08 out, 2021 - 07:31 • Maria João Costa
“O momento do nascimento do calendário gregoriano foi um dos maiores empreendimentos científicos coletivos do século XVI”, explica Henrique Leitão, e houve um português que deu o seu contributo. O manuscrito saiu agora da Biblioteca do Vaticano e está exposto no Pavilhão da Santa Sé, na Expo Dubai, nos Emirados Árabes Unidos
O documento é assinado por Tomás da Orta que era, segundo Henrique Leitão, investigador de História e Filosofia das Ciências da Universidade de Lisboa, “cosmógrafo mor” e “tinha um cargo muito importante como consultor de assuntos técnicos junto da corte”.
Em entrevista ao programa Ensaio Geral da Renascença, o Prémio Pessoa lembra que Tomás da Orta estava “ligado a atividades técnicas, náuticas e cartográficas, mas era também médico na corte”.
É aliás nessa condição de médico, que assina o documento enviado a Roma de resposta ao repto lançado pelo então Papa Gregório XIII para uma reforma do calendário juliano, naquilo a que se viria a transformar no calendário gregoriano, até hoje usado.
Henrique Leitão que há vários anos estuda a temática explica que Roma quis na altura lançar a discussão e enviou “aos melhores matemáticos do mundo” esse pedido de auscultação. Portugal foi incluído na lista.
Roma queria que a sua proposta fosse comentada pelo matemático Pedro Nunes. “Sucede que Pedro Nunes, recebe a proposta, mas já estava muito velho, portanto já não teve tempo para se pronunciar”, conta Henrique Leitão.
O coordenador da Comissão Científica da edição das Obras de Pedro Nunes diz que então, Roma insistiu e quis na mesma que houvesse uma resposta portuguesa. São “Tomás da Orta e Manuel Mendes Vizinho” que respondem, indica Leitão.
O documento agora exposto no Dubai, na exposição do Pavilhão da Santa Sé, “é a resposta de um dos matemáticos ou astrónomos portugueses que foi consultado para se pronunciar sobre a proposta de reforma do calendário que Roma estava a pensar fazer.
Tomás da Orta, era “um especialista técnico muito perto da corte portuguesa” e envia o seu parecer para o Vaticano. Estava em curso uma das maiores revoluções científicas da época, aponta Henrique Leitão que explica: “É preciso perceber que o problema do calendário, foi um enorme problema científico durante séculos. E que, finalmente, no final do século XVI está a ter a sua resolução patrocinada por Roma, mas consultando todos os maiores especialistas da Europa”.
Este momento fundador do calendário gregoriano que foi nas palavras de Leitão “um dos maiores empreendimentos científicos coletivos do século XVI” não chegou, contudo, a incluir as ideias do português Tomás da Orta.
Perante “aquela proposta que a equipa técnica de Roma tinha pensado para reformar o calendário, Tomás da Orta diz que não se deve ir por esse caminho”, explica Henrique Leitão. O académico, acrescenta que Tomás da Orta reconhecia a necessidade da reforma do calendário, mas foi “muito cuidadoso a identificar os erros”.
Sobre a proposta da autoria de Tomás da Orta, “sabemos que foi lida com muita atenção em Roma, mas não foi adotada”, remata Henrique Leitão. Ainda assim, 500 anos depois é mostrada aos olhos do mundo na Expo do Dubai.