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Novo livro abre "a caixa de correio de Nossa Senhora" (sem revelar identidade dos peregrinos)

13 out, 2020 - 20:23 • Teresa Paula Costa

Publicadas pela primeira vez cartas a Nossa Senhora que peregrinos deixaram na Capelinha das Aparições entre 1940 e 1977. Apresentado em Fátima, o livro do jornalista António Marujo reúne grande parte da correspondência enviada durante a guerra colonial. Reitor do Santuário garante que a privacidade dos autores das cartas está salvaguardada e destaca importância desta investigação.

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Peça da jornalista Teresa Paula Costa sobre livro "A caixa de correio de Nossa Senhora" (13/10/2020)
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Chama-se “A Caixa de Correio de Nossa Senhora” e reúne muitas das cartas que os peregrinos de Fátima foram deixando, desde 1940 até 1977, na chamada “pianha de Nossa Senhora” existente na Capelinha das Aparições, no santuário de Fátima.

Cartas em que os devotos relatavam à Virgem as suas preocupações e lhe pediam ajuda. Recolhidas todos os dias e fechadas, eram, e são ainda hoje, guardadas no Arquivo do Santuário. No final de 2018 foram, pela primeira vez, lidas por alguém, o jornalista António Marujo, com o intuito de as tornar públicas.

Tudo começou, conta o autor, em entrevista à Renascença, com um desejo. “A propósito do centenário da Grande Guerra, tinha vontade de fazer alguma coisa que cruzasse a questão da Guerra com a questão religiosa”, começa por contar. “Depois, a dada altura, quando estávamos a pouco tempo da visita do Papa Francisco a Fátima, houve umas jornadas no santuário com jornalistas e o Marco Daniel, diretor do departamento de estudos do santuário, referiu-se ao Arquivo com uma expressão do género: ‘nem imaginam a quantidade de mensagens que temos aqui em arquivo e que estão à espera de serem trabalhadas pelos historiadores!’”. Foi nessa altura que se fez “o clic”: porque não juntar as duas coisas? Estudar e investigar as referências à guerra que ali estivessem. Foi o que fez.

Cartas revelam dores e preocupações de devotos

Pelos seus olhos passaram mais de 50 mil cartas escritas entre 1940 e 1977 que revelavam, descreve António Marujo, “o que é que nos dói nas nossas vidas, onde é que estamos mais frágeis”. Era, no fundo, “um desabafo o que as pessoas ali escreviam”, dirigindo-se a Nossa Senhora “como se estivessem a escrever ou a falar com a sua amiga mais íntima”.

Questionado sobre o que mais o impressionou nestas cartas, o jornalista aponta duas cartas que o fizeram pensar.

“Uma, de uma cigana, que começa a dizer ‘eu sou cigana e, por isso, sou pecadora.” Uma expressão que revelava “o estigma que algumas pessoas sentem em cima de si e que, infelizmente, hoje, ainda continua muito presente na nossa sociedade.”

“Outra ou outras cartas”, continua o autor, “de soldados ou de familiares a dizerem ‘eu espero um dia vir aqui ao santuário e depositar esta carta ou simplesmente caminhar até à Capelinha como forma de agradecer o facto de ter regressado são e salvo.’” Cartas que dizem, acrescenta António Marujo, “que, mais do que quererem salvar o império, as pessoas queriam salvar os seus entes queridos ou familiares ou a si mesmos”.

Além das cartas, o livro insere testemunhos de antigos combatentes e depoimentos de especialistas de áreas como a sociologia, psiquiatria, investigação histórica e membros da Igreja portuguesa.

Identidade dos autores preservada

Para aceder ao arquivo da Caixa de Nossa Senhora, António Marujo solicitou autorização ao Santuário de Fátima, que foi dada, tendo em conta que o período em que as cartas foram escritas já ultrapassou o que é exigido para divulgação pública dos arquivos – 50 anos. Segundo o reitor, o direito à privacidade da correspondência “é salvaguardado neste caso”.

O padre Carlos Cabecinhas acrescenta ainda que “a essa preocupação, nós somámos um protocolo estabelecido com o investigador, a obrigação de não divulgar nomes e por isso é que a opção do autor é, na maior parte dos casos, de usar simplesmente iniciais para que não se permita a identificação das pessoas e assim se possa salvaguardar a sua privacidade.”

A relação dos devotos com Nossa Senhora

Para o reitor, a obra é importante porque investiga “uma parte do arquivo que habitualmente não é trabalhada”, mas também devido à própria temática, porque “ao falar das mensagens dos peregrinos, fala-se necessariamente da sua relação com Fátima, do quanto Fátima marcava a vivência das pessoas naquele período.” “Esta é uma obra extremamente interessante que abre caminhos que têm novidade em relação à investigação sobre Fátima”, acrescenta o sacerdote.

O livro “A caixa de Correio de Nossa Senhora” é editado pela “Temas e Debates e está à venda nas livrarias de todo o país.

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