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Reabertura do Santuário de Nossa Senhora de Aires. “Temos de nos engalanar por dentro”

14 mai, 2021 - 13:04 • Rosário Silva

Arcebispo de Évora mostra-se feliz com o momento que contará com a presença do cardeal D. José Tolentino Mendonça.

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Depois de ter sido alvo de um projeto de conservação e requalificação, num investimento de quase dois milhões de euros, o Santuário de Nossa Senhora de Aires, em Viana do Alentejo, classificado como Monumento Nacional desde 2012, reabre ao culto este sábado, dia 15 de maio.

De traça barroca com elementos rococó, o Santuário situa-se a cerca de dois quilómetros da vila do distrito de Évora e é local de devoção e romaria, conservando uma coleção de ex-votos “de excecional valor, pelo carácter iconográfico da religiosidade popular”. Datado de 1743, em substituição de um outro bem mais antigo, é considerado o maior templo do sul do país.

Para a sua reabertura, este sábado, está preparada uma festa que começa às 16h00 com a saída da imagem de Nossa Senhora de Aires, da Igreja Matriz de Viana do Alentejo, em cortejo automóvel até ao Santuário.

Uma hora depois, é celebrada a eucaristia que vai ser presidida pelo cardeal D. José Tolentino Mendonça e concelebrada pelo Núncio Apostólico em Portugal, D. Ivo Scapolo, pelo arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, pelo arcebispo emérito, D. José Alves e pelo bispo de Beja, D. João Marcos.

As cerimónias vão ser transmitidas, em direto, nas páginas do Facebook do Santuário, da Arquidiocese e da Câmara Municipal de Viana do Alentejo.

Sobre este acontecimento tão importante para os cristãos do alto e baixo Alentejo, a Renascença conversou com o arcebispo D. Francisco Senra Coelho.

A arquidiocese de Évora prepara-se para, em ambiente de grande festa, reabrir o Santuário de Nossa Senhora de Aires, a pouco mais de um quilometro de Viana do Alentejo, depois de profundas obras de requalificação. Esta devoção a Nossa Senhora está associada a várias lendas. O que nos pode contar sobre este culto que se perde no tempo?

O Santuário da Senhora de Aires tem várias particularidades, de encanto, de beleza e de valor antropológico, cultural e até etnográfico. Estamos a falar de um Santuário construído entre 1743 e 1803, princípio do século XIX, mas construído sobre um pequeno Santuário que, possivelmente, remonta ao século XV, a partir de uma tradição muito bonita. Um lavrador, enquanto arava a sua terra, deparou-se com uma espécie de um cofre ou um pote de barro que continha, dentro, uma imagem, a imagem de Nossa Senhora de Aires, que é como sabemos uma Senhora da Piedade, uma Pietà maravilhosa, em pedra de ansa. O relato diz que terá acontecido depois da expulsão dos mouros destas terras. O lavrador encontrou a imagem que tinha sido escondida por causa da presença islâmica. Terá, então, sido construída uma pequena ermida que, a partir de 1743, com a afluência de peregrinos, evoluiu para este majestoso e inesperado Santuário, que nos interroga pelo facto de estar no meio da planície, um tão grande e tão belo Templo.

E com registos históricos que testemunham todo esse enlevo pela Senhora de Aires?

Sim, é um Santuário já com laudas, com canções inscritas cancioneiros renascimentais. Não se esqueça que estamos a falar de Évora, capital do Renascimento, Évora, a Florença de Portugal. Não podemos esquecer a grande presença do rei D. Manuel I, a presença dos Autos de Gil Vicente apresentados a Sua Majestade El Rei, na nossa cidade. Não podemos esquecer Severim de Faria, André de Resende, ou a grande figura mecenática e, ao mesmo tempo, do renascimento da reforma da Igreja, o precursor do Concílio de Trento que foi o primeiro arcebispo de Évora, o cardeal D. Henrique. É nesse contexto que aparecem poemas em louvor de Nossa Senhora de Aires. Já no século XVI, na corte, se cantavam laudas, louvores à Senhora de Aires.

É, portanto, uma história muito rica?

Sem dúvida. Uma história muito rica, cultural e antropológica. E porquê? Apesar da Senhora de Aires pertencer à arquidiocese de Évora, concelho de Viana do Alentejo, faz uma grande ligação ao baixo Alentejo. E isso vê-se, por exemplo, através da romaria da Senhora de Aires, no ultimo fim de semana de abril, com os muitos romeiros que se deslocam a cavalo, oriundos de muitos concelhos que já pertencem à diocese de Beja ou que vêm da Moita do Ribatejo. Mas há também uma outra grande festa relacionada com as colheitas e a sua ligação a S. Miguel que a Igreja celebra a 29 de setembro. Na tradição, é a data própria dos homens do campo. Com S. Miguel, fazem as contas ou ajustam as vendas das terras. Cada uma destas romarias e feiras registam uma tradição muito forte com milhares de pessoas. Ainda lhe posso dizer que, para o próximo sábado, dia da reabertura do Santuário, estavam inscritos para a festa, cerca de 500 cavaleiros, mas fruto da situação que vivemos, por indicação da Direção Geral da Saúde, só é possível estar presente um cavaleiro por cada associação equestre.

Então, é uma espécie de encontro entre o baixo e o alto Alentejo?

Os peregrinos vêm em grande quantidade, de Alvito, de Vila Nova da Baronia, de Cuba, da Vidigueira, terras da diocese de Beja, e creio que até cresce mais para o baixo do que para o alto Alentejo. É um Santuário que liga a tradição do cante alentejano, muitíssimo presente no baixo Alentejo, com as tradições também musicais, mas um pouco diferentes, do alto Alentejo. Portanto, é uma ponte cultural, religiosa, comercial, com uma riqueza etnográfica e com uma visão do homem alentejano que chega ao próprio Ribatejo, num abraço de diálogo muito belo. A pequena imagem de Nossa senhora, não é muito grande, mas é de uma beleza extraordinária. Ela, sentada, como Mãe, com o seu Filho morto pela Humanidade, a mulher vertical, a mulher de pé, a mulher que entrega o que tem de mais belo que é o seu Filho. E Ele, o Filho, ao colo da Mãe, como Aquele que dá a vida por todos nós, tal e qual como a cruz, vertical e horizontal. É tudo de uma riqueza muito grande, que junta alto e baixo Alentejo, certos do quanto Deus nos ama.

No próximo sábado, dia 15 de maio, a reabertura do Santuário é feita de uma forma festiva, ainda que dentro das regras a que a pandemia obriga. Vamos ter uma Eucaristia que vai ficar, seguramente, na memória. O senhor D. Francisco convidou o cardeal José Tolentino de Mendonça para presidir à cerimónia. É mais um motivo de grande alegria?

Sim, vamos ter a alegria de ter um homem de grande sensibilidade que nos dá a honra de vir ao Alentejo. O Cardeal José Tolentino Mendonça, bibliotecário e arquivista do vaticano, um homem de alta cultura, um poeta, como sabemos, que vem trazer-nos palavras de esperança, de estímulo, para desconfinarmos os nossos corações à paz e à solidariedade. Eu gostaria muito que a reabertura do Santuário coincidisse com a primavera da esperança da pós-pandemia, coincidisse com as papoilas do campo alentejano, com a beleza deste verde que nos quer fazer renascer a todos. Como dizia em Fátima o senhor cardeal, “a cinza reclama pelo fogo”, ou seja, da cinza temos de fazer o fogo novo do renascimento, da reconstrução e, ao mesmo tempo, também do empreendimento material. Não só do pão vive o homem e, por isso, é do lado espiritual que virá a força para o material.

Na véspera da reabertura do Santuário, que mensagem deixa à arquidiocese, aos que vão estar presentes, mas também aos que não podem pelas mais variadas circunstâncias?

A mensagem é, no essencial, que estaremos todos, cada um segundo a sua possibilidade. Podemos estar fisicamente, infelizmente não vai ser possível em numero muito elevado devido às circunstâncias da pandemia, mas podemos estar todos espiritualmente. O espaço exterior, pela sua dimensão, é promissor para as pessoas. E estas podem ir, mas levando máscaras e mantendo as distâncias. As que não puderem estar, pelos mais diversos motivos, podem acompanhar através dos meios digitais da arquidiocese. Agora há uma coisa que todos podem ter a certeza: todos estarão no coração do bispo. Vou ter presente todos os sós, os casais já idosos, as novas gerações, os presos quer de Évora, quer de Elvas, os doentes e todos os que sofrem as consequências da pandemia. Ali, naquele altar, estaremos todos. Que ninguém se autoexclua pois não será excluído. Maria é Mãe e, por isso, o seu coração faz festa quando o Filho chega. Vamos estar todos, a partir das 17:00, na eucaristia de Viana do Alentejo.

Seguramente, para uma grande festa?

Sem dúvida, uma grande festa do alto e baixo Alentejo. Vai estar presente o senhor bispo de Beja, D. João Marcos, o Núncio Apostólico, D. Ivo Scapolo, representante do Papa em Portugal, também o bispo emérito, D. José Alves, assim como o senhor cardeal D. Tolentino que nos trará uma palavra do Papa. Estamos, portanto, num dia em que temos de nos engalanar por dentro, pôr as melhores colchas no nosso coração, neste tempo, ainda, com sabor a Páscoa e vivermos com alegria um dia que, de forma vespertina, é a Ascensão do Senhor. É Ele que nos leva para o Pai e é Ele que fica connosco. “Estarei convosco até ao fim dos tempos”. Que seja a unidade, a palavra-chave, a confiança, uma palavra que abre a relação entre nós, e a palavra esperança, o cimento da construção. Será mais um estímulo espiritual para o nosso Alentejo e para a nossa arquidiocese.

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