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​A pandemia e as suas lições - a visão da Igreja portuguesa

Bispo de Vila Real. “Pandemia poderá ser uma espécie de acelerador de algumas mudanças”

02 jun, 2021 - 06:44 • Henrique Cunha

D. António Augusto Azevedo lembra que um país que se organize apenas à volta de dois ou três polos, é desequilibrado, injusto e empobrecido. Em entrevista à Renascença fala das dificuldades provocadas pelo despovoamento do Interior e diz que a pandemia reforçou a necessidade de uma reflexão sobre que país virá a seguir.

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O bispo de Vila Real entende que “a pandemia, para a Igreja e também para a sociedade, veio destapar algumas fragilidades, mas poderá ser uma espécie de acelerador de algumas mudanças necessárias”. Uma das mudanças que é necessário pensar rapidamente, de acordo com D. António Augusto Azevedo, está relacionada com “o modelo de sociedade e de país que queremos no futuro”.

"Tem havido excelentes reflexões nesse aspeto, sobre incentivos à natalidade, incentivos ao crescimento económico e ao progresso económico”, aponta D. António Augusto, para quem. contudo, a questão é mais vasta: "No fundo, passará por nós refletirmos sobre que país queremos ser, sobre que tipo de sociedade e de organização social pretendemos."

"Uma sociedade e um país que se organize apenas em torno de um ou dois ou três polos é um país muito mais desequilibrado e, obviamente, por consequência, muito mais injusto, e portanto, um pais mais empobrecido”, sentencia.

“Esta questão de definir o que é que queremos para o Interior deve ser bem refletida, mas não ficar apenas nas reflexões, passando-se a ações muito concretas”, defende o prelado, que tem a expetativa de que o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) “ajude nalguma coisa\".

"Tenho algumas indicações de que alguma coisa poderá ser feita, mas tenho sempre algum ceticismo”, explcia-se.

"Vai ser preciso, durante algum tempo, prolongar algumas ajudas”

Do ponto de vista social, o que mais preocupa o bispo de Vila Real é a questão do desemprego, porque “há sectores que ficaram muito debilitados e que se estão a tentar erguer, como são os casos do turismo e do comércio, mas, evidentemente, estão ainda muito fragilizados e, portanto, não vai ser fácil para alguma gente que perdeu o seu emprego encontrar, no imediato, resposta que corresponda às suas expetativas”.

Neste quadro, “vai ser preciso, durante algum tempo, prolongar algumas ajudas”, defende D. António Augusto.

“As moratórias e os 'lay off' estão para acabar e é preciso olhar a médio e longo prazo, dado que temos ainda pela frente um desafio enorme, que é o da sociedade dar todo o apoio a quem vai ficar mais vulnerável”, acrescenta.

O bispo de Vila Real defende uma particular atenção "para um sector que muitas vezes não é suficientemente referido e que diz respeito aquelas pessoas que estão a iniciar a sua vida, que planeiam casar, que estão a chegar ao mercado de trabalho, que estão a acabar os seus cursos”.

“Essa geração que viu muitos dos planos adiados também está numa situação muito vulnerável, também precisa de uma atenção muito particular, de toda a sociedade”, defende.

"A Igreja, certamente, não deixará de estar ao seu lado e de tentar também ajudá-los”, garante.

"Na Igreja, vai ser preciso mais generosidade, mais partilha, mais apoio, mais atenção”

D. António Augusto Azevedo lembra “o enorme desafio" que se coloca a "esta zona do interior, que não pode ficar esquecida”, mas distingue que o impacto sentido no campo “não teve a dimensão do verificado nos centros urbanos da diocese, que também os há e bem bonitos por sinal”.

“Diria que o impacto no interior foi mais notório nas cidades e nas vilas do que nas aldeias, onde, infelizmente, já há pouca gente e onde as poucas pessoas que existem tentaram manter os seus ritmos de vida”, avalia.

"Como ainda há uma base agrícola nas aldeias, isso permite ter um nível de rendimentos e de subsistência que, de certo modo, serve de almofada para que não haja situações tão graves de pobreza como há, muitas vezes, nas zonas que circundam as grandes metrópoles”, nota.

Nessas áreas onde "há muita gente que ainda cultiva a sua terra, que tem a sua profissão e que vai fazendo alguma agricultura”, não haverá "tantos casos de uma pobreza tão premente neste bonito interior do país”.

Lição n.º 1: Igreja deve adaptar-se e pensar “a sustentabilidade de algumas comunidades paroquiais”

No plano da situação pastoral em quadro pandemia, o bispo diz que a crise sanitária "destapou algumas fragilidades" que se verificam "em muitas comunidades", além de ter também "destapado alguns métodos e algumas práticas pastorais que precisavam de alguma adaptação e de alguma renovação”.

”A pandemia veio destapar essas vulnerabilidades, mas veio também ser uma espécie de acelerador dessas mudanças”, acrescenta o bispo lembrando que “rapidamente, foi necessária uma adaptação a novas tecnologias, a novos ritmos, a novas respostas”.

"Não vai ser fácil para alguma gente que perdeu o seu emprego encontrar, no imediato, resposta”

Uma das respostas que vai ter de ser dada está relacionada com o retomar normal da atividade litúrgica e com “a assiduidade à eucaristia”. D. António Augusto está preocupado com esta questão porque “já há indícios de que vai ser necessário um grande esforço para que as pessoas retomem o seu ritmo normal, até porque muitas delas ainda estão um pouco receosas".

"Vai ser preciso um grande esforço, desse ponto de vista. Vai ser preciso também uma maior criatividade na reorganização de alguns aspetos da vida da Igreja e vai ser necessária, também, uma maior atenção às questões económicas porque algumas comunidades verificaram que, porventura, não terão muitas condições de sustentabilidade."

O bispo de Vila Real pensa que “tudo isso vai precisar de uma maior atenção, porque não haverá o risco de terem de fechar portas, mas algumas comunidades terão de refletir sobre o problema e isso passa sempre por um maior apelo à generosidade dos cristãos e passa também por desenvolver alguns aspetos, algumas modalidades de partilha”.

“Na Igreja, vai ser preciso mais generosidade, mais partilha, mais apoio, mais atenção e julgo que com esses ingredientes será possível atenuar algumas dificuldades”, diz o bispo, que viu, cerca de apenas meio ano da entrada na diocese, muitos dos seus planos “serem um bocadinho afetados pela pandemia".

Lição n.º 2: As implicações da pandemia nas instituições sociais

No início deste ano, D. António Augusto Azevedo alertou para aumento preocupante de pedidos de ajuda à Cáritas e, na sua mensagem para a Quaresma, defendeu que “para fazer face ao crescente aumento de casos de emergência”, a instituição diocesana “precisava de ver reforçada a solidariedade de todos os diocesanos”

Houve uma duplicação dos pedidos de apoio e, nesta altura, o bispo diz que a situação não se alterou, "sobretudo, no meio mais urbano, onde o número de pedidos de ajuda continua a aumentar”.

D. António Augusto recorda que “a situação social na primeira fase teve muitas e graves implicações, por exemplo, nas instituições sociais, como são os casos das IPSS e Misericórdias”, mas, “passada a fase mais aguda, as instituições estão a tentar reequilibrar a sua vida, estão a tentar reorganizar-se para continuar a prestar os melhores cuidados possíveis e tentar corresponder às múltiplas situações e pedidos”.

“Uma delas é a Cáritas que, tanto quanto sei, mantém esse padrão [de aumento de pedidos de ajuda], fenómeno que, nos próximos meses, poderá acentuar-se”, adianta

"O papel da Igreja é sempre alertar para os problemas”

D. António Augusto Azevedo revela que “as instituições como a Cáritas estão a tentar organizar os seus recursos para responder às várias solicitações que vão chegando, num número sempre crescente” e que “está a haver um esforço mesmo na recolha de fundos e de meios para poder responder a essas solicitações”.

Lição n.º 3: Combate à solidão e apoio solidário no luto

Para além da preocupação com a situação social e económica, do ponto de vista pastoral, o bispo de Vila Real sublinha a necessidade de se continuar a dar particular atenção às situações de solidão e de se continuar o “esforço de estar próximo” dos que por estes dias fazem o seu luto.

Relativamente à questão da solidão, o prelado lembra o “quadro em que estão várias aldeias, com pessoas muito isoladas”, realidade que não deverá alterar-se. Ainda assim, o bispo entende que “o aspeto de solidão que foi mais reforçado com esta pandemia foi o do isolamento nas cidades”, que, contudo, “poderá ficar mais equilibrado com a abertura que já estamos a viver”.

Por outro lado, o bispo alerta para “todos os efeitos psicológicos do luto e de todas as feridas interiores, que vão levar algum tempo a passar”.

Neste caso, D. António Augusto enaltece “o grande esforço que pastores, padres e cristãos têm feito para poderem estar ao lado das pessoas e das famílias”.

“Notei que as comunidades, mesmo com algumas limitações, procuraram sempre manifestar o seu apoio, a sua presença, a sua solidariedade, havendo atenção redobrada a este especto de não deixar as famílias sós”, sublinha, apontando “a experiência muito interessantes de os padres celebraram as missas de sétimo dia com essas famílias”.

"São marcas que, no meio da dor, irão perdurar”, acrescenta.

Lição n.º 4: Planos pastorais têm de ter em conta a realidade

Nesta entrevista, D. António Augusto Azevedo reconhece “o forte impacto que a pandemia teve sobre o ponto de vista pastoral”.

“Foi um impacto muito forte porque condicionou a realização de celebrações e a Igreja é uma realidade comunitária, a Igreja é encontro, é assembleia, é convocação. Tudo que coloque dúvidas ou entraves a qualquer uma dessa expressões, certamente que é negativo”; diz.

"O impacto no Interior foi mais notório nas cidades e nas vilas do que nas aldeias”

Para o bispo de Vila Real, é fundamental “ter agora em conta a realidade onde se vive na preparação de um qualquer plano pastoral”.

"Esse plano também tem de ter em conta a forma de pensar e os contributos das mesmas populações”, alerta, lembrando que “a realidade não é totalmente uniforme, é muito rica e muito diversificada”.

O bispo lembra que “há tendências de fundo que se mantêm, nomeadamente as que são fruto desse despovoamento que não é uniforme e que se manifesta mais nalgumas zonas do que noutras”.

“O plano, a organização e as respostas da Igreja têm de ter em conta essa realidade”, sublinha. "Como a Igreja vive deste mundo”, apesar de “não ser deste mundo”, o bispo de Vila Real garante que ela "não é alheia às dificuldades dos mais pobres, à dificuldade dos que ficaram sem emprego” e, assim, “na Igreja haverá sempre uma atenção particular a esses aspetos”.

"Vai ser necessário um grande esforço para que as pessoas retomem o seu ritmo normal”

Por outro lado, D. António Augusto sublinha que a Igreja tem sempre de ter em conta que "os meios económicos de que precisa são apenas os necessários para a sua própria missão” e que “não há nem pode haver outro tipo de objetivos”.

D. António Augusto Azevedo recorda que “em cada momento da história, em cada época foi possível encontrar os meios necessários”, alertando, por outro lado, para o facto de “há que ter alguma atenção para que a Igreja e os seus pastores não sigam de forma tão próximo alguns modelos da própria sociedade, porque a sociedade cultiva um modelo de gestão, um modelo de administração que não deve ser exatamente replicado na Igreja”.

“A competência sim, a dedicação ainda mais. Agora, o espírito, a atitude com que se está tem de ser necessariamente diferente."

Lição n.º 5: Necessidade de alerta constante para que “à histeria coletiva não suceda o silêncio”

Admite que “muito provavelmente” situações como a ocorrida em Odemira “se verifiquem em outras zonas do país”.

D. António Augusto Azevedo reitera a ideia de que Odemira “é uma questão que a Igreja já tinha identificado e que, inclusivamente, a Conferência Episcopal Portuguesa tinha feio há alguns meses uma menção genérica a essa questão”.

"O papel da Igreja é sempre alertar para os problemas, denunciar quando estão em causa princípios básicos, como os direitos humanos, o respeito pela vida e dignidade das pessoas, e tentar criar condições para o diálogo, para soluções justas e adequadas”, defende.

O bispo diz que o aconselhável “é que todos estejam atentos aos reais problemas, aos problemas mais importantes, de modo que, assim que for necessário, possa haver condições para que numa fase muito inicial os problemas sejam encarados e resolvidos de forma equilibrada e de forma harmoniosa”.

D. António Augusto Azevedo classifica como "essencial" que haja pedagogia e a criação de condições "para que esse diálogo social e essa responsabilidade social estejam presentes”, pois, caso contrário,” cairemos nisto em que estamos a cair, que é passar muito rapidamente de um total silêncio, de total alheamento da sociedade para uma histeria coletiva”.

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  • Ivo Pestana
    03 jun, 2021 Funchal 11:34
    A começar na nossa Igreja. É preciso ser feliz e saber viver com pouco. Muitos representantes do Clero não sabem gerir dinheiro.

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