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Há vida além dos videojogos. Os gamers de hoje já "têm muito contacto humano"

26 abr, 2023 - 19:07 • Beatriz Lopes

No Geração Z desta semana falamos sobre a relação dos jovens com os videojogos. São inquestionáveis os seus efeitos negativos, mas será que não trazem também vantagens? Que limites devem os pais impor? O público feminino já se rendeu também a este mundo? Num jogo de um para um quem ganha: a indústria dos jogos eletrónicos ou a cinematográfica?

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Há vida além dos videojogos. Os gamers de hoje já "têm muito contacto humano”

O gamer “não é só aquele rapaz em má forma física” ou que “bebe refrigerantes em frente a um computador”: “há muito contacto humano, e as pessoas esquecem-se disso”. A ideia é partilhada por Gonçalo Froes, criador de conteúdos digitais, FIFA streamer e FIFA caster. Trata os seguidores por “meus putos”, mas dá dicas de jogo e entretém público “dos 14 aos 30”. Destes, há até alguns que são jovens emigrantes e “acabam por se sentir um pouco em casa”. A prova de que o espaço virtual também pode ter “um espírito de balneário”, onde não se fala apenas de futebol.

“O meu objetivo quando estou ali é entreter, é jogar e dar dicas ao meu público também sobre o jogo. Obviamente que debatemos muitos temas sobre futebol, mas temos conversas sobre tudo. A minha 'stream' muitas vezes vira quase um podcast. Os meus seguidores até me pedem, por vezes, conselhos amorosos. Quase se forma ali um grupo grande de amigos. E eu digo aos meus seguidores: 'se vocês estão a sentir que o jogo vos está a irritar, parem de jogar. Façam uma pausa, vão beber água, vão correr lá fora, joguem só amanhã…' Porque não faz sentido. Um jogo serve para nos divertirmos.”

Foi durante a pandemia que, com a ajuda do TikTok, Gonçalo começou “a cativar público” para a Twitch, a plataforma online que lhe permite fazer transmissões ao vivo, enquanto interage com seguidores. Na altura, a Twitch bateu um recorde de audiência impulsionado pelo confinamento – um catalisador de problemas como ansiedade, depressão e dependência em videojogos. Ainda assim, Gonçalo Froes acredita que atualmente “os jogos já influenciam de forma positiva e estimulante”.

“Os jogos ajudam-nos a esquecer os problemas do dia-a-dia. E estimulam-nos a vários níveis: ajudam-nos a ter uma maior capacidade de concentração e a melhorar o nosso raciocínio. Por exemplo, no meu caso, eu sou muito descoordenado a nível motor e os jogos têm essa mais-valia. Os próprios jogos de estratégia, que são quase como os antigos jogos de tabuleiro, também nos fazem pensar e arranjar maneiras de chegar aos nossos objetivos.”

Para Gonçalo Froes, as vantagens poderiam não ficar por aqui, até porque há videojogos que levam crianças e jovens a “descobrir factos históricos” ou a ter “um primeiro contacto com o inglês”. Sobre a dependência e o estilo de vida dos jovens, muitas vezes sedentário, o criador de conteúdos digitais garante fazer a sua parte, mas considera que é também aos pais que cabe essa tarefa.

“Em várias conversas que vou tendo com o meu chat na Twitch, percebo que a maioria dos meus seguidores pratica um desporto, muitos deles futebol, obviamente, mas também andebol, voleibol… Mas também cabe aos pais regrar nesse aspeto e fazer com que os filhos - sejam crianças, sejam já adolescentes - tenham esse equilíbrio no dia a dia, inscrevendo os filhos em atividades desportivas e também regrar, as horas que jogam e o que jogam consoante a idade. Eu não sou pai, mas apercebo-me que muitos dos meus seguidores mais jovens durante a semana começam a despedir-se às dez da noite”, sublinha.

A profissão streamer: casos como MoveMind servem de inspiração?

Fazer de streamer profissão “é uma coisa que para as gerações mais antigas ainda é um pouco estranho”, reconhece Gonçalo Froes, mas para esta Geração Z “já é algo que se torna habitual”. Lá fora, há jogadores Esports que são “autênticas rockstars” pelo impacto que têm nas novas gerações, mas este é um mundo “que está a ganhar cada vez mais força também em Portugal”.

Exemplo disso é Diogo “MoveMind” da Silva, um dos streamers mais acarinhados pelo público português que continua a ser um fenómeno em ascensão: em 2017 fazia da Twitch um hobby, em 2020, com a pandemia, perdeu o emprego e passou a dedicar-se a tempo inteiro às livestreams e neste momento conta com dezenas de milhares de visualizações por stream e já comenta os jogos para a SportTV.

“Sem dúvida uma inspiração para muitos jovens”, reconhece o criador de conteúdos digitais, que alerta, no entanto, que este caso pode não ser facilmente replicável.

“Todos aqueles que conseguem vingar neste mundo de forma positiva acabam por ser uma referência e muita gente tem a ideia que é brutal fazer do jogo um trabalho. Mas não é bem assim. Está muito trabalho ali por trás. Há muita concorrência. Eu estive quase um ano a 'streamar' para 15 pessoas, tal como o MoveMind antes de explodir. Só com força de vontade é que as coisas se conseguem e a consistência no mundo digital é muito importante. Eu também acredito que sou uma inspiração para muitos colegas”.

Há mais jogadoras de videojogos, mas ainda não competem com rapazes

Segundo Gonçalo Froes, no FIFA online há muita gente que questiona: "se os Esports não têm força física, porque é que não se juntam os homens e as mulheres?". A resposta, por mais dura que seja, é simples: as mulheres ainda não estão no mesmo nível de competição.

"Os videojogos nunca estiveram na base do crescimento da maioria das raparigas, porque sempre tiveram outro tipo de brincadeiras. É algo estereotipado e uma questão ainda cultural”, mas o criador de conteúdos digitais sublinha: “sem dúvida que a presença feminina está a crescer” e há já competições que as ajudam a apanhar a corrida no setor gaming.

“No caso do FIFA, por exemplo, a Federação Portuguesa de Futebol do setor “eFootball” tem feito um trabalho muito importante. Criou competições direcionadas para o público feminino, ou seja, nós atualmente em Portugal e pela Europa fora, temos já jogadoras profissionais de FIFA. E estas competições que são criadas ajudam a motivar essas jogadoras a quererem evoluir e a chamar amigas também para se juntarem a elas neste tipo de jogo."

A Twitch não é só virtual, “há muito contacto humano”

Gonçalo Froes sublinha que “há muita gente que talvez não saiba”, mas os eventos gaming existem e promovem o convívio não só entre streamers, mas também com os seus seguidores. O próximo a acontecer é o “Óbidos Vila Gaming”, que vai decorrer de 4 a 7 de maio e vai contar com mais 200 postos de jogo nas áreas de entretenimento, videojogos e Esports.

“São eventos que se organizam em várias cidades onde as pessoas jogam, assistem a outras competições e dão também a oportunidade aos seguidores de conhecerem os streamers que mais gostam”.

Fora de Portugal - e dos ecrãs - há outros encontros que juntam os jogadores online e até os transportam para os campos de quatro linhas. Um dos exemplos decorreu no estádio Benito Villamarín, em Sevilha, quando em novembro de 2022, Portugal foi um dos seis países convidados a participar na primeira edição do Mundial de futebol de streamers. Gonçalo Froes foi um dos convocados, graças ao convite feito por David "TheGrefg", o maior criador de conteúdo espanhol que já conta com mais de 10 milhões de seguidores na Twitch.

“Cada país convocou 23 streamers que disputaram o campeonato no relvado. Estavam mais de 15 mil pessoas a assistirem ao vivo no estádio. E estavam ali porque simplesmente acompanhavam os streamers espanhóis e queriam vê-los a jogar. Nesse dia, a transmissão em direto na Twitch chegou a bater mais de 350 mil pessoas a assistirem em simultâneo”, sublinha.

De olhos postos no futuro, Gonçalo lembra que “há cada vez mais pessoas com este tipo de interesses e são estes eventos que transportam o gaming e as plataformas virtuais para o mundo real, porque as pessoas podem sentir de perto que um gamer não é só aquele rapaz em má forma física que está a beber refrigerante e a jogar. Os videojogos, apesar de serem virtuais, têm muito contacto humano e as pessoas esquecem-se disso”, reforça.

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