12 set, 2024 - 14:28 • José Pedro Frazão
Cem anos depois do nascimento de Amílcar Cabral, as diversas facetas da biografia do cofundador do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde são expostas no espaço Delfim Guimarães na Amadora.
Trata-se da reposição de «Amílcar Cabral, uma Exposição», adaptando uma exposição patente em Lisboa, no Palácio Baldaya, em 2023, aquando dos 50 anos do assassinato de Cabral. Com curadoria científica de José Neves e Leonor Pires Martins, a exposição passa a uma dimensão itinerante até 30 de outubro, que pode ser visitada de terça-feira a sábado, entre as 15h e as 19h, com entrada livre.
A iniciativa da Comissão de Comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, passa ainda pela publicação do catálogo da exposição , «Cabral Ka Mori», que descreve 50 objetos ligados à vida de Amílcar Cabral e pela obra «O Mundo de Amílcar Cabral», que reúne estudos de especialistas e testemunhos de contemporâneos de Amílcar Cabral.
Em entrevista à Renascença, a Comissária Executiva da Comissão Comemorativa 50 anos 25 de Abril, Maria Inácia Rezola, sublinha que as diversas dimensões da vida de Cabral têm merecido recentemente uma nova atenção.
Como é que enquadra a entrada deste centenário de Cabral no quadro das comemorações 50 anos do 25 de Abril?
A evocação que agora vamos fazer de Amílcar Cabral, em rigor, não é nova. Nós assinalamos em 2023 os 50 anos do seu assassinato. Vamos agora recuperar os materiais dessa exposição, que esteve patente em Lisboa, para uma exposição itinerante.
Esta exposição foi desde o início pensada nas diferentes efemérides em torno de Amílcar Cabral, um dos símbolos máximos da luta anticolonial.
A partir daqui a exposição estará patente primeiro na Amadora e esperamos que possa percorrer vários outros espaços e lugares do país e mesmo Cabo Verde, Guiné, etc.
Na sua apresentação no catálogo, escreve que a vida de Amílcar Cabral 'traz ao espaço da história e da memória debate que se mantêm actuais e imprescindíveis para pensar os próximos 50 anos de democracia'. Que debates são esses?
Desde logo, o debate do colonialismo e da descolonização que é, na sua essência e em primeiro lugar, a luta que foi travada por Amílcar Cabral e muitos outros pelo fim do colonialismo. Esta é uma luta que acaba por ser transversal a todas as épocas e que é preciso travar actualmente.
Este é um trabalho constante, que passa, desde logo, por uma maior consciência coletiva destes problemas e por um redirecionar da forma como ensinamos aos mais jovens a nossa história, olhando para o seu presente.
O que é que hoje sabemos que não sabíamos recentemente sobre Amílcar Cabral nas várias dimensões desta personalidade?
Felizmente existe já muito trabalho, excelentes biografias, vários projetos de investigação e produção cultural, como cinema, literatura, etc, em torno da figura de Amílcar Cabral.
O que está a acontecer em torno deste centenário do seu nascimento é a releitura das várias vidas de Cabral. A vida, durante o período em que viveu propriamente dito, mas também as suas vidas póstumas, os seus legados e as leituras que ainda hoje fazem do que foi a sua luta, do seu pensamento e da sua visão da humanidade.
E esse pensamento, expressou-se dessa forma logo após o 25 de Abril?
Foi um processo muito gradual. Em rigor, só neste novo milénio é que se atingiu uma certa maturidade nas formas plurais como podemos e devemos olhar para Amílcar Cabral e para o seu projeto.
A exposição tem uma estrutura cronológica e temática. Tem 5 núcleos em que se procura, por um lado, perceber o que foram as suas origens, a sua vida familiar e a sua juventude, semelhante à de muitos outros jovens que vinham para Lisboa fazer o seu curso superior e frequentavam a Casa dos Estudantes do Império e começavam a contactar com os movimentos contra a ditadura,
Temos depois a sua integração nos movimentos de libertação, sobretudo na década de 50 na sequência, entre outras coisas, da Conferência de Bandung.
E depois, a exposição mostra a internacionalização desta luta, com os contributos fundamentais de Amílcar Cabral para os movimentos de libertação. Nos dois últimos núcleos, temos aquilo que podemos designar de 'as suas vidas póstumas', ou seja, a forma como ele foi e ainda é hoje olhado e evocado.
A exposição faz referência a uma ligação particular com Itália, não apenas com conexões mais comuns, mas incluindo o famoso encontro com o próprio Papa Paulo VI, que aconteceu também em Roma.
Nestes percursos, Cabral tem uma ampla ação política e consegue mobilizar e captar o apoio de uma amplíssima rede de solidariedade em vários estados do Norte da Europa. No caso italiano, a fotógrafa e jornalista Bruna Polimeni é uma das pessoas que muito contribuíram para a projeção Internacional da imagem de Amílcar Cabral e da sua luta.
E há depois esse encontro em que o Papa recebe os líderes dos movimentos de libertação das então colónias portuguesas. O regime português encarou com grande amargura, tristeza e mágoa esse acolhimento por parte do Papa destes líderes independentistas.
Mas a verdade é que esse encontro foi fundamental também na construção da sua imagem e na projeção da luta que Amílcar Cabral levou a cabo.