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Submissão da mulher? Conferência Episcopal contextualiza texto polémico de São Paulo

25 ago, 2021 - 11:53 • Redação com Lusa

Nota de eslarecimento quer fazer "justiça ao sentido do texto" e lembra que os "textos não se mudam, educam-se os leitores."

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Uma passagem de uma epístola de São Paulo, lida na missa do passado domingo, tem estado a provocar polémica, levando a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) a emitir uma nota de esclarecimento.

Foram feitos vários comentários nas redes sociais, criticando o texto, principalmente à luz das preocupações que têm sido manifestadas pela situação das mulheres no Afeganistão com a chegada ao poder dos talibãs. “Sem entrar em polémicas, é preciso ver com atenção alguns aspetos da leitura de São Paulo, procurando fazer justiça ao sentido do texto”, começa por dizer o texto publicado no site do CEP.

“Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo. As mulheres submetam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja, seu Corpo, do qual é o Salvador. Ora, como a Igreja se submete a Cristo, assim também as mulheres se devem submeter em tudo aos maridos. Maridos, amai as vossas mulheres, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela… Assim devem os maridos amar as suas mulheres, como os seus corpos. Quem ama a sua mulher ama-se a si mesmo. Ninguém, de facto, odiou jamais o seu corpo, antes o alimenta e lhe presta cuidados, como Cristo à Igreja; porque nós somos membros do seu Corpo. Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua mulher, e serão dois numa só carne. É grande este mistério, digo-o em relação a Cristo e à Igreja”, lia-se na passagem bíblica - tirada da Carta aos Efésios - que integrava as leituras da eucaristia do último domingo.

“Tenha-se em conta que Paulo se situa no contexto legal do direito familiar romano, que concedia melhores direitos às mulheres do que a maioria das culturas da época, mas que não deixava de pôr em relevo o papel do marido como ‘pater familias - pai de família’, como titular da família no seu conjunto e garantia dos direitos e deveres de cada um e o seu funcionamento relacional e social”, lê-se na nota, que alerta para o facto de este quadro ter permanecido “nas gerações sucessivas, concretamente no direito português, até há pouco tempo”.

Para o CEP, “o que causa escândalo, nos dias de hoje, é o conceito de 'submissão' proposto à mulher. Não se trata, porém, de algo exclusivamente aplicada às mulheres, mas a todos. A leitura começa precisamente por dizer: «Sede submissos uns aos outros no temor de Cristo». Em Paulo, esta submissão não significa menor importância ou subserviência, mas o dar prioridade aos outros, como forma de atenção e cuidado; não centrar a vida e o pensar em si próprio, mas no amor que deve regular todo o relacionamento entre pessoas”.

Paulo aplica este quadro jurídico-social à instituição familiar, como princípio da mútua atenção e cuidado, afirmando duas coisas. Em primeiro lugar, dê-se o devido cuidado e prioridade (submeta-se) à relação familiar que tem como representante social o marido, na sua relação com a esposa. Este princípio básico, que se aplica à mulher, mas igualmente aos outros membros da família, é completado com aquilo que o “pai de família” representa: o amor, antes de mais aplicado ao amor entre os esposos: “Maridos, amai as vossas esposas, como Cristo amou a Igreja e Se entregou por ela”.

Esta proposta, necessariamente complementar à que é dirigida à mulher, deve ser vista com duas perspetivas que aclaram todo o texto. Primeiramente, o “amor” e a “submissão” não se aplicam apenas a um dos esposos, mas são a lei básica do relacionamento humano, segundo o Evangelho: “Saberão todos que sois meus discípulos se vos amardes uns aos outros.” Em segundo lugar, a medida do amor é reportada a Cristo, que “amou a Igreja e Se entregou por ela”.

Na nota divulgada, a própria CEP questiona por que razão, tendo em conta a possibilidade de “interpretações incorretas”, não se muda o texto?

“A pergunta tem a sua razão de ser, mas é claro para a Igreja e para quem quiser interpretar textos e tradições com origem noutras culturas e noutros tempos: os textos não se mudam, mas educam-se os leitores a entendê-los e a atualizá-los”, considera a Conferência Episcopal, acrescentando que, “por exemplo, não se mudam os versos épicos de Camões, porque não correspondem à mentalidade atual e até, em alguns casos, podem causar escândalo”.

“Isso seria cair na arbitrariedade e na ditadura das modas e na imposição da cultura única. É por isso que se estuda Camões nas escolas, para que todos tenham acesso à beleza dos seus versos, dentro dos condicionalismos da sua época", adianta a CEP, frisando que "a Palavra de Deus permanece viva e atual e é importante que seja escutada sempre com a sua sonoridade original”.

Comentários
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  • Otília Rodrigues
    25 ago, 2021 Mem Martins 20:36
    Como pode ser o homem é a cabeça da mulher? Uma frase com contexto discriminatório.
  • Ivo Pestana
    25 ago, 2021 Madeira 14:57
    Muito bom. Aconselho aos críticos da Sagrada Escritura a estudarem hermenêutica. Deus sabe o que escreve, mas nós só complicamos e compreendemos com o nosso intelecto. É preciso alma, nestas matérias. Como diziam os antigos, Santa Ignorância.

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