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Entrevista a Arturo Pérez-Reverte

“O que está a destruir a Europa não é o Islão nem a imigração. É o turismo de massas”

01 out, 2024 - 06:00 • Maria João Costa

O escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte considera que cidades como Lisboa estão destruídas devido ao excesso de turismo. O autor que está a lançar em Portugal o livro “Revolução” lamenta que os “rapazes dos tanques” que fizeram o 25 de Abril de 1974 não tenham o monumento que mereciam.

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Os soldados anónimos que fizeram a Revolução de Abril em Portugal mereciam maior reconhecimento. A critica é feita pelo escritor espanhol Arturo Pérez-Reverte, que acaba de publicar no nosso país um novo romance que tem como cenário a revolução mexicana.

Em entrevista à Renascença, o autor de “Revolução” (ed. Asa), que já foi repórter de guerra, lamenta a atual situação política vivida em países da América Latina como a Argentina. Diz que parece uma espécie de “maldição histórica” serem governados por “canalhas, manipuladores e sem vergonha”.

A poucos meses de completar 73 anos, Pérez-Reverte defende que a literatura não salva o mundo, mas é uma “aspirina” que alivia a dor.

Questionado pela Renascença sobre a cidade que tão conhece de Lisboa e onde gosta de ir beber o seu café ao Martinha da Arcada, o escritor considera que “destruíram Lisboa”. O turismo de massas é, na opinião de Pérez-Reverte, a maior ameaça que a Europa hoje enfrenta

A personagem principal de Revolução, Martin Garrett, um engenheiro de minas espanhol em funções no México é um jovem curioso que se torna um herói quase sem se aperceber. Como surgiu a história deste “Revolução”?

É um romance sobre amadurecimento, sobre como um jovem se transforma em adulto. Poderia ter escolhido outra coisa qualquer, a medicina, a polícia, um hospital, os tribunais, uma prisão. Mas a Revolução mexicana deu-me muitos elementos interessantes para desenvolver melhor a personagem.

Na realidade fui um pouco à minha própria memória. Quando era um jovem repórter na guerra, as pessoas que conheci na guerra deram-me uma maneira de ver o mundo. Aqui é o mesmo. Não é um livro sobre a Revolução mexicana, é sobre como um jovem encontra nas personagens dessa revolução exemplos e ideias para amadurecer e aprender a ver o mundo de uma forma mais eficaz e assertiva.

Escreve no romance que Martin Garrett “conhecia o perigo e a incerteza das minas”, mas a revolução é diferente? Tem outros perigos e incertezas?

Sim, ele vê a revolução e aproxima-se dela como uma experiência temporária, um momento para ver o que era isso. Tem curiosidade, mas no final vê-se implicado nela e torna-se protagonista. É o processo de envolvimento.

No México houve dois personagens importantes, o [Emiliano] Zapata no sul e Pancho Villa no norte. Eu tinha que escolher um dos dois, mas o Zapata era índio e sério, triste e trágico, com o destino pintado na testa. Villa era engraçado, divertido e canalha. Então, para mim, foi muito mais interessante, narrativamente falando, o Villa do que Zapata.

Já escreveu muitas vezes, em livros anteriores, sobre a guerra. Agora escreve sobre uma revolução. O que há de diferente entre a guerra e uma revolução?

A guerra acaba. A revolução é sempre traída. Não conheço uma única revolução que não tenha sido traída: a francesa, a russa, a portuguesa, todas, até a da Roménia que eu vivi.

O que caracteriza a revolução é a explosão de entusiasmo do primeiro dia e depois a deceção dos dias seguintes. Mas, ainda assim, isso é importante para mim. Ou seja, a explosão, o entusiasmo, a fé de quem sai à rua acreditando que vai mudar o mundo sabendo que vai mudá-lo ou que tentam, eu acho isso comovente.

É isso que está neste romance. Personagens ingénuos que acreditam que a revolução realmente vai mudar suas vidas e que não são apenas instrumentos nas mãos dos de sempre!

Em “Revolução”, mistura factos históricos e personagens reais com a ficção. Onde encontra o equilibro certo?

O equilíbrio é o senso comum de um romancista. Aprendi isso com Alexandre Dumas lendo quando era criança. Respeitando o cenário, modifico as personagens introduzindo os seus elementos nos factos histórico.

Gosto muito de escrever romances históricos e faço-o assim. Manipulo sempre, modifico a história a meu gosto, mas na realidade um romance é um problema narrativo. Quero contar algo e uso a história. É mais um mecanismo. Mas os meus romances nunca são históricos.

Tento sempre explicar o presente. Mesmo quando estou a falar da Revolução Mexicana, estou a falar do mundo atual, da revolução atual.

Dá-me sempre muita tristeza em Portugal ver que não há um vestígio dos rapazes dos tanques. Há o Salgueiro Maia, mas parece que eles não existiram, mas deram a Portugal um dos dias mais bonitos da sua História. Esses militares e soldados desapareceram. Não há um monumento ou uma placa e esses rapazes mereciam uma recordação!

Acho muito triste, ou seja, Portugal também traiu a sua revolução. Depois vêm os políticos, ou seja, já é outra coisa, depois fica sujo, mas aquele momento em que saíram à rua é um momento de glória. É triste que Portugal, talvez para esquecer o que veio a seguir, não queira lembrar o que esteve primeiro que foram aqueles rapazes.

A História também é feita desses heróis mais discretos e silenciosos?

Claro, é que na realidade na história o herói excecional não tem tanta importância. Por outras palavras, eu não estou interessado em Pancho Villa. Estou interessado nas pessoas que seguem o Pancho Villa.

Para mim, os Capitães de Abril, estou interessado neles, mas estou ainda mais interessado nos militares que saíram à rua atrás deles com seus tanques e seus cravos. Estou mais interessado nas pessoas que fazem a revolução, que são arrastadas por outras. Este romance tenta contar tudo isso.

Diz que é um romance que fala dos dias de hoje. Escreve no livro que o México é um país “sempre doente de si mesmo”. Como vê a atual situação do país, e em particular da América Latina?

Eu estive na América Latina. Vivi várias guerras e revoluções como a guerra na Nicarágua, em El Salvador, estive no México, li muita História, estava na Argentina aquando da ditadura, por isso conheço bem a América.

É uma pena e uma vergonha, um continente tão rico, tão poderoso, tão vigoroso, tão estupendo que tenha esta desgraça histórica de estar sempre nas mãos dos canalhas, manipuladores e sem vergonha!

É uma maldição histórica e não há solução. Insisto, a questão não é saber se existe uma solução. Temos de lutar, e ou se ganha ou se perde, mas temos de lutar. Não podemos é resignar-nos e estar sempre a ser pisados pelos poderosos.

Este é um livro onde prevalecem as personagens masculinas

Não. Há mulheres muito poderosas. Temos a guerrilheira, a Diana Palmer, a jornalista e há a Yunuen, a burguesa. Não, não é um livro de homens! Há mulheres muito poderosas no romance. Então o meu romance existe.

São mulheres de carater muito forte num mundo de homens?

Sim, eu conheci-as, não as estou a inventar. Conheci mulheres assim. A guerra, a revolução são geralmente uma coisa masculina, mas isso não significa que não haja mulheres.

Conheci mulheres em revoluções e no jornalismo, com uma grande personalidade, grandes profissionais e muito corajosos e homenageio-as nos meus livros

Há o hábito machista de ver o homem como um revolucionário que esconde a mulher, mas aquela mulher que está atrás carrega a espingarda e está a lutar.

Uma mulher está muito mais sozinha do que um homem, luta num mundo de homens e com regras feitas por homens. Qualquer sucesso de uma mulher, qualquer vitória é mais importante, porque ela teve que superar mais dificuldades.

É por isso que quando a mulher decide vingar-se, é muito mais cruel, porque tem muito mais contas para acertar com os homens. As mulheres são muito interessantes como personagens em todos os meus romances.

Estamos a fazer esta entrevista no coração da cidade de Lisboa, uma cidade que conhece bem, como um alfacinha. Como vê hoje a cidade?

Destruíram Lisboa! O turismo de massas destruiu a Europa, não foi só Madrid. Sevilha é horrível, mas Lisboa, que é sempre uma cidade elegante, tranquila, uma cidade velha e senhorial desapareceu!

Nenhuma cidade sobrevive a milhares e milhares de turistas de calções que descem a rua em grupo, é impossível! A minha Lisboa de sempre, a Lisboa do Chiado, do Bairro Alto, da Baixa morreu!

Ontem quando cheguei, saí e fui andar desde aqui [Avenida da Liberdade] até ao Martinho da Arcada e fiquei aterrorizado! Entrei numa pastelaria para comer um pastel de nata e todos os empregados eram estrangeiros. Não falavam português, só falavam inglês!

Fui pagar e disseram-me que tinha de pagar com cartão de crédito 1,70€! Com uma máquina, e eu, não disse nada e saí! É uma pena essa Lisboa. Claro que dá dinheiro, os taxistas ganham dinheiro, os restaurantes também. Mas o que a Europa está a pagar em troca desse turismo não compensa as perdas.

O que está a destruir a Europa não é o Islão, não é a imigração, é o turismo de massas.

E como está a sua Espanha?

A Espanha é um país doente politicamente. É um país que não tem grande solução. É um país onde ninguém reconhece uma virtude no adversário ou defeitos próprios. É um país de bandos, ou és do Real Madrid, do Atlético ou do Barcelona!

Reconhecer virtudes é impossível. Exigem que tome partido, que lute de um lado ou de outro. Isso é muito triste. É isso que está a acontecer em Espanha

Felizmente eu estou fora disso, já não tenho idade, tenho leitores e permite-me a independência, mas há amigos meus, jovens jornalistas, que são obrigados a tomar partido. É terrível.

Tudo faz parte de uma espécie de destruição intelectual. A Europa intelectual, culta, razoável, como Espanha, Portugal, França e Itália que eram uma referência moral do mundo, desapareceu.

Agora são medíocres em Bruxelas, que fazem mais leis para que a tampa da garrafa não se perca, do que para mudar o mundo de facto. Espera-nos um mundo medíocre, porque somos medíocres.

Acha que a literatura pode salvar?

Não! Um romancista não salva ninguém. O [José] Saramago, que era um grande amigo meu, como sabe, dizia que os romances mudam o mundo. Eu dizia que não!

Um romance é como uma Aspirina, não tira a dor, mas ajuda a suportar a dor. E é isso, a literatura, a cultura em geral, o cinema, a boa cultura, a literatura ajudam a suportar e a explicar. Se entendemos, dói menos. O problema é quando dói sem entendermos.

Então, a literatura ajuda-nos a compreender e a entender por que tudo acontece. Quando eu estava em Sarajevo e havia aqueles dias maus com muitos mortos, depois ia para o hotel, pegava numa lanterna e num livro, lia Plutarco, Stendhal, Balsac, Pessoa ou Eça de Queirós e começava a ler e tudo acalmava como um analgésico.

Por isso, espero que os meus romances não mudem o mundo, mas sirvam como um analgésico.

Comentários
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  • ze
    01 out, 2024 aldeia 16:45
    o que está a destruir a europa,são as politicas da europa.

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