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Nova cátedra na universidade católica.

“Queremos reavivar o diálogo com o judaísmo”

23 mar, 2022 - 17:05 • Ângela Roque

Responsável pela nova cátedra de Estudos Bíblicos Judaicos e Cristãos, da Universidade Católica, acredita que a iniciativa também vai ajudar a desenvolvera relação entre as duas religiões. Sessão pública de apresentação vai decorrer na próxima semana.

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A Universidade Católica Portuguesa vai apresentar na próxima semana a nova "Cátedra de Estudos Bíblicos Judaicos e Cristãos – Isaac Abravanel e Damião de Góis".

Integrada no CITER, o Centro de Investigação em Teologia e Estudos de Religião da UCP, a iniciativa foi aprovada por unanimidade pelo Conselho Científico da Faculdade de Teologia.

“Estou muito confiante ou não teria abraçado este projeto”, diz à Renascença Luísa Almendra, responsável pela nova cátedra, que acredita que a leitura conjunta dos textos bíblicos comuns do cristianismo e do judaísmo também irá contribuir para “aprofundar o diálogo” entre as duas religiões.

“Tem esta dupla vertente: reavivar e renovar os estudos bíblicos no ambiente cristão, mas este diálogo académico com o judaísmo também irá enriquecer o próprio cristianismo naquilo que são as suas leituras e interpretação do texto bíblico”. E garante que esta “é uma cátedra profundamente inovadora” em Portugal e não só.

“Com esta configuração também não existe - segundo a pesquisa que fiz - noutras partes do mundo. Nos EUA, em Roma (Itália) e em França, há centros de estudos judaicos, para as relações entre judaísmo e cristianismo, onde se faz algum deste trabalho de leitura conjunta dos textos bíblicos e com alguma produção científica já significativa, mas a área dos estudos bíblicos é só uma entre outras da relação entre judaísmo e o cristianismo”, refere.

“Aqui o foco está nos estudos bíblicos, como pressuposto e base fundamental para a construção de uma boa relação com o judaísmo”, mas “queremos que esta cátedra ajude as relações entre o judaísmo e o cristianismo a ultrapassarem uma fase de uma simples aproximação, simpatia, cordialidade, respeito. Que promova um conhecimento mais profundo, porque na verdade temos de melhorar a nossa linguagem sobre judaísmo, e o judaísmo a sua linguagem sobre cristianismo, e isso está muito vinculado à maneira como lemos o texto bíblico”, explica Luísa Almendra, que não tem dúvidas de que isso “é fundamental” para o diálogo entre as duas religiões.

“Já avançámos numa aproximação, com os últimos cinco pontificados. Desde o Concílio Vaticano II houve muitas iniciativas, momentos de oração conjunta, instituição de centros de estudos para as relações judaicas e cristãs, mas a certa altura começou-se a perceber que tinha de haver algo mais, que tinha de se passar deste nível de superficialidade para um nível de maior profundidade”, lembra esta responsável, para quem este “não é o único caminho, haverá outro envolvimento a fazer, mas este é fundamental, porque é nesta interpretação, escuta e leitura conjunta que se vai criar a oportunidade de um verdadeiro diálogo em profundidade”.

Quem dá nome à Cátedra?

A nova Cátedra de Estudos Bíblicos Judaicos e Cristãos tem dois nomes associados: Isaac Abravanel e Damião de Góis. “Queríamos que tivesse o nome de um judeu e o de um cristão, estudiosos das escrituras”, conta Luísa Almendra.

Na investigação que fizeram foram dar a Isaac Abravanel. “Foi um rabino da comunidade judaica de Lisboa, que nasceu no século XV e morreu no seculo XVI, no exílio”. O outro nome teria de ser contemporâneo, e optaram por Damião de Góis, “um grande humanista do século XVI, diplomata, historiador e estudioso da Bíblia, e que trabalhou em relação às escrituras judaicas numa perspetiva cristã”. “Foram os dois perseguidos pela fé, pela sua liberdade de expressão e investigação, nisso estão unidos, e representam o espírito da cátedra”, sublinha.

A sessão pública de apresentação vai decorrer no próximo dia 29 de março, às 17h30, na sede da Universidade Católica, em Lisboa. Vai ser presidida pelo cardeal patriarca D. Manuel Clemente, Magno Chanceler da UCP e pela reitora Isabel Capeloa Gil, tendo duas intervenções previstas, uma a de Amy Jill Levine, uma das responsáveis pelo ‘Anoted Jewish New Testament’ (‘Novo Testamento com Anotações Judaicas’), publicação que reúne um vasto número de académicos judeus e cristãos.

“É uma professora judia, americana, que dedicou toda a sua vida ao estudo no Novo Testamento, o que é verdadeiramente inovador. É muito apaixonada pelo Jesus judeu, e tem feito um trabalho extraordinário neste campo do diálogo e da leitura conjunta das escrituras judaicas e cristãs”, explica Luísa Almendra.

A outra intervenção será de Etienne Veto, diretor do Centro Cardeal Bea de Estudos Judaicos da Universidade Gregoriana, em Roma. “Este Centro é geminado com o Instituto de Estudos Cristãos da Universidade hebraica de Jerusalém. Têm os estudos judaicos numa universidade católica e os estudos cristãos numa universidade hebraica, e colaboram com programas de estudo conjunto. Ele virá falar-nos de como se inscrevem estes estudos bíblicos conjuntos no diálogo entre judaísmo e cristianismo”.

A nova cátedra “é aberta ao público em geral”, e pretende organizar uma série de eventos “a partir do verão”, espera Luísa Almendra, que não fecha a porta a que venham a promover um curso para o ensino do hebraico bíblico. “Já recebemos alguns pedidos nesse sentido”, revela.

O plano de atividades, presenciais e online, vai contar com a participação de vários académicos judeus, interagindo com académicos cristãos, por exemplo “sobre as narrativas da Criação, que estão muito ligadas a todas estas questões ecológicas”. Mas estão previstos “outros temas importantes em relação ao Novo Testamento, a pessoa de Jesus vista pelo judaísmo e pelo cristianismo”.

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