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Papa em Chipre

Papa quer que Chipre se torne um “laboratório de fraternidade”

03 dez, 2021 - 14:37 • Filipe d'Avillez

Francisco ouviu os testemunhos de vários imigrantes que se encontram em Chipre à espera de conseguir chegar à União Europeia e comoveu-se com as suas experiências.

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O Papa Francisco despediu-se esta sexta-feira de Chipre com os votos de que a ilha, que se encontra dividida entre uma parte grega e outra turca e acolhe o maior número de refugiados e imigrantes ilegais da União Europeia, em proporção à sua população, se transforme num “laboratório de fraternidade”.

Francisco presidiu a um encontro ecuménico numa das poucas igrejas católicas da Capital de Chipre, Nicósia, e ouviu os testemunhos de quatro migrantes que se encontram naquele país.

Em resposta, o Papa admitiu ter ficado comovido com as palavras que escutou. “Depois de vos ter ouvido, compreendemos melhor toda a força profética da Palavra de Deus, que diz através do apóstolo Paulo: ‘Já não sois estrangeiros nem imigrantes, mas sois concidadãos dos santos e membros da casa de Deus’”, disse Francisco, acrescentando que “esta é a profecia da Igreja: uma comunidade que – com todas as suas limitações humanas – encarna o sonho de Deus. Pois Deus também sonha, como tu, Mariamie, que vens da República Democrática do Congo e te definiste ‘cheia de sonhos’. Como tu, Deus sonha um mundo de paz, onde os seus filhos vivam como irmãos e irmãs.”

Em resposta a um imigrante iraquiano, Francisco recordou a comum humanidade de todos os homens. “Quando tu, Rohz, que vens do Iraque, dizes que és ‘uma pessoa em viagem’, lembras-nos que também nós somos comunidade em viagem, caminhamos do conflito para a comunhão. Neste caminho, que é longo e feito de subidas e descidas, não nos devem meter medo as diferenças entre nós, mas sim os nossos fechamentos e preconceitos, que impedem de nos encontrarmos verdadeiramente e de caminharmos juntos. Os fechamentos e os preconceitos reconstroem entre nós aquele muro de separação que Cristo derrubou, ou seja, a inimizade”, diz o Papa.

E é precisamente em Cristo, afirma Francisco, que essa comum humanidade encontra a sua maior expressão. “Ele, o Senhor Jesus, vem ao nosso encontro com o rosto do irmão marginalizado e descartado; com o rosto do migrante desprezado, repelido, engaiolado, mas também – como disseste tu – do migrante que está em viagem rumo a algo, rumo a uma esperança, rumo a uma convivência mais humana.”

“E assim Deus fala-nos através dos vossos sonhos. Chama-nos também a não nos resignarmos com um mundo dividido, com comunidades cristãs divididas, mas a caminhar na história atraídos pelo sonho de Deus: uma humanidade sem muros de separação, liberta da inimizade, sem mais estrangeiros, mas apenas concidadãos. Diferentes, claro, e orgulhosos das nossas peculiaridades, que são dom de Deus, mas concidadãos reconciliados.”

Quem sou? Sou teu irmão

Neste que foi o seu último ato público na ilha de Chipre, Francisco recordou a história de divisão que a própria ilha vive, com uma parte turca e outra grega e a própria capital dividida, e desejou a todos os presentes que deixem que essas feridas se transformem em graça.

Possa esta ilha, marcada por uma dolorosa divisão, tornar-se com a graça de Deus um laboratório de fraternidade. E poderá sê-lo sob duas condições. A primeira é o reconhecimento efetivo da dignidade de toda a pessoa humana: tal é o fundamento ético, um fundamento universal que está no centro também da doutrina social cristã. A segunda condição é a abertura confiante a Deus Pai de todos; e este é o ‘fermento’ que somos chamados a levar como crentes”, disse o Papa.

Recordando ainda o testemunho de uma migrante que partilhou que muitas vezes era questionada sobre quem é, Francisco terminou o seu discurso com uma resposta. “Sob estas condições, é possível que o sonho se traduza numa viagem diária, feita de passos concretos, do conflito à comunhão, do ódio ao amor. Um caminho paciente que, dia após dia, nos faz entrar na terra que Deus preparou para nós, na terra onde, se te perguntarem ‘quem és?’, podes responder com toda a franqueza: ‘sou teu irmão’.”

Desviando-se do texto que tinha preparado, o Papa terminou o seu discurso lembrando que ao contrário dos que estavam presentes na Igreja, muitos migrantes e refugiados ficaram pelo caminho, não tendo sobrevivido à travessia do Mediterrâneo, que se tem transformado, nas palavras de Francisco, num "grande cemitério".

“Vós chegastes até aqui, mas quantos irmão e irmãs ficaram pelo caminho? Quantos desesperados se puseram ao caminho em condições muito difíceis e até precárias, e não conseguiram chegar. Que possamos falar deste mar que se transformou num grande cemitério. Digo-vos isto porque é da minha responsabilidade ajudar-vos a abrir os olhos.”

O Papa criticou ainda a indiferença e o facto de tantas pessoas se terem simplesmente habituado às notícias de mais mortes e desaparecidos no mar.

"Falo disto porque tenho a obrigação de ajudar a abrir os olhos", disse o Papa, que reservou também muitas críticas para quem insiste em fechar as portas e as fronteiras aos refugiados. "Que o Senhor desperte a consciência de todos nós para esta situação", concluiu.

Após esta celebração ecuménica Francisco retira-se para descansar. Na manhã de sábado segue diretamente para o aeroporto e apanha um voo para a Grécia, onde passará dois dias antes de voltar para Roma na segunda-feira.

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