30 set, 2024 - 08:11 • Ângela Roque
Leopoldina Reis Simões é assessora de imprensa em Portugal. O padre Paulo Terroso é responsável pelo departamento das Comunicações Sociais da arquidiocese de Braga. Desde 2021 que acompanham o processo sinodal de forma privilegiada: são assistentes da área de comunicação do Secretariado do Sínodo. Em declarações à Renascença não hesitam em considerar que a Igreja vive um momento histórico. O sacerdote fala mesmo numa experiência “transformadora”.
“É inédito aquilo que está a ser realizado, numa instituição com uma dimensão como a da Igreja, alguém lembrar-se de realizar uma consulta a nível mundial, muito diferente daquilo a que estávamos habituados na realização de um Sínodo”, afirma.
Considera normal que haja “dificuldades, até resistências”, mas acredita que a Igreja não ficará a mesma depois deste processo. “Essa é a minha expectativa, que é também a do Santo Padre, a que me uno: que a sinodalidade permaneça como um modo permanente de agir na Igreja, a todos os níveis. Ter uma mentalidade sinodal, de caminharmos juntos. E já há sinais de que está a acontecer”.
Leopoldina Reis Simões. "Sabemos que houve resistências. Continua a haver. E há polarização na Igreja. Mas penso que já não estamos iguais"
Para Leopoldina Reis Simões é difícil não se alegrar com a participação das mulheres neste Sínodo, uma das grandes novidades do processo. “Eu não sou participante, sou assistente, mas verdadeiramente sinto uma alegria muito grande, até privilegiada, de viver este momento único!”, sublinha. Discorda que as mulheres tenham lugares “por quotas, porque tem de ser, mas pelo valor que têm”. No Sínodo garante que já marcaram a diferença. “Na sessão sinodal do ano passado gostei muito de ouvir as mulheres, quando tomavam da palavra e davam conta do que lhes acontecia em termos locais, as dificuldades que tinham. Assim como gostei de ouvir os homens, mas ver ali uma presença feminina, valoriza muito o trabalho de discernimento da própria Igreja”.
De uma coisa tem a certeza, o processo sinodal que teve início há três anos já produziu frutos, apesar das dificuldades. “Sabemos que houve resistências. Continua a haver”, e nas reuniões e encontros sinodais, mesmo havendo “respeito e diálogo”, entre os participantes “há polarização”, porque “há quem queira uma Igreja ultra progressista, mas também há forças ultraconservadoras. Mas eu penso que já não estamos iguais. E não estou só a falar das paróquias, estou a falar de grupos de pessoas, instituições, de entidades da Igreja”.
Para esta portuguesa, que já foi responsável pela comunicação do Santuário de Fátima e tem hoje a sua empresa de assessoria,l há sinais positivos na Igreja em Portugal, com mulheres a ascenderem a cargos de relevo em algumas dioceses. E dá um exemplo: “Temos agora uma mulher à frente de um jornal católico, na diocese de Coimbra”.
Diz que a mudança resulta do caminho sinodal, mas sobretudo “daquele que tem sido o caderno de encargos do Santo Padre. Este Papa quer esta presença de todos, começa a dar o exemplo, que depois de lá chega às conferências episcopais, aos organismos da Igreja, às paróquias e às outras entidades. E com a conclusão do Sínodo só pode melhorar”.
Paulo Terroso. “Há dois anos nem conseguíamos imaginar que íamos ter mulheres a votar, se pensarmos bem nisso! As mudanças na Igreja são lentas, porque é uma realidade complexa”.
Paulo Terroso dá como exemplo a recente nomeação de uma ecónoma na diocese de Angra, que “nem sequer é uma leiga consagrada, uma freira, é uma economista”, para sublinhar que “aquilo que parecia quase impossível há algum tempo, é uma realidade que se começa a normalizar”.
Lembra que o Papa provocou mudanças no próprio Sínodo dos bispos, que se abriu aos leigos, homens e mulheres, e a outras igrejas cristãs. “Há dois anos nem conseguíamos imaginar que íamos ter mulheres a votar, se pensarmos bem nisso! É evidente que, na perspetiva secular, do mundo olhar para isto, soa quase a ridículo. As mudanças na Igreja são lentas, porque é uma realidade complexa”.
Para este responsável, a Igreja está a dar um sinal ao resto da sociedade. “É algo que às vezes esquecemos, mas a Igreja também tem essa função, essa missão de ser luz. Num mundo tão dividido, tão dilacerado, com tantas discórdias e guerras em curso, a capacidade de nos juntarmos, dialogarmos e tomarmos decisões em conjunto é uma luz para aquilo que estamos a viver neste momento”.
A segunda sessão da assembleia sinodal começa com um retiro, esta segunda e terça-feira. Os trabalhos vão decorrer de 2 a 27 de outubro, e incluem de novo uma oração ecuménica, para a qual o Papa convidou mais representantes de outras confissões cristãs. “Eram 12, agora vão ser 16”. Esse momento vai decorrer a 11 de outubro. “É a data que marca a abertura do Concílio Vaticano II: 11 de outubro de 1962. Há aqui também um peso simbólico que se acrescenta à intenção da oração”, refere Leopoldina Reis Simões.
Temas mais polémicos fora do Sínodo? "Nada do que emergiu da consulta a nível mundial foi deitado fora”
Por decisão do Papa, dez dos temas que surgiram da escuta que foi feita aos católicos no mundo inteiro – como o acolhimento dos homossexuais, a ordenação de homens casados, ou o diaconado feminino, entre outros – não vão ficar decididos neste Sínodo, mas estão a ser analisados em grupos de trabalho.
Paulo Terroso explica que o Papa percebeu que não se podia tratar de tudo em duas assembleias, porque “é preciso gente competente para estudar estes assuntos. Chegámos a um determinado nível que é preciso uma reflexão teológica, canónica, histórica, para chegarmos a conclusões seguras”. O que não significa que perderam importância.
“De tudo o que foi recolhido, que foi voz do povo de Deus, nada se perdeu. Há vozes críticas, que dizem que o Sínodo tinha sido esvaziado dos grandes temas. Não, não foi”.
Logo na abertura dos trabalhos, dia 2 de outubro, haverá uma congregação geral” onde estes 10 grupos vão dar conta do que estão a fazer. No dia 9 e no dia 16 realizam-se “dois fóruns teológicos pastorais, em que as pessoas até podem participar online. Portanto, nada do que emergiu da consulta a nível mundial foi deitado fora”, assegura.
“Se há uma coisa que o Papa Francisco nos habituou, é que ele decide. E está empenhadíssimo nesta que é uma grande reforma - não tenhamos medo de o dizer - da vida da Igreja”. E o Sínodo é “o sistema operativo” que a está a lançar.
Paulo Terroso e Leopoldina Reis Simões olham, por isso, com esperança para o futuro da Igreja que, acreditam, “já não deixará de ser sinodal”.