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Coimbra vive ano jubilar de Santo António e Mártires de Marrocos

09 jan, 2020 - 18:30 • Olímpia Mairos

Na carta pastoral à diocese, D. Virgílio Antunes denuncia o “discurso forte contra todas as descriminações” das “sociedades modernas”, que, “não raro, dão lugar a outras, entre as quais a discriminação social e cultural dos cristãos”

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O Papa Francisco convocou, a pedido do bispo de Coimbra, um Jubileu – ou Ano Santo – para a Diocese de Coimbra, durante o ano de 2020.

A razão deste jubileu é a celebração dos 800 anos do martírio dos primeiros frades que São Francisco de Assis enviou em missão para Marrocos, e cujas relíquias repousam em Coimbra, e a importância deste facto na vocação de Santo António.

Na carta pastoral que dirige à diocese, D. Virgílio Antunes explica que “um ano jubilar é sempre um ano de graça para os cristãos que se dispõem a fazer caminho, no seguimento das inspirações próprias das figuras ou circunstâncias que o motivam”.

“Além do júbilo e da ação de graças de toda a comunidade diocesana pela figura de Santo António, que foi cristão entre nós, foi discípulo de Cristo na nossa terra e deixou atrás de si um rasto de santidade que nos entusiasma, queremos ajudar cada pessoa a fazer o seu caminho único de encontro pessoal com Cristo, único Salvador, e com a Sua Igreja”, escreve D. Virgílio.

O jubileu tem início este domingo, 12 de janeiro, com a celebração de abertura da Porta Santa na Igreja de Santa Cruz, pelas 16h, e termina no dia 17 de janeiro de 2021, com o encerramento do Ano Santo. Este arco temporal inscreve-se entre a celebração litúrgica dos Mártires de Marrocos, que tem lugar, cada ano, a 16 de janeiro.

Na nota pastoral à diocese, D. Virgílio Antunes define “cinco desafios” para o Ano Jubilar: “o desafio da Evangelização, o desafio da Espiritualidade, o desafio da Renovação Cultural, o desafio da Vocação Cristã e das Vocações na Igreja e o desafio da Renovação da Piedade Popular Antoniana”, manifestando o desejo de que a celebração jubilar “constitua um forte incentivo para a renovação da Igreja, para o fortalecimento da fé das comunidades da Diocese de Coimbra e seja semente de novos cristãos”.

“Cristãos entre rejeição civilizada ou perseguição cultural e ideológica”

O bispo de Coimbra considera que “numa sociedade religiosa do passado ou numa sociedade secularizada do presente, persiste a urgência de evangelizar”.

“Mais do que nunca, sente-se a necessidade de evangelizar o interior do ser humano, as suas conquistas científicas e técnicas, as relações sociais, económicas e políticas, e até a própria religiosidade cristã vivida no espaço eclesial”, sublinha, dando o exemplo de “Santo António que, não podendo ir para as terras de África, como desejou, percorreu os longos caminhos do Sul da Europa a anunciar o que viu e ouviu no encontro com Cristo”, sublinhando que o santo português convoca, hoje, a Diocese de Coimbra “para uma nova etapa evangelizadora e acompanha, com a sua intercessão, a nossa alegria e entusiasmo de seguir o seu exemplo”.

No documento, D. Virgílio Antunes constata que “as perseguições aos cristãos ainda não acabaram e vão renascendo em lugares concretos, tornando-se o maior dos desafios e a prova de fogo para a fortaleza da fé”.

“Na esperança de que entre nós não reapareçam as perseguições que levam ao derramamento de sangue, não deixamos de estar, hoje, sujeitos a muitas provações: as que nascem dentro de nós e são fruto dos nossos egoísmos; as que crescem dentro da própria Igreja e são consequência da sua infidelidade”, alerta o prelado.

Segundo D. Virgílio Antunes, os cristãos estão hoje “diante do desafio” de dar testemunho da sua fé e da sua esperança, “perante a possibilidade de uma rejeição civilizada ou de uma perseguição cultural e ideológica bárbara”.

“Apesar de as sociedades modernas terem um discurso forte contra todas as descriminações, não raro dão lugar a outras, entre as quais se pode contar a discriminação social e cultural dos cristãos”, alerta o bispo.

“A paz depende do diálogo cultural e religioso”

O bispo de Coimbra, D. Virgílio Antunes, defende ainda na sua carta pastoral que o diálogo cultural e religioso é um dos fatores de que depende a paz no mundo.

“A paz está dependente de muitos fatores, e entre eles conta-se certamente o diálogo cultural e religioso, que assenta no respeito pelo princípio da dignidade da pessoa humana, com os consequentes direitos e deveres, e nos valores fundamentais, como são a vida, a paz, a verdade, a liberdade, a justiça, a solidariedade e a caridade”, escreve o bispo de Coimbra.

O prelado destaca que, de entre os muitos pontos a considerar no caminho de encontro e diálogo, encontram-se as questões “ligadas à ética, muito frequentemente lugar de fraturas profundas”, sublinhando que, “de igual modo, as relações ecuménicas e o diálogo inter-religioso precisam de estar na ordem do dia, para que sejam elemento decisivo na construção de um mundo mais coeso e fator decisivo na construção da paz”.

O bispo da Diocese de Coimbra aborda também a devoção e a piedade popular antonianas e defende que “precisam de forte renovação, para que não se reduzam a rituais ou festas vazias de sentido espiritual e pastoral, mas sejam momentos aptos para gerar o crescimento da fé, do amor a Deus e de santificação dos fiéis”.

D. Virgílio sublinha que “tudo o que se faz em Igreja deve ter um marcado significado evangelizador” e defende que também as manifestações de piedade popular antonianas devem revestir-se desse caráter.

“A festa deve levar à evangelização; a liturgia deve levar à comunhão com Deus e com a Igreja; o convívio deve ajudar a aprofundar os valores testemunhados pelo patrono”, explicita.

Segundo o bispo de Coimbra, “de grande alcance pode ser o aproveitamento da tradição” ligada à caridade de Santo António e à solidariedade para com os pobres, “expressas na distribuição do pão e nos gestos de partilha fraterna com o próximo ou com as necessidades da comunidade”.

O Jubileu de Santo António e dos Mártires de Marrocos insere-se “plenamente nos dinamismos propostos à Diocese de Coimbra pelos Planos Pastorais trienais que têm conduzido a ação pastoral”, indica o bispo diocesano, sublinhando que Santo António é uma figura “incontornável da história da Igreja, da história de Portugal e da história de Coimbra”.

Assim, entre 12 de janeiro de 2020 e 17 de janeiro de 2021 celebra-se, em Coimbra, o Ano Santo de Santo António de Lisboa e dos Mártires de Marrocos e assinalam-se festivamente a chegada das relíquias dos cinco frades franciscanos, enviados por São Francisco de Assis para o Norte de África; comemora-se ainda a ordenação de Santo António e a sua passagem do Mosteiro de Santa Cruz para o Convento de Santo António dos Olivais.

Os cinco Mártires de Marrocos

Berardo e Otão (sacerdotes), Pedro (diácono), Acúrsio e Adjuto (leigos) foram os primeiros missionários enviados por São Francisco às terras dos sarracenos. Naturais de Narni, Itália, abraçaram o exemplo de vida de Francisco de Assis e ingressaram na Ordem dos Frades Menores. Partindo de Assis em 1219, passaram por Coimbra, onde tiveram a possibilidade de conhecer o Cónego Regrante Fernando de Bulhões (o futuro Santo António).

De passagem por Sevilha começaram a pregar a fé de Cristo nas mesquitas. Conduzidos perante o sultão, foram encarcerados e, depois, transferidos para Marrocos, com a ordem de não pregar mais o nome de Cristo. Eles, porém, continuaram com “grande coragem a anunciar o Evangelho”. Por isso, foram presos e “cruelmente torturados e, finalmente, decapitados em Marraquexe”, a 16 de janeiro de 1220.

Os restos mortais (as relíquias) dos Santos Mártires foram trazidos pelo Infante D. Pedro para o Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra e foram acolhidos por grande multidão de fiéis, que lhes atribuiu uma singela veneração. Foi o corajoso exemplo de fé destes frades que motivou Santo António a mudar de vida e a ingressar na nascente Ordem franciscana.

Ao receber o anúncio do glorioso martírio dos seus frades, São Francisco exclamou: “Agora posso dizer com certeza que tenho cinco verdadeiros frades menores”. Os mártires foram canonizados pelo Papa Sisto IV, em 1481.

Santo António

Fernando Martins de Bulhões nasceu em Lisboa, por volta de 1195.

Depois de ter recebido a primeira instrução junto à Sé, aos 15 anos entrou no Mosteiro de São Vicente de Fora, onde prosseguiu a sua formação. Pouco tempo depois, ingressou no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, onde completou a sua formação e foi ordenado sacerdote, aos 25 anos.

Em fevereiro de 1220, chegaram ao Mosteiro de Santa Cruz, em Coimbra, as relíquias dos cinco missionários franciscanos que tinham sido martirizados, em Marrocos. Fernando, cativado pela sua coragem, simplicidade e fé, decidiu juntar-se aos franciscanos e partir para as missões. Trocou o mosteiro de Santa Cruz pelo pobre ermitério de Santo Antão dos Olivais (atualmente Santo António dos Olivais), mudou de nome e assumiu o de António e, depois de um breve tempo, partiu para Marrocos, na senda dos cinco primeiros Mártires franciscanos.

Mas os seus planos não se cumpriram. A missão em Marrocos transformou-se numa grande desilusão. Em vez de pregar nas praças, ficou doente, com febre malária, e teve que regressar a Portugal. O navio, porém, sofreu um naufrágio e foi arrastado até às praias da Sicília.

Doente e vivendo uma crise interior, António partiu para Assis, onde encontrou São Francisco, no Capítulo das Esteiras de 1221. O encontro com o “Poverello” restituiu-lhe a paz interior. De Assis, foi enviado para o ermitério de Monte Paulo. Um dia, António foi chamado para Forlí para uma ordenação sacerdotal. Acontece que, tendo faltado o pregador oficial, encarregaram-no de dizer algumas palavras. Revelou-se, então, todo o seu talento de pregador. A partir daquele dia, foi enviado a percorrer os caminhos de Itália e de França, para levar a todos a Boa Nova do Evangelho, tornando-se o grande evangelizador da Igreja do seu tempo.

Através da sua palavra e do seu empenho, contribui para a construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna. Quando morreu em Pádua, a 13 de junho de 1231, as crianças irromperam pela cidade gritando “morreu o Santo!”.

Foi canonizado pelo Papa Gregório IX, em 30 de maio, de 1232.

O culto a Santo António tornou-se mundial, ultrapassando as fronteiras da Igreja católica. Hoje não há povo que não conheça Santo António, que é comemorado a 13 de junho, data da sua morte.

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