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Rão Kyao dedica disco a Gandhi, “um S. Francisco de Assis do sec. XX”

28 mai, 2021 - 07:47 • Maria João Costa

“Gandhi – um português homenageia Gandhi” tem 11 temas originais compostos por Rão Kyao. Gravado em plena pandemia, o disco nasce de um desafio do Governo indiano e revela o fascínio do músico por uma figura com “atualidade e futurismo”.

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Agradece a entrevista dizendo “obrigado pelo apoio à música”. Rão Kyao regressa aos discos com um álbum gravado durante a pandemia, depois de um ano sem concertos e no qual respondeu a um desafio do Governo indiano para participar numa homenagem a Gandhi.

O disco – que tem como subtítulo “Um Português Homenageia Gandhi” – revela um conjunto de novas composições inspiradas na figura do líder indiano, mas onde a flauta de bambu de Rão Kyao mistura também as origens portuguesas.

Em entrevista ao Ensaio Geral da Renascença, o músico mostra-se impressionado com o “futurismo” de Gandhi e compara-o com São Francisco de Assis. O regresso aos palcos só acontecerá no final deste ano.


Este disco “Rão Kyao – Gandhi – Um português homenageia Gandhi” é um regresso aos originais, à composição, mas é simultaneamente um disco dedicado a uma figura. Foi uma encomenda?

O que aparece neste disco de diferente é porque esta homenagem envolveu um desafio. Sempre fui fascinado pela figura do Gandhi. A propósito dos 150 anos dele, rearranjámos um tema que ele muito ouvia para cumprir uma proposta do Governo indiano. O facto de ter feito isso, de repente fiquei alertado para a figura do Gandhi. Senti-me motivado a penetrar no mundo, na vida dele, na espiritualidade dele, na filosofia. E certos marcos da sua personalidade espiritual provocaram temas. Certas coisas da vida dele e da ideologia dele fizeram com que eu compusesse alguns temas e no fundo homenageasse esta figura extraordinária.

Há episódios específicos da vida de Gandhi que o inspiraram, isso vê-se por exemplo em temas como a Marcha do Sal. Quis trazer a História para a música?

Vários episódios! A Marcha do Sal é um deles. Numa dada altura na luta pela independência, o Gandhi organizou uma marcha que juntou milhares de indianos e que ficou muito célebre. Ele dizia, e com razão, que o sal pertencia à Índia. Organizou esta marcha e de certa maneira, através disso, criaram uma independência económica em relação aos ingleses, que era necessária para a luta deles.

Este é um dos episódios que tem um tema que o ilustra. Outro episódio que também surge no disco é a Independência. É uma espécie de um hino a festejar aquilo que Gandhi se propôs para a Índia em relação aos ingleses. O resto do disco é mais relacionado com marcos fundamentais da ideologia e filosofia de Gandhi.

No disco está também incluída a sua versão do tema que Gandhi ouvia.

Este disco partiu do convite. Fomos desafiados a rearranjar o tema “Vaishnav Jan to Tene Kahiye”, que expressa um texto de um poeta/músico do século XV. Era um tema que o Gandhi muito amava e tornou-se num hino que o acompanhava. Se vir o filme dedicado a ele, e que eu revi recentemente, o tema final é precisamente este. É muito conhecido na Índia. Disto é que veio o meu desejo de aprofundar o meu conhecimento acerca do Gandhi.

Mas já antes tinha trabalhado sobre a musicalidade indiana no seu disco dedicado a Goa. É um regresso, mas à Índia não portuguesa, depois destes anos todos de carreira?

Sim! Eu estou sempre, de certa maneira, ligado à Índia. Eu amo a música, os músicos, a visão da relação da música com a vida. Realmente toca-me muito. Aqui, isto foi endémico. Aparece da minha expressão. Foi o que esta figura, a atualidade e o futurismo que está na filosofia do Gandhi que me fascinou.

De certa maneira, lembro sempre que o disco se chama “Rão Kyao – Gandhi”, mas tem um subtítulo: “Um Português Homenageia Gandhi”. Eu assumo-me como um português no mundo, mas que não esquece as suas origens, as raízes, mas aplico isso à universalidade da mensagem de Gandhi. É sempre um português que está a homenagear este líder indiano.

Esse lado português está muito no tema “Regresso às Origens”.

Se ouvir o tema, vê que eu regresso às minhas origens. Vou às raízes da música portuguesa, induzido pela filosofia que o Gandhi nos transmite. No fundo é que devemos ver bem o que veio antes de nós, o que nos construiu e isso, acho eu, é uma grande lição.

Como foi gravar este trabalho neste contexto de pandemia? O trabalho de estúdio?

Foi difícil em certos aspetos. É um período que tem sido muito complicado para os músicos. Mas gravamos num estúdio grande, muito arejado, perto de Torres Vedras, do Nelson Canoa. Tivemos a possibilidade de apresentar uma coisa, como se fosse tocada ao vivo. E apresenta uma sonoridade que já têm classificado como orgânica, no sentido em que transmite esta intimidade de um grupo a tocar ao vivo. Isso para mim é muito importante.

O primeiro tema single a sair chama-se “O Respeito pela Natureza”. O que é que este tema nos diz sobre Gandhi?

Ele é um ecologista. Gosto de pensar muitas vezes sobre ele, como uma espécie de São Francisco de Assis do século XX. Teve sempre esta ideia da proteção da natureza, numa altura em que a natureza não estava invadida como está agora. Mas ele sempre teve a consciência de que a proteção da natureza era uma coisa muito importante, o que o tornou um grande ecologista. Este tema venera esse aspeto da sua filosofia e daí chamar-se “O Respeito pela Natureza”.

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