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Peixes também se deixam contagiar pelo medo

30 mar, 2023 - 06:48 • Marta Pedreira Mixão

Investigadores mostram que os peixes-zebra utilizam mecanismos semelhantes aos humanos para analisarem e imitarem emoções - a responsável é a oxitocina.

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Os peixes-zebra também se podem contagiar pelas emoções, esta é a conclusão de um estudo liderado pelo professor Rui Oliveira, do ISPA - Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida e do Instituto Gulbenkian de Ciência (IGC), publicado recentemente na revista Science.

Se convivemos num grupo que na totalidade está stressado, por exemplo, podemos acabar por "absorver" estas emoções negativas. A esta tendência de sincronização de emoções com as dos outros que nos rodeiam dá-se o nome de "contágio emocional". E, segundo o estudo, os mecanismos genéticos e neurais associados a esta capacidade do peixe-zebra têm muitas semelhanças com os que estão presentes em humanos.

"A novidade aqui foi falarmos do contágio emocional também em animais tão distantes de nós, como é o caso dos peixes, eles têm também a capacidade de alterarem o seu estado afetivo em função do estado afetivo que observam nos outros com quem estão a interagir", explicou à Renascença o professor Rui Oliveira, coordenador da investigação.


"[Outra) novidade foi também termos mostrado que os mecanismos genéticos e neurais subjacentes a essa capacidade partilham muitas semelhanças com aqueles que estão presentes em mamíferos e em humanos", acrescenta.

"Temos esta tendência para pensar em alguns desses comportamentos de uma maneira muito centrada em nós próprios e que tem a ver com, muitas vezes, confundir o estudo das emoções com o estudo dos sentimentos, que não diria que são exclusivamente humanos, mas são praticamente impossíveis de estudar em não humanos, porque não têm reporte verbal para nos dizerem o que estão a sentir".

Além das semelhanças nas áreas cerebrais que os peixes-zebra usam para reconhecer e "sintonizar" emoções, estes peixes usam também a molécula oxitocina para reconhecer a capacidade emocional.

"A oxitocina é um neuropeptídeo que desempenha um papel crítico num conjunto de fenótipos sociais humanos, inclusive o contágio emocional", explica o professor.

Para estudar este processo nos peixes, os investigadores recorreram a uma emoção básica e presente em praticamente todos os vertebrados: o medo.

"Aquilo que fizemos foi induzir medo num conjunto de indivíduos, que podemos designar por demonstradores, e ver como é que a observação do medo nesses indivíduos, por um indivíduo que não tinha sido exposto ao tal estímulo que desencadeia medo, o iria afetar. Portanto, tínhamos um peixe-espectador que observa outros peixes", detalha o professor.

Para induzir o medo, os investigadores colocaram na água "um odor que indica a presença de perigo, que é uma substância que induz um comportamento de alarme nos peixes". Como resposta à observação desses demonstradores a expressarem comportamentos de alarme e de medo, o peixe-espectador - que não teve acesso à informação da presença de perigo no ambiente - "copia esses comportamentos de alarme que, no fundo, são um indicador do tal estado emocional de medo nos demonstradores".

Mas como podemos garantir que os peixes reconhecem o medo nos seus congéneres e que não estão simplesmente a copiar o seu comportamento?

Os investigadores tiveram de realizar um despiste: verificar se o peixe estava a copiar o comportamento dos outros meramente como "uma imitação motora, como é o caso do bocejo, ou se era mais do que isso, se envolvia a capacidade de reconhecimento de uma alteração comportamental".

A conclusão foi que "a capacidade de contágio implica conhecimento emocional, e a não imitação motora, e que tudo isto depende da atuação da oxitocina".

Em situações de ameaça, por exemplo, este mecanismo funciona como resposta de sobrevivência. Para o professor Rui Oliveira, se nós pensarmos nisso de uma maneira mais ecológica e evolutiva, "não é muito surpreendente" que assim seja.

"Se eu não detetei um predador, mas estou num grupo em que outros indivíduos detetaram o predador, se eu for capaz de utilizar a resposta emocional dos outros indivíduos do meu grupo para regular o meu comportamento, posso ser bem sucedido a evitar o predador, nunca o tendo visto."

"É o que acontece quando vamos a descer uma rua e, de repente, temos uma multidão a correr em sentido contrário e, nós, sem percebermos qual é a origem do perigo pelo qual aquelas pessoas estão a fugir, juntamo-nos a essa multidão e fugimos também", exemplifica.

Além do medo...

Mas o contágio das emoções nos peixes-zebra não se resume ao medo. A equipa está também a concluir uma outra parte da investigação, na qual verificam que há também uma imitação de emoções positivas.

"Temos trabalho feito, e que brevemente vai ser publicado, em que fizemos precisamente o inverso, que foi ter um indivíduo focal ao qual induzimos medo e termos um conjunto de outros indivíduos demonstradores que, neste caso, fazem o contrário - estão num estado relaxado, descontraído e estão a transmitir a informação de que está tudo bem", revela o professor Rui Oliveira.


"Aquilo que verificamos, é precisamente o inverso, ou seja, a resposta a um estímulo de alarme que desencadeia medos, em situações normais, se acontecer na presença de suporte social - na presença de outros que não estão a responder a esse estímulo - desencadeia uma resposta no peixe que está a ser estudado de muito menor intensidade, há uma redução da intensidade devido à presença de outros num estado tranquilo", sublinha.

Uma vez que a oxitocina não é o único fator comum entre peixes e humanos, no que diz respeito ao contágio emocional, e que as áreas cerebrais que os peixes-zebra usam para reconhecer e sintonizar emoções são equivalentes a algumas dos humanos, este peixe torna-se um “modelo de eleição” para estudar estes comportamento social e os mecanismos neurais subjacentes e pode, por isso, abrir novos caminhos para outras áreas de investigação

"Eu diria que a oportunidade que se abre, em termos de consequências para a investigação translacional, é a possibilidade de estudar os fenótipos mais complexos relacionados com o comportamento social e contágio emocional e capacidades sociais um pouco mais complexas do que aquelas que podemos considerar que estavam presentes numa espécie como esta".

"Em termos de fenótipos que dizem respeito a patologias o mais óbvio que está relacionado com este tipo de comportamento são os fenótipos que são afetados nos síndromes do espectro do autismo", destaca o investigador, relembrando que este peixe já tinha "começado a ser utilizado em pesquisas relacionadas com a genética dos síndromes do espectro do autismo", mas apenas com "fenótipos mais simples de memória social, de atenção social".

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