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As outras histórias do Festival Correntes d'Escritas

24 fev, 2018 - 15:30 • Maria João Costa

80 escritores, quatro dias de festival literário e muitas histórias de vida. Sempre com o mar ali ao lado, na Póvoa de Varzim, também se formam poetas. No festival que termina, este sábado, entre escritores premiados de renome nacional e internacional como Luis Sepulveda, Afonso Cruz ou o brasileiro Eric Nepomuceno, há também poetas locais. Conhecemos José Alberto Postiga, das Caxinas. Aos 40 anos, já foi pescador e lança agora o seu segundo livro de poemas.

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Sentamo-nos à beira mar. A olhar o oceano que o moldou. José Alberto Postiga nasceu em 1977 na Póvoa de Varzim, numa família de pescadores das Caxinas. Como uma fatalidade explica-nos que tinha o destino traçado. “Nas Caxinas existe a tradição das coisas por si estarem resolvidas para os homens. Quando terminavam a escolaridade obrigatória iam para o mar”.

Postiga “abandonou prematuramente a escola”. Tinha o “sonho de ser pescador”. Começou a trabalhar aos 11 anos onde em terra consertava redes de pesca. Só se aventurou nas ondas do mar da Póvoa de Varzim a partir dos 15 anos. Entrou por “mar puro e duro”, conta-nos. “Trabalhei até aos 19 no mar da Póvoa, Vila do Conde, Matosinhos, Aveiro, Figueira da Foz”, depois “a partir dos 19” foi para o mar do Norte. Recorda que “eram 60 dias a bordo, o azul e o verde do mar não se via, via-se apenas a espuma”.

Mas o mar que gosta de olhar pregou-lhe uma partida e pô-lo á prova. “Tive um acidente, fui resgatado numa situação muito complexa” lembra fazendo uma pausa. O episódio deixou marcas e fez este pescador das Caxinas “deixar o mar”, mas não foi um ponto final com o mar, acrescenta. Foi sim, o fim da “vivência como pescador e a abertura para escrever sobre o mar”.

Hoje José Alberto Postiga criou uma família, tem duas filhas e vive com a mulher emigrado na Suíça há doze anos. Sempre que pode vem ver o mar, mal sai do aeroporto. Aqui na Póvoa de Varzim onde está a participar no Festival Correntes d'Escritas, confessa mesmo que chega a gravar o som do mar para ouvir na Suíça antes de se deitar. É este o mar que o inspirou para o seu segundo livro de poemas.

“O Inventário do Sal”, apresentado aqui na Póvoa pelo escritor Onésimo Teotónio Almeida, é, nas palavras de Postiga, um livro que dedica aos seus “conterrâneos das Caxinas e da Póvoa, mais concretamente às classes piscatórias” que explica lhe traçaram “a personalidade”. Fala da escrita como uma necessidade. Lembra que perdeu o rasto ao primeiro poema que escreveu “era sobre as gravuras de Foz Côa”. Mando-o para uma rádio local. O seu primeiro livro “Palavras Sem Preço” foi editado em 2014.

Autodidata, José Alberto Postiga assina regularmente uma crónica no Jornal Gazeta Lusófona dirigido à comunidade portuguesa na Suíça. Mas é a poesia que o faz. É essa a formula com que se quer exprimir.

A fechar a nossa conversa a olhar o mar da Póvoa de Varzim diz-nos um poema. Abre o livro. O poema chama-se “Mala Feita”: “Regressa a mim/a cada hoje/Um velho viajante/a quem o mar chama Filho”. “É isso que me sinto” acrescenta, “um filho deste mar verde e azul onde estamos agora a prender os olhos”.

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