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Miguel Carvalho: “A Amália nunca obedeceu a uma entidade coletiva que não fosse o povo português”

29 jun, 2020 - 17:23 • Maria João Costa

Livro “Amália - Ditadura e Revolução. A história secreta”, de Miguel Carvalho, assinala o centenário da fadista com revelações. Amália ajudou famílias dos presos políticos, financiou jovens comunistas na resistência a Salazar e sobreviveu, depois de 1974, pela força do fado.

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“A expressão ‘Coração Independente’ aplica-se muito bem a Amália, porque ela fez sempre o que quis”, explica Miguel Carvalho. O escritor e jornalista da revista "Visão" acaba de publicar o livro “Amália - Ditadura e Revolução. A história secreta", culminando mais de 20 anos de investigação sobre a vida da fadista.

A obra, editada pela D.Quixote, apresenta revelações sobre Amália Rodrigues, cujo centenário este ano se assinala.

“Havia muito para contar”, diz o autor que se começou a interessar por Amália Rodrigues desde cedo. Miguel Carvalho recorda que foi através do disco "Fado Bailado", de Rão Kyao que ouvia quando tinha 14 anos que descobriu a voz de Amália. Mas foram umas declarações do Prémio Nobel da Literatura, José Saramago, em 1999, a quando da morte da fadista que o inquietaram e fizeram começar a reunir tudo o que encontrava sobre a diva do Fado.

No livro agora lançado, pode ler-se as palavras que Saramago então disse. "Amália (…) celebrada pelo salazarismo, algumas vezes fez chegar dinheiro através de pessoas, dinheiro que ela sabia que ia para o Partido Comunista Português, então na clandestinidade."

Estas afirmações registadas numa entrevista ao jornal" Público" levaram Miguel Carvalho a empreender uma investigação que, “levasse o tempo que levasse”, acabaria por revelar novos dados sobre Amália.

Não sendo um historiador, mas depois de já ter publicado outros livros como “A Última Criada de Salazar” ou “Álvaro Cunhal - íntimo e pessoal”, Miguel Carvalho trabalha esta obra de caráter biográfico com base em várias entrevistas a quem privou de perto com Amália ou que com ela conviveu.

Miguel Carvalho traz à luz do dia muitas histórias de Amália sobre “as ligações aos opositores e à resistência ao regime; os contributos para os presos políticos e as ligações mais próximas a pessoas ligadas ao Partido Comunista Português.” Em entrevista à Renascença, o repórter explica que depois do 25 de abril de 1974 houve “uma reviravolta em que Amália tem que sobreviver à acusação de que era colaboradora da PIDE e que tinha ‘namorado’ com o fascismo”.

“O manancial de histórias” é embrulhado “no retrato mais humanizado de Amália”, explica o autor que lembra que a figura da fadista foi muitas vezes “divinizada e mitificada”. A própria, admite Miguel Carvalho, nem gostava de ser considerada a “Diva do Fado”. O livro que agora chega ás livrarias é “importante” nas palavras do autor, para que “passemos a olhar para ela como as suas imperfeições”.

Acima de questões políticas ou outras, afirma Miguel Carvalho “Amália nunca obedeceu a uma entidade coletiva que não fosse o povo português”. Não há outra, assegura o investigador que diz: “Podem tentar atribuir-lhe proximidades com esta ou aquela ideologia, ou entidade coletiva, mas a verdadeira entidade coletiva a que ela sempre obedeceu foi o povo”.

Sobre a voz que levou o fado pelo mundo, Miguel Carvalho recorda ainda que: “ao mesmo tempo que a ditadura a aproveitou e a namorou, Amália encontrou formas de dar lastro à sua profunda humanidade, ajudando as famílias dos presos políticos, entregando somas muito consideráveis de dinheiro para viagens de jovens comunistas ao estrangeiro ou para financiar indiretamente o partido. Podem dizer o que quiserem, mas ela sabia muito bem para onde ia o dinheiro”.

Já no período pós-revolução, Miguel Carvalho conta também neste livro pelo que Amália passou. “Quando tentaram matar o fado e, por consequência, suprimir também a memória daquilo que ela tinha sido, a Amália foi à luta”.

A fadista “não se limitou a viver às custas do que tinha sido”, sublinha o jornalista, recordando que, então, Amália percorreu o país de norte a sul. “Chegou a dar 26 concertos por mês”, conta Miguel Carvalho, “com ameaças pelo meio e em condições lamentáveis de som”, mas onde Amália quis medir o pulso ao povo.

“Ela foi para saber se o povo ainda lhe tinha algum respeito, e a admirava. Mas foi também em busca da sua própria sobrevivência”, relata Miguel Carvalho que identifica em Amália Rodrigues, uma “profunda convicção do que faz e humanidade” que levou a fadista a ultrapassar e a “sobreviver aqueles tempos”.

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