29 set, 2024 - 10:30 • Aura Miguel
O Papa despede-se da Bélgica com uma eucaristia aberta a toda a comunidade católica do país, no principal estádio da capital, onde não deixou de voltar a falar sobre o escândalo dos abusos.
Francisco aproveitou a homilia para reforçar que é importante não encobrir os abusos e pediu aos bispos para condenarem os abusadores.
"Com a mente e o coração volto à história de alguns destes pequenos que encontrei no outro dia. Ouvi-os, ouvi o seu sofrimento de abusados e repito-o aqui: na Igreja há lugar para todos, todos, todos, mas todos seremos julgados", assegura.
"Não há lugar para os abusos, não há lugar para a cobertura dos abusos", reforça, antes de deixar uma mensagem para os bispos. "Peço a todos: não encubram os abusos! Peço aos bispos: não encubram os abusos. Condenem os abusadores e ajudem a que se curem desta doença do abuso", reiterou, sendo aplaudido pela multidão.
"O Mal não se esconde: o mal deve ser posto a descoberto. Que se saiba, como fizeram alguns abusados, com coragem. Que se saiba e que seja julgado o abusador. Que seja julgado o abusador, seja ele leigo, leiga, padre ou bispo, que seja julgado", remata.
A visita de três dias à Bélgica ficou, de resto, marcada pelo escândalo dos abusos e, sobretudo, pelo confronto de algumas intervenções oficiais dirigidas ao Papa, não só pelo primeiro-ministro, perante as autoridades do país, e pelo reitor da Universidade Católica de Louvaina, no encontro com os docentes, mas também pelos alunos de Louvai-la-neuve. Esta última instituição, aliás, depois do discurso de Francisco aos estudantes, publicou mesmo um comunicado de contestação, onde se demarcam do discurso do Papa, manifestando “incompreensão e desaprovação” face às suas “posições conservadores sobre o papel da mulher na sociedade e na Igreja".
Na homilia deste domingo, e apesar de alguns lugares vazios, o acolhimento dos que vieram à missa foi caloroso.
“O caminho do egoísmo gera apenas fechamentos, muros e obstáculos – escândalos, portanto – que nos acorrentam às coisas e nos afastam de Deus e dos irmãos”, disse Francisco na homilia. “O egoísmo, como tudo o que impede a caridade, é escandaloso, porque esmaga os pequenos, humilhando a dignidade das pessoas e abafando o clamor dos pobres”.
O Santo Padre partilhou com os católicos da Bélgica algumas preocupações, nomeadamente, quando na base da vida das pessoas e das comunidades, “se colocam apenas os princípios do interesse próprio e da lógica do mercado, criando-se um mundo onde já não há lugar para quem está em dificuldade, nem misericórdia para quem erra, nem compaixão para quem sofre e não aguenta mais”.
Francisco apontou, como exemplo, a situação de tantos imigrantes sem documentos: "são pessoas, irmãs e irmãos que, como todos, sonham com um futuro melhor para si e para os seus e, em vez disso ficam muitas vezes sem ser escutados e acabam por ser vítimas de exploração”. Por isso, “o clamor dos pobres não pode ser ignorado, não pode ser eliminado, como se fossem uma nota dissonante no concerto perfeito do mundo da riqueza, nem pode ser silenciado através de uma forma de assistencialismo de fachada”, alertou.
Nesta celebração, o Papa aproveitou para beatificar Ana de Jesus, uma religiosa carmelita que viveu entre os séculos XVI e XVII e divulgou, a partir destes territórios, a obra de Santa Teresa d’Ávila. “Numa época marcada por dolorosos escândalos, tanto dentro como fora da comunidade cristã, ela e as suas companheiras, com uma vida simples e pobre feita de oração, trabalho e caridade, conseguiram trazer de novo tantas pessoas à fé a ponto de alguém descrever a sua fundação nesta cidade como um “íman espiritual”, afirmou. “Acolhamos, pois, com gratidão o modelo, simultaneamente delicado e forte, de santidade feminina que ela nos deixou”.
O Santo Padre termina, assim, a sua visita oficial ao coração da Europa, seguindo para Roma ao início da tarde.