Tempo
|
A+ / A-

“Somos aquilo que desejamos”, diz o Papa Francisco

06 jan, 2022 - 09:55 • Olímpia Mairos

Na homília da missa que assinalou este Dia de Reis, no Vaticano, Francisco desafiou os crentes a não terem medo de encontrar “caminhos novos”, porque é a isso que são chamados no processo sinodal que está a decorrer.

A+ / A-

O Papa alertou, esta quinta-feira, que a crise da fé tem a ver “com o desaparecimento do desejo de Deus”, a “sonolência do espírito” e com o hábito de nos “contentarmos em viver o dia a dia, sem nos interrogarmos acerca daquilo que Deus quer de nós”.

“Debruçamo-nos demasiado sobre os mapas da terra e esquecemo-nos de erguer o olhar para o céu; estamos empanturrados com muitas coisas, mas desprovidos da nostalgia do que nos falta. Fixamo-nos nas necessidades, no que havemos de comer e vestir (cf. Mt 6, 25), deixando dissipar-se o anseio por aquilo que o ultrapassa. E deparamo-nos com a bulimia de comunidades que têm tudo e muitas vezes já nada sentem no coração. Porque a falta de desejo leva à tristeza e à indiferença”, disse Francisco na homília da missa da Solenidade da Epifania do Senhor.

Apontou o exemplo dos Magos, que peregrinaram a Belém, movidos pela inquietação interior de encontrarem o Menino Deus, destacando que a saudável inquietação nasceu do desejo.

“Desejar significa manter vivo o fogo que arde dentro de nós e nos impele a buscar mais além do imediato, mais além das coisas visíveis. É acolher a vida como um mistério que nos ultrapassa, como uma friesta sempre aberta que nos convida a olhar mais além, porque a vida não é «toda aqui», é também «noutro lugar». É como uma tela em branco que precisa de ser colorida”.

O Papa evocou ainda Van Gogh, sobre a “necessidade de Deus que o impelia a sair de noite para pintar as estrelas”, explicando que tal “deve-se ao facto de Deus nos ter feito assim: empapados de desejo; orientados, como os Magos, para as estrelas”.

“Somos aquilo que desejamos. Porque são os desejos que ampliam o nosso olhar e impelem a vida mais além: além das barreiras do hábito, além duma vida limitada ao consumo, além duma fé repetitiva e cansada, além do medo de arriscar, de nos empenharmos pelos outros e pelo bem”, disse Francisco.

Desafia os cristãos a procurarem “caminhos novos”

Falando para dentro da Igreja, o Papa pediu aos cristãos que não fiquem bloqueados numa “religião convencional”.

“Como no caso dos Magos, também a nossa viagem da vida e o nosso caminho da fé têm necessidade de desejo, de impulso interior. Precisamos disso como Igreja”, afirmou, explicando que “será bom perguntar-nos: a que ponto estamos nós na viagem da fé? Não estaremos já há bastante tempo bloqueados, estacionados numa religião convencional, exterior, formal, que deixou de aquecer o coração e já não muda a vida? As nossas palavras e ritos despertam no coração das pessoas o desejo de caminhar ao encontro de Deus ou são «língua morta», que fala apenas de si mesma e a si mesma?”

“É triste quando uma comunidade de crentes já não tem desejos, arrastando-se, cansada, na gestão das coisas, em vez de se deixar levar por Jesus, pela alegria explosiva e desinquietadora do Evangelho”.

Francisco desafiou, depois, os crentes a seguirem o exemplo dos magos e a não terem medo de encontrar “caminhos novos”, porque é a isso que são chamados no processo sinodal que está a decorrer.

“É preciso voltar a partir sempre cada dia, tanto na vida como na fé, porque a fé não é uma armadura que imobiliza, mas uma viagem fascinante, um movimento contínuo e inquietador, sempre à procura de Deus”, disse Francisco.

O pontífice apontou ainda a uma “fé corajosa, profética, que não tenha medo de desafiar as lógicas obscuras do poder, tornando-se semente de justiça e fraternidade numa sociedade onde, ainda hoje, muitos “herodes” semeiam morte e massacram pobres e inocentes, na indiferença da multidão”.

E aludindo mais uma vez ao exemplo dos Magos, que depois de adorarem Jesus regressaram por outro caminho, Francisco explicou que tal atitude “provocam-nos a percorrer estradas novas”, porque “é a criatividade do Espírito, que faz sempre coisas novas”.

“É também uma das tarefas do Sínodo: caminhar numa escuta conjunta, para que o Espírito nos sugira caminhos novos, estradas para levar o Evangelho ao coração de quem é indiferente, vive alheado, de quem perdeu a esperança, mas procura aquilo que sentiram os Magos: uma «imensa alegria»”.

Quase a terminar a homilia, o Papa lembrou que “a viagem da fé só encontra ímpeto e cumprimento na presença de Deus”, porque “só Jesus cura os desejos” das ditaduras das necessidades e eleva “os desejos; purifica-os, cura-os, sanando-os do egoísmo e abrindo-nos ao amor por Ele e pelos irmãos”.

“Deixemo-nos transformar por Jesus”, pediu Francisco, na certeza de que “mesmo nas noites mais escuras, brilha uma estrela”.

“É a estrela de Jesus que vem cuidar da nossa frágil humanidade”, afirmou o Papa, pedindo que “não demos à apatia e à resignação a força de nos cravar na tristeza duma vida medíocre”.

“O mundo espera dos crentes um renovado ímpeto para o Céu. Como os Magos, levantemos a cabeça, ouçamos o desejo do coração, sigamos a estrela que Deus faz brilhar sobre nós. Como buscadores inquietos, permaneçamos abertos às surpresas de Deus. Sonhemos, procuremos, adoremos”, concluiu.

Comentários
Tem 1500 caracteres disponíveis
Todos os campos são de preenchimento obrigatório.

Termos e Condições Todos os comentários são mediados, pelo que a sua publicação pode demorar algum tempo. Os comentários enviados devem cumprir os critérios de publicação estabelecidos pela direcção de Informação da Renascença: não violar os princípios fundamentais dos Direitos do Homem; não ofender o bom nome de terceiros; não conter acusações sobre a vida privada de terceiros; não conter linguagem imprópria. Os comentários que desrespeitarem estes pontos não serão publicados.

Destaques V+