, muito inteligente e topa-me muito bem. Ele lembra-se da Lena d'água desde os 10 anos de idade!”
Esta cumplicidade com o autor deverá ainda gerar um terceiro disco, depois de “Desalmadamente” e “Tropical Glaciar”, revela Lena d’Água, a artista que explica que o título do álbum nasce de uma música, mas também do espírito contraditório que contem.
“Dos nomes das músicas que gravámos esse ‘Tropical Glaciar’ ficou logo no meu ‘top’ de possibilidades para nome do álbum. São os extremos. É o calor e o frio. Eu também sou um bocado extremos! Ou me riu a bandeiras despregadas ou choro. Sou um bocado extremos, é tipo artista, não é!?”, diz a rir Lena d’Água.
Além de Pedro da Silva Martins na guitarra e voz, Lena d’Água será acompanhada por Luís J. Martins, Nuno Prata, Catarina Falcão, Sérgio Nascimento na precursão e Vicente Santos nos teclados, nos concertos de digressão do novo disco.
A completar quase 50 anos de carreira, a voz de Lena d’Água surge neste novo trabalho com o mesmo timbre que o público sempre lhe conheceu. Questionada sobre como preserva a voz, a artista explica que não ter estado sempre na ribalta, talvez a tenha ajudado.
“Eu nunca tive outro trabalho durante estes quase 50 anos. Só paguei as minhas contas, as minhas mercearias, a minha gasolina, as rações dos meus cães com a música, porque eu canto. Não tenho outra forma de vida! Também é certo que houve uns anos, os primeiros 15 anos deste milénio, em que eu cantei muito menos. Por isso não gastei tanto a voz. Eu acho que isso mantém a minha voz num ponto muito fixe!”.
Um dos temas single de “Tropical Glaciar” fala sobre a nova geração de cantores. “Pop Toma” começa por falar dos intérpretes que procuram canções “orelhudas” e que vivem preocupados com a imagem.
Questionada sobre esse fenómeno, Lena d’Água começa por dizer que é um “problema bicudo”. “Muito daquela ideia do Instagram em que tudo é perfeito, as férias, a piscina, a maquilhagem, a boca perfeita, o cabelo, a roupa, as unhas, tudo perfeito, é tudo uma grande ilusão!”
A cantora observa que esse mundo digital das redes sociais “faz sofrer muitas pessoas, porque aquilo não é a realidade, e as pessoas comparam as suas vidas àquilo e ficam infelizes”.
“Eu já não estou nessa idade de ficar infeliz com isso. Mas miúdos e miúdas ainda novinhos, olham para aquelas fotografias super manipuladas, com os filtros e sentem-se feios, gordos, malvestidos, com vidas tristes e miseráveis. Isto é um problema bicudo do nosso tempo”.
Embora ressalve que é opção de cada um fazer uma operação plástica, por exemplo, Lena d’Água vai mais longe nas observações. “A Madonna não soube envelhecer e ficou com aquela cara. Parece um boneco! Tudo bem, cada um faz aquilo que quer do seu corpo, mas eu gostava de a ver como deve ser, assim como uma mulher da minha idade!”.
A viver na região Oeste, longe dos grandes centros, Lena d’Água prefere hoje outro registo de vida e lembra que “é super perigoso” a forma como a ditadura da imagem condiciona a vida artística. “Como é que elas vão fazer às carreiras quando as baseiam muito na imagem” questiona, sobretudo para artistas agora jovens que já antes dos 40 anos começam a mexer na imagem.